Excusez-moi escrita por Ella


Capítulo 1
Wake Me Up When September Ends


Notas iniciais do capítulo

Eu nunca escrevi um yaoi. Na verdade, eu nem nunca li um yaoi. Eu gosto de desafios, por isso, desafiei à mim mesma tentando escrever um assunto na qual eu não sou dominante. Espero que gostem.



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— Pare de chorar, por favor.

Ouvi seu sussurro sôfrego ao meu lado. Meus olhos arderam ainda mais quando enxuguei uma lágrima. Eu ainda não entendia como chegamos àquele ponto. Olhei para seu rosto, agora bem mais pálido. A pele estava mais flácida e ele parecia ter envelhecido dez anos. Os cabelos negros perderam o brilho, assim como os olhos verdes. Ele estava morrendo.

Minhas mãos foram para sua testa. Seu corpo estava mais gelado que o normal, como um cadáver. Seus dentes batiam de frio, mesmo quando lá fora fizesse trinta e dois graus.

— Matt, como nos conhecemos? — As palavras saíram trêmulas de seus lábios arroxeados. Minha mão segurou a sua ainda mais forte. Ele estava começando a perder a memória. Esse era o efeito colateral da doença que mais me assustava. Eu não queria que ele me esquecesse.

Talvez ele também não se lembrasse de como havia sido infectado. Aquela era uma memória que ele não deveria se lembrar. Ele havia saído em busca do pai que tinha virado... aquela coisa (Eu ainda não havia me acostumado com a palavra zumbi). Ele resolveu procurar o pai e acabou sendo infectado por um daqueles mortos-vivos. Eu salvei ele na última hora, quando o zumbi tinha apenas mordido seu ombro direito. Eu não devia tê-lo trazido para casa, mas eu simplesmente não podia deixar meu melhor amigo no chão, sangrando e se contorcendo de dor. Eu o salvei, trouxe para o albergue onde nós, um dos poucos sobreviventes de nossa raça, vivíamos. Claro que quase ninguém concordou mas eu não dei ouvidos. Era o Cameron, eu nunca o deixaria para trás. Se eu fizesse isso, com certeza sua morte seria menos dolorosa.

— Estávamos festejando no albergue. Era Natal, dezembro de 2012, sete anos atrás. Tentamos agir como se o mundo não estivesse acabado. Tentávamos juntar os resquícios de nossas vidas, momentos, memó...

— Resquícios? — Ele parecia não se lembrar do significado da palavra. Ri baixo, me aconchegando em seus braços e tentando inalar os restos de seu cheiro que ainda estava impregnado na camisa.

— Restos — expliquei. — Você me chamou para dançar. Claro que alguns entortaram os narizes, afinal, éramos dois homens. Mas ninguém fez nada para interferir. Era o fim do mundo, a última coisa que importava era a nossa orientação sexual. Viramos conhecidos, passamos a ser amigos e no fim acabamos sendo amantes. Fomos felizes.

— Qual música nós dançamos?

— Wake Me Up When September Ends, do Green Day. Era a sua banda preferida.

— Cante pra mim. Quero me lembrar dela.

Summer has come and passed, the innocent can never last. Wake me up when September ends…

Like my father's come to pass. Seven years has gone so fast. Wake me up when September ends… — Sua voz saiu mais rouca que o normal.

Here comes the rain again. Falling from the stars.

As my memory rests, but never forgets what I lost. — Ele pulou partes da música e aquilo me quebrou por dentro. — Me desculpe, esqueci a música. Não consigo me lembrar de muita coisa. Tenho vontade de chorar mas não faço ideia do porque.

— É só um efeito colateral.

— Não sei porque não quero virar um zumbi, parecia legal em The Walking Dead — comecei a rir. Ele se lembrava de The Walking Dead. — Não quero que meu rosto fique cheio de feridas, sou bonito demais para ser estragado como uma fruta podre.

— Nem quando está morrendo você consegue ser menos egocêntrico? — Ele sorriu para mim.

— Você me acha egocêntrico? Nunca me disse isso.

— Na verdade, eu falava isso em todo santo momento.

