Nuvens de Sangue escrita por Felipe Araújo


Capítulo 19
Capítulo 19 - Pesadelos


Notas iniciais do capítulo

Percebi que caiu demais os números de leitores e comentários, por que? A história está cansativa, podem falar.Enfim, mais um capítulo.



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A cada passo dado via-se minha vida se esvair, fugir de mim, saltar do meu corpo como uma fera atrás de uma caça fresca. Minhas pálpebras lutavam para ficarem abertas, sentia sede, frio e calor ao mesmo tempo. Com uma das mãos sobre a minha barriga e outra nos ombros de Caroline seguimos para um lugar seguro.

O sangue escorria da ferida e descia sobre minha pele. Nestes últimos dias o que mais via era sangue, mas ainda não tinha sentido o meu próprio sangue em abundância, mesmo nessa situação ele é quente, talvez a única coisa quente que percorreu meu corpo por tempos. Queria parar ali, sentar sobre aquela água podre e dormir, entretanto não queria acordar. Morrer e desistir de tudo, não saberia o que fazer se não encontrasse os outros, o meu sentido de vida sumiria no exato momento que confirmasse a morte dos meus irmãos, de Luiza. Por que estamos passando por isso? Quero sentar, não posso andar por mais tempo...

**

O sol quente me fez abrir os olhos, do meu lado Luiza sorria. Percebi que estava com a cabeça em seu colo recebendo cafunes de carinho sobre os fios de meus cabelos. O resplendor de um sorriso como o dela abriu meus olhos como se eles estivessem fechados por muito tempo, tempo demais para que eu não soubesse distinguir onde estava. A sensação de pureza era tanta que suspirei, recebi aquele ar puro em meus pulmões e fiz questão de soltá-los como um trem em andamento. A grama verde que pinicava meus braços, o céu azul que adoro observar e aquelas árvores com folhas verdes de uma cor espetacular, vibrantes cheias de vida. Eu morri? Não sei, mas não queria sair de onde permanecia, aquele carinho recebido era tão aconchegante que fechei os olhos novamente, queria não sair dali.

Lembro-me do meu pai, de quando morei com ele. Os dias passados em sua casa, as brigas, os sorrisos, os concelhos as baladas com meu velho. Lembro de suas palavras serem sempre confortadoras, ele sabia me corrigir quando tirava-o do sério. Por dezenas de vezes tive que ser buscado em lugares indesejáveis, mas consciente de que tudo seria para o meu bem.

Lembranças de meus amigos transbordaram de minha mente, claro. Como esquecer? Sempre esperei eles em minha casa para jogar conversa fora, beber uma bebida e mesmo sabendo que ficaríamos embriagados, não parávamos por nada. Aquela época era muito boa, não temer as consequências. Sentia-se poderoso.

Mas o que me faz mais falta é a correria da vida adulta que começou quando me mudei para a metrópole de São Paulo. Saudades de minha mãe que fazia um café quente e saboroso todas as manhãs, aquele café... As broncas de Dona Mônica por sempre comer andando e atrasado. Sinto falta do calor humano, daquelas aglomerações de pessoas atrasadas para seus trabalhos, as mochiladas que tomei nos vagões dos metrôs. De sair do trabalho as cinco da tarde e correr direto para a Faculdade que começava as seis da tarde, sinto falta disso.

Mas sentir falta de coisas desse tipo é como não ter nada. É lembrar que o mundo está sendo destruído por uma raça desconhecida, é lembrar que podemos ser devorados por monstros. Comecei a sentir frio, percebi que a grama murchara quando apertei ela sobre minha mão, abri os olhos. O céu de azul límpido ficara vermelho sangue, as nuvens cinza e as árvores secas como uvas-passas. Luiza sumira e o que via era meu pai com os olhos da cor de dois tuneis negros e sem vida. Seus dentes decrépitos explodiam em sangue. Gritou em meus ouvidos e então levou sua boca deslocada em meu rosto...

— Nic acorde, temos que continuar e sair desse esgoto.

— Onde estou?

— Você desmaiou, e enrolei minha blusa em sua ferida, você perdeu muito sangue. — Retomei meus sentidos ávido de que tudo não passara de um sonho que se tornou pesadelo. Caroline encontrava-se muito debilitada, doía minha alma de vê-la daquele jeito. Ela tremia como se fosse explodir. O frio era nosso maior desafio, a fumaça esbranquiçada que saiam de nossas bocas e narinas denunciava o nosso temor.

