Silver Snow ESPECIAL DE NATAL DO TAP vol.2 escrita por Matheus Henrique Martins


Capítulo 15
Perdido e Encontrado




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– Felipe, mas que porra foi essa?! – Andressa guincha enquanto o encara embasbacada. Dessa vez não preciso de minha audição felina para ouvir a conversa; ela esta gritando e todos estão escutando. Todos, inclusive eu.

Felipe esfrega o rosto com a palma da mão sei que deve estar quente. Ele ajeita o pescoço e se vira para olhar Andressa com uma expressão confusa e um pouco irritada.

– O que acha que foi isso? – ele guincha. – Eu tentei te beijar, oras!

– Eu sei o que você tentou fazer, seu babaca? – ela grita e aperta a mão na frente do rosto dele. – Só não entendo que merda você tem nessa sua cabeça!

Ele ergue as mãos no alto, totalmente confuso.

– Porque eu gosto de você, Andressa! Isso não esta obvio ainda?

Isso me corta como uma faca, mas mantenho a calma e respiro fundo. Eu sabia que não tinha possibilidade. Achei que não ia me fazer de trouxa, fui trouxa.

Andressa cruza os braços, a boca retorcida em horror.

– Mesmo assim! – ela grita. – Em que planeta você vive pra achar que eu vou querer beijar você de volta!

– No planeta onde você me dá conselhos pra beijar a pessoa que eu gosto! – ele retruca.

Olho as pessoas ao redor delas. Algumas riem, outras analisam a cena e outras estão mesmo comendo pipoca. Uma garotinha de nove anos tira a cabeça de dentro da água e pega um punhado enquanto assiste.

Andressa balança a cabeça e sua expressão é incrédula.

– Eu só disse isso porque achei que você estivesse falando...

Ela se interrompe e de repente entendo tudo. Felipe esse tempo todo não estava falando de mim, mas Andressa estava. Agora as partes da conversa dela se encaixam. Andressa é esperta – sempre soube dos meus sentimentos por ele. Me recordo de nossa primeira noite em que viemos aqui e vejo ela tentando me fazer dizer algo.

Claro, ela estava me sondando, mas já sabia de tudo. Bem antes mesmo que eu soubesse o que eu mesmo sentia.

– Falando...? – Felipe incentiva. – Falando de quem? De quem mais possivelmente eu estaria gostando?

Andressa de repente começa a se balançar e joga Felipe com tudo para dentro da água. Quando ela faz isso a multidão de curiosos começa a bater palma e rir, mas ela se levanta da piscina e começa a andar.

Ao me notar ali, parado na porta, ela me encara inexpressivamente.

– Você ouviu tudo? – ela me pergunta ofegante. – Viu tudo?

Faço que sim com a cabeça.

– Ouvi sim.

Uma expressão de compreensão passa por seu rosto e ela passa por mim, indo em direção a um corredor depois do saguão. Desconfio que esteja trocando de roupa.

Giro meu olhar calmamente para a piscina e as pessoas continuam rindo de Felipe, tanto que seu rosto esta vermelho de vergonha.

Mas então eu vejo que ele não as olha; ele olha fixamente para mim.

Devolvo seu olhar com o máximo de simplicidade que consigo e vou pegando cada momento e cada memória ilusória em minha cabeça que provasse que ele sequer gostasse de mim. Felipe nunca gostou de mim; só estava me analisando, ou então apenas tentando chegar perto para descobrir algo sobre Andressa.

Talvez quisesse minha ajuda para conquista-la.

Balanço a cabeça e me viro para ir para o saguão. Escuto o barulho da água se movendo e Felipe chamando meu nome, mas não sou burro o bastante para me virar.

Não dessa vez.

Mas com a minha correria para me afastar dele, acabo esbarrando em alguém de cabelo escuro familiar. Nos olhamos por um segundo e sinto tanto alivio por encontra-lo que o abraço.

Eduardo retribui o abraço.

* * *

Bato na porta duas vezes.

– Dessa, abre!

– Nem a pau! – ela guincha de volta e escuto o barulho de algo quebrando.