— Eu te amo. Não sei porque, nem como, mas eu te amo. — A forma com a qual ele disse isso foi totalmente genuína. Linda, de uma forma que nunca havia dito antes.

— Eu também te amo, Cam. Por favor, não esqueça isso.

— Vou tentar. Estou com calor, tire esses cobertores de mim, por favor.

— Sabe que não posso, sua temperatura pode cair demais e...

— Vai acontecer de qualquer forma — Sussurrou. Minhas mãos tremeram e ele as apertou ainda mais. — Tire as cobertas de mim, é o meu último pedido. — As últimas três palavras me destruíram por dentro. Último pedido. Ele havia aceitado a morte.

— Tudo bem — falei, tentando não voltar a chorar. Retirei os cobertores de seu corpo, já que seu corpo fraco e sonolento já não conseguia fazê-lo.

— O mundo, ele está...

— Diferente? — Ele concordou. — Muito. Vou te contar um segredo. Eu te falei antes, mas você provavelmente não lembra. Eu sempre achei que o mundo seria destruído por aliens. Sonhava com isso. Um grande engano, ele foi destruído pelos próprios humanos. Ironia, não?

— Como aconteceu?

— Doenças dão dinheiro. Câncer, AIDS, doenças desse tipo foram criadas em laboratório. A doença que o governo americano gerou mataria muito mais e bem mais rápido. Liberaram-na e o mundo virou um caos. Nem todos tinham dinheiro para pagar o remédio e conforme a doença avançou, o mundo regrediu. Desmoronamos. A humanidade agora tenta apenas sobreviver. Não temos recursos para fazer pesquisas ou para fabricar mais dos coquetéis que auxiliariam no tratamento da doença.

— Como foi nosso primeiro beijo? — Cameron mudou de assunto bruscamente, me fazendo olhá-lo com dúvida. Meu rosto ficou avermelhado instantaneamente e ele riu disso.

— Natal de 2013, embaixo de um visco. Muito clichê, eu sei. Tem uma tradição, lembra? Se beijar embaixo do visco.

— Sim, lembro.

— Não precisa mentir.

— Excusez-moi — pediu em francês. Olhei assustado para ele.

— Você ainda consegue falar francês? Então, você apenas se lembra do meu nome porque eu lhe falei, mas consegue se lembrar de palavras em francês? — Perguntei indignado. Ele sorriu de lado, como sempre fazia.

— Ciúmes do francês? — A ironia em sua voz não me irritou com costumava. Eu não tinha forças para sentir raiva.

— Oui — confirmei.

— Nós já transamos? — A frase saiu de forma to simples. Era como se estivesse perguntando que dia era hoje. Fitei nossas mãos para não ter que fitar seus olhos verdes inquisidores.

— Sim. — Ele abriu a boca novamente. — E não, eu não vou falar como foi.

— Só ia perguntar se foi em nossa lua de mel, marido. — Ele virou nossas mãos para mostrar a aliança improvisada que estava em nossos dedos. — Somos casados?

— Sim. Nos casamos, acredita? Fugimos para ir em uma igreja abandonada, trocamos alianças, você mesmo as fez com arames. Fizemos nossos votos e no final cantarolamos a marcha nupcial. O lugar era sujo e nossos ternos eram velhos, mas aquele foi o melhor dia da minha vida.

— É uma pena que eu não me lembre.

— Na verdade, você gravou. Quer assistir? — Seus olhos opacos ganharam um brilho genérico mas que aqueceu todo o meu corpo. Acenou com a cabeça enquanto eu pegava o celular dele. Estava quase descarregando, eu teria que trocar a bateria, já que não tínhamos energia elétrica no albergue para poder carregá-lo.

Posicionei o aparelho em seu colo e comecei o vídeo. A câmera do celular era péssima. Dois homens de terno davam as mãos enquanto trocavam alianças tortas. Prometo amar-te até o último dia de minha vida, ele disse. As lágrimas voltaram de novo e minha vista embaçou. Fechei os olhos, tentando não deixar ele me ver chorando.

— Olhe para mim.

— Não.