— Por quanto tempo eu dormi Caroline?

—Não muito, por alguns minutos. — Suspirei aliviado.

— Deixe ver essas suas mãos. — Toquei sobre a palma das mãos da menina, e estavam em carne viva.

— Dói muito.

— Logo vai passar.

Cambaleando andamos com a aglomeração de água sobre as canelas, saímos dos tubos que serviam para escorrer a correnteza e fomos até os corredores destruídos pelo impacto das bombas. Havia muito escombro por todos os lados e muito cano despejando sujeira. Comecei a gritar o nome de Clarice e Léo, e Caroline seguiu meus passos me ajudando nos berros. Mas o que encontramos foi barulho de pingos e enxurradas sendo despejadas em precipícios feito pelo saneamento básico da cidade. Não queria pensar no pior, mas eles não respondiam.

— Vamos seguir enfrente e sair nos tuneis que vão para o rio Tiete, se estão vivos com toda a certeza estão nos esperando lá Nic. — Caroline era esperta, forte como Léo. Mesmo naquela situação pensou em possibilidades isso era importante. Sorri para a menina que retribuiu com um sorriso de canto, sofrido, porém tomado por esperança.

Seguimos por um túnel tomado pela escuridão, uma escuridão total. Ouvia apenas o chicotear da água escassa sobre nossos pés. O frio ainda nos castigava e tinha certeza de não sentir meus dedos do pé, pois a um tempo não os mexia devidamente. De mãos dadas com Caroline e contando um passo de cada vez não paramos. Mesmo com um súbito medo do que poderia nos esperar na escuridão. Comecei a pensar em Oliver e naquelas coisas, ele foi morto brutalmente por eles. Então quer dizer que Zoens estão de baixo das ruas, nos esgotos. Mas o silêncio negou todos os meus pensamentos, pois se houvesse algum deles o gritar de um porco sendo abatido era notado a metros de distância. Cada passo que dávamos sobre o obscuro uma sensação diferente invadia nossos corpos, mesmo não vendo as expressões de Caroline, sentia seu desespero transmitidas em suas mãos machucadas.

Aquele escuro me fez inundar-se em pensamentos. Lembro-me de quando era criança, tinha pavor em dormir com a luz apagada e com a porta fechada. Sempre chorei quando isso acontecia, mas a luz era sempre acesa por minha mãe ou meu pai me tirando daquele mundo de sombras incertas, mas e agora? Quem acenderá a luz? Não existe esperança para a extinção do opaco lugar, não tem ninguém para acender a luz e nos mostrar que não existem monstros nos observando. O pavor de uma criança ao dormir no escuro voltou. Não quero ficar no escuro.

— Estou com medo! — A garota tremia de frio, sua pele cada vez mais gelada denunciou a precariedade, se eu não encontrar uma saída nós dois morreremos aqui.

— Está escutando Caroline? São impactos da batalha que estão acontecendo no céu. Estamos chegando perto de alguma saída, a água corre nesta direção, provavelmente para o rio Tiete. Vamos continuar.

O frio, as lágrimas e o sangue se tornaram um só nessa minha trajetória de sofrimento. O que falarei para minha mãe? Vi meu pai morto em minha frente e deixei os dois filhos dela morrer. Sinto uma dor crescer em meu peito, mas não é uma dor que sai da ferida em meu estômago e sim uma dor que se expande em meu coração. Que a luz tire toda essa agonia, a luz que acabara de emergir das trevas. Uma pequena luz no horizonte infernal. Deus existe? Quero saber… Sentir a esperança sugar o resto da sanidade que permanece em um ponto abandonado de minha alma. Dor… Angustia… Vamos conseguir sair daqui, eu sei que vamos.

— Estou tonto Caroline.

— Espere a saída, vamos. — A garota ainda fraca tinha forças para me carregar, mas meu corpo não parou de tremer e a sustentação de minhas pernas desapareceram. A hemorragia surgiu e levou o que restava de minhas forças. —Vamos Nicolas, temos que continuar, não quer ver novamente os seus irmão? Eu quero minha tia, quero ver a Luiza.

O choro de Caroline não conseguiu me dar forças, mesmo sabendo que devia continuar me neguei a me mover. Olhei para o chão o sangue tingia de vermelho aquele cinzento. Minha visão começou embaçar, a voz de Caroline ficar cada vez mais fraca e aquela luz desaparecer até sumir por completo.

**

— Acorde Nicolas, você precisa reagir. — Meus olhos pesados não me deixou enxergar, mas conhecia muito bem aquela voz. Era do Doutor Bruno, e aquelas mãos que encontravam as minhas era pequenas e macias, eram de Clarice. Fiz forças e consegui voltar aos meus sentidos e o frio que me tomou desaparecera em meio aquele cheiro de madeira e entulhos queimando.

Ao abrir os olhos me deparei com meus irmãos, mesmo debilitado fiz questão de abraçá-los, e cair em lágrimas. Foram lágrimas de desespero e felicidade ao mesmo tempo, achei que nunca veria eles novamente. A paisagem ao nosso redor se transformou em um lugar desconhecido. Fogo dilacera tudo em um raio de quilômetros. Prédios ao chão, casas e ruas desapareceram como mágica. E a única coisa que restara eram ferros retorcidos, pedras e escombros de uma megacidade destruída. Não existia mais nada, apenas destruição. Muitos corpos queimavam, o cheiro era repugnante. No ar muitas cinzas subiam com o balançar do vento, como se nevasse, mas uma neve negra de morte. Tudo que conheci já não existia. Criei forças para sentar, percebendo que Bruno havia cuidado de minha ferida. Enquanto todos demonstravam estarem cansados e muito machucados.

Torres estava ao meu lado, pálido e soando. Seu braço com curativos novos, mas parecia muito mal. Apenas deu uma piscadela para mim e sorriu. Olhei para trás e o rio Tiete estava sobre minhas costas, bem no ponto onde Marcos André nos pegaria, enfim suspirei. Aliviado... — Mas, espere – pensei alto. Caroline chorando como se tivesse perdido alguém, Léo a confortava. Onde está Luiza?

— Cade a Luiza? — Vociferei.

— Sinto muito, você dormiu por mais de uma hora, seu primo está atrasado e nesse tempo procuramos a Luiza nos esgotos e não encontramos. — Falara Michele, com lágrimas escorrendo de seus olhos.

— Não, não, ela não sumiu!

— Não se mexa muito Nic, ou sua ferida vai abrir novamente. Consegui salvar apenas uma mochila de primeiro socorros, as máscaras de gás, comida, água e tudo que tínhamos foi destruído pelo impacto das bombas.

— Bruno, vocês desistiram da Luiza? — E ele agachou a cabeça em um ato de respeito, mas não poderia aceitar. — Vou procurar ela. — Tentei levantar, e Clarice balançou a cabeça chorando, Marry aproximou de mim e em berros bateu com as duas mãos em meu peitoral.

— Não seja idiota, se não conseguiram encontrar ela, está morta. Não percebe? Gabriel está morto.

— Desculpe Marry, mas ele já estava infectado, diferente de Luiza.

— Não! — Ela chorou mais, - ele era tudo para mim, deixei meus pais por ele...

— Tudo o que você deixou para trás está morto, garota essa é a realidade agora — Disse Michele, — eu sei o que faziam. — Concluiu a mulher de cabelos rebeldes.

— Querem que eu fale? — Ela olhou para nós, eu não entendia. — Eramos bandidos, ladrões e pilantras. Mas não fazíamos mal a ninguém.

— Sim, eu já sabia! — Torres indagou com sua voz fraca, - foram vocês que assaltaram o mercado antes dos ataques, por isso tinha a chave da porta dos fundos.

— Tem razão policial, Gabriel morreu tentando salvar esse livro. — Ela retira o livro de capa azul da cintura todo molhado e despedaçado, — na verdade ele não é um livro qualquer, nele anotava tudo o que via ao meu redor e com isso conseguíamos bolar os planos de assalto. Por este motivo, ele se arriscou para pegar o livro, tudo que vivemos está aqui.

— Mas não vale mais nada, não tem motivos de se sacrificar por algo que não existe. — Falei.

— Você ainda não entendeu? Mesmo não precisando mais assaltar e não executar os planos que estão no livro, mesmo não precisando de tudo isso, era importante para nós. Por que fomos nós dois que construímos isso e agora está em pedaços. — Marry jogou o livro longe, despedaçando o que sobrou das folhas molhadas e caindo de joelhos chorou ainda mais.

— As aparências enganam, mas sei muito bem que são pessoas boas. — Falara Léo. E assim que terminou de falar um barulho emergiu por detrás dos escombros. E todos levantamos de onde estávamos e ficamos em guarda, Léo segurando a única arma que nos restou.

— Quem está ai? — Gritei com uma das mãos sobre a ferida que pressionou uma aguilhada de dor quando disse.