— Se il vous plaît — implorou.

— Não quero que sua última imagem de mim seja com os olhos inchados e rosto avermelhado.

— E eu não quero que a sua última imagem de mim seja com os olhos mortos e com a pele acinzentada, mas aqui estou eu, não estou? — Levantei o rosto a contragosto e vi ele sorrir fraco pra mim. — Você está bem melhor que eu. Você é lindo.

— Não quero me despedir de você.

— Temos poucos minutos.

— Está sentindo algo?

— Estou me sentindo mais forte.

— Está começando.

— Matthew, lembra quando eu disse que tirar os cobertores era o meu último pedido? – Acenei. — Era o penúltimo. Tenho outro.

— Qual?

— Me beije.

Eu nunca negaria um pedido como aquele. Meu corpo se inclinou sobre o seu e, diferente de todos os outros beijos, não fechei meus olhos. Queria gravar cada parte de seu rosto, a forma que seu rosto se contorcia durante o beijo, a testa franzida, os cabelos caindo suados no rosto e os lábios frios se movimentando abaixo dos meus. Sorri durante o beijo. Parecíamos os mesmos por alguns segundos.

— Não quero esquecer isso, por favor não me deixe esquecer.

Continuamos nos beijando por um bom tempo, até que ele começou a se contorcer. Me afastei um pouco dele, para ver o que tinha acontecido. Ele sentou rapidamente na cama, embreando a mão nos fios pretos de seu cabelo. Saí da cama assustado.

Os grunhidos estranhos começaram em seguida. Me lembravam animais raivosos, sussurrados. Seu corpo passou a tremer. Estava começando. Em breve ele tentaria me matar. Fui para perto da porta, abrindo-a. Ele abaixou a cabeça novamente e começou a puxar os fios mais fortemente. Me abaixei ao seu lado e segurei seu rosto em minhas mãos. Ele me empurrou para longe e aquilo me fez temê-lo pela primeira. Ainda caído, comecei a andar para trás. Antes de sair do quarto olhei mais uma vez para Cam.

Dois olhos raivosos me fitaram, como um predador olham uma presa. Aqueles olhos não eram de Cameron. Aquele não era Cam.

Corri porta afora, sentindo passos também rápidos atrás de mim. Eu iria morrer. Desci as escadas rapidamente, tentando não tropeçar nos buracos. Eu não devia ter ficado no último andar do albergue. Na parte de cima não ficava ninguém.

O zumbi atrás de mim tentava subir as escadas na qual eu estava agora. Ele caiu, tropeçando nos próprios pés. Eles não tinham coordenação motora. Corri para o outro lado do corredor, sem saber para onde estava indo. Entrei em uma sala escura e cheia de poeira. Fiz silêncio. Olhei em volta, vendo várias armas. Era a sala de armamento, para as caçadas que fazíamos.

Ouvi a porta do cômodo ao lado ser batida. Ele iria entrar ali. Não tinha para onde fugir.

Coloquei uma espingarda na frente da porta, aquilo o pararia por alguns segundos. Eu tinha que pensar em algo, eu tinha que pensar em algo, eu tinha que pensar em algo. Depois de algum tempo, uma mão cadavérica apareceu no meio da porta. Dei passos para trás. O tempo havia acabado.

Demorou mais um pouco para a porta ser escancarada. O zumbi grunhiu para mim e avançou. O último ato foi instantâneo. Foram poucos segundos entre o momento que ele começou a correr e o instante no qual eu peguei a pistola ao meu lado e dei três tiros em sua cabeça. A arma deu três coices e aquilo nunca havia doído tanto. Eu, que fiz aquilo inúmeras vezes, me via incapaz de controlar o medo ainda pulsante em minhas veias.

Ele parou alguns segundo em pé, antes que seu corpo caísse para trás. Andei mais um pouco para trás de deslizei o corpo pela parede. Eu havia matado Cam.

Larguei a arma no chão, ouvindo o som oco da madeira. Minhas mãos adentraram meus cabelos e eu voltei a chorar.

— Je t'aime. Excusez-moi.


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Notas finais do capítulo

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