Ninguém respondeu, mas uma mão segurou a metade de uma parede. Sangrenta e precária, detrás Gabriel aparece. Mas não era o rapaz tatuado e sim um Zoen desenvolvido. Não tinha um braço, que poderá ter sido amassado pela queda dos escombros, o sangue e músculos caíram conforme ele balançou o toco. Seus olhos negros quase saltados explodiam de vontade de matar, parecia que uma de suas pernas encontrava-se destruída, por isso não conseguiu correr em nossa direção. Levava uma fratura exposta e seu osso apontara para fora, banhado a sangue ele esticou a sua única mão para nós. Meus olhos correram ao encontro de Marry que pareceu levar um choque de mil volts. Imóvel ela levantou-se e pareceu não acreditar no que via. Ela tentou correr, mas Bruno segurou a menina desesperada.

— Não, meu amor! — Ela se rebatia nos braços do médico. — Me solte, preciso dele.

— Ele não é mais o Gabriel. — Berrei, e Léo apontou sua arma para o morto que aproximava-se arrastando uma das pernas.

— Não se atreva a matar ele.

— Desculpe Marry, mas ele não é mais quem você acha que é. — Léo destravou a arma e quando mirou para atirar um barulho devastador nos atingiu fazendo todos caírem no chão.

— Droga, é a abdução! — Clarice indaga com as mãos nos ouvidos. A pequena estava certa.

Depois da maré de um estrondoso som, vem a onda de desespero. Gabriel parou olhando para o céu se rebatendo e esperando a luz cair sobre ele. Marry conseguiu se soltar de Bruno, a menina de cabelos castanhos e olhos penetrantes chegou ao seu limite da sanidade, atravessou a barreira e terminou insana. Abraçou o corpo destruído do seu namorado que agora era um Zoen enquanto ele estava sendo arrebatado pelos Alienígenas.

— Marry, não. — Michele gritou, mas segurei o braço da mulher.

— Deixe ela se despedir, fiz isso com meu pai, é a última chance dela. - Marry chorava sobre o corpo de Gabriel, que não fazia outra coisa a não ser se rebater com os braços apontados para o solo.

— Meu amor, sinto muito pelo que aconteceu. — A luz desceu e atingiu os dois. Aquela luz azul reluzente era magnífica, mesmo não sabendo o que acontecia depois que ela sugava o ser, era deslumbrante ver a delicadeza daquela luz.

— A luz vai sugar, deixe ele ir Marry. — Bruno tentou tirar a menina de perto, mas ela sorriu e concluiu.

— Quero ir com ele, vou ser sugada também, não importa o que acontecer.

— Ficou maluca?

— Não Torres, quero ir com ele, morrer com ele é minha escolha e ninguém deve interferir. Obrigado por tudo.

Todos ficamos pasmos com a decisão dela, mas o que poderá acontecer? Para onde ela irá? Percebi que Marry entrelaçou os dedos e os braços no pescoço de Gabriel, deu um sorriso para só e balançou a cabeça em um sinal de agradecimento. Torres fraco escorou-se a mim e apertou meu ombro, parecia apreensivo e não satisfeito com a decisão da garota, mas não poderíamos fazer nada. E como esperamos em um segundo Marry sumiu junto com Gabriel, sendo abduzida.

— Ela desapareceu entre as nuvens do céu. — Clarice falara em seguida me abraçou.

— Foi a escolha dela. — Completei, todos viramos de costas, e vociferei. — Agora vamos procurar Luiza, um grupo vem comigo e outro fica aqui, esperando o resgate... — Antes de terminar o que queria, um grito distante de desespero foi escutado por todos. O grito começou a ficar mais forte e vinha do céu.

— Tem alguma coisa caindo. — Bruno apontou para o cima. Sim, havia algo caindo dos céus.

— Meu Deus, parece... — Quando Michele falara, ela já havia caído.

Marry despencou do céu sozinha sem Gabriel. Em uma queda de vários quilômetros por hora. Quando atingiu o chão foi morte instantânea. Seu corpo se despedaçou em dezenas de partes, o seu sangue atingiu todos nós mesmo caindo longe. Suas tripas e pedaços se estenderam por dezenas de metros o berro de Michele ecoou pela cidade destruída ao ver a amiga mutilada. E agora tinha certeza e entendi o que aconteceu.

— Marry errou, apenas infectados podem ser sugados. — Falei limpando o sangue dela que respingou em meu rosto.


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem! o/



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