– Andressa, isso é sério – sibilo e olho para Edu ao meu lado. Está vestindo roupas diferentes, uma camiseta azul escura apertada e calças jeans que também aparentam ser.

– É muito, muito sério! – ela guincha. – Diga aquele idiota que se ele chegar perto de mim eu soco o nariz dele e deixo o resto do corpo dele vermelho também!

Edu arregala os olhos e me encara, gesticula um “eu?” com os lábios e aponta para o próprio rosto. Mas balanço a cabeça para ele.

– Dessa, ele não esta aqui – eu bato de novo. – É sério, isso é realmente importante.

– Ah, como se eu fosse cair nessa Fernando! – sinto sua voz bem perto da porta. – EU NÃO SOU LOIRA NÃO, OUVIU?!

Estou prestes a abrir a boca, mas Edu segura meu braço e suspira.

– Você loira não ia ter nada a ver – ele comenta suavemente.

Um silencio toma conta do quarto por alguns segundos e depois Andressa passa a chave na porta. Quando a porta abre ruidosamente ela esta totalmente vestida, com uma camiseta vermelha e calça jeans escura. Olha para Edu por um segundo e respira fundo.

Os dois se abraçam e sorrio por dentro enquanto os encaro. Eduardo fecha os olhos enquanto vai retribuindo o abraço dela.

A cena linda se desfoca quando escutamos o elevador se abrir e Felipe saí dele. Esta vestido também, mas o cabelo loiro esta molhado. Olha de Edu para Andressa e fica congelado no corredor.

Andressa fuzila os olhos para ele.

– Você ainda se atreve a voltar aqui?

Felipe tenta abrir a boca para se defender, mas então Eduardo balança a cabeça e faz um gesto vago para dentro do quarto.

– Ainda bem que esta aqui – ele olha de Felipe até nós. – Tem algo que preciso dizer a vocês.

* * *

– Então ela não te jogou pra fora da cidade? – Andressa pergunta enquanto estamos todos sentados na cama, formando uma rodinha.

Eduardo balança a cabeça para ela.

– No começo eu pensei que estava, mas reconheci o Vallywood Bear e comecei a correr feito louco. Ela estava atrás de mim, eu podia sentir.

– Por isso roubou essas roupas? – aponto para o seu peito. – Não tinha uma do seu tamanho, não?

Ele faz uma cara de desdém.

– Eu não roubei essas roupas, peguei emprestado. Um garoto que mora por aquelas ruas suburbanas estava passando por ali e o obriguei a trocar de roupa comigo.

– Você o obrigou? – Felipe retruca.

– Algum problema com isso? – Edu retruca. – Podemos focar aqui na missão?

– Tudo bem – cruzo os braços. – O que você descobriu?

– Eu consegui despista-la – ele começa. – Mas tive uma excelente ideia. Deixei que ela perdesse o meu rastro, mas comecei a seguir o rastro dela. Ela parecia furiosa por ter me perdido e sumiu por um tempo. Fiquei louco, não sabia onde a vadia tinha se metido. Mas, logo depois, por uma sorte, avistei ela no estacionamento dos fundos de uma escola. Estava usando roupas diferentes, mas ainda assim era ela. Comecei a espiona-la a partir dali e descobri que o lugar onde ela quer fazer o tal feitiço poderoso de bloquear a barreira de um país inteiro.

– E onde vai ser? – Felipe questiona.

– No morro atrás dessa tal escola. É um dos pontos mais altos da cidade e tem vista para ela inteira. Ela vai aparecer por lá amanhã, no fim da tarde, quando a lua estiver no alto – eu a ouvi falando sozinha.

– Que esquisita – Andressa funga. – Bem, ao menos agora sabemos onde a Vadia se encontra. E podemos traçar algum plano pra impedir ela de chegar lá a tempo.

– Então teremos que chegar um pouco antes – falo. – Por volta das quatro da tarde, ou cinco.

– Um horário em que o sol ainda esteja no céu – Felipe murmura e eu o olho de lado. Ele desvia o olhar.

Eduardo assenti.

– A única coisa que precisamos nos preocupar de verdade é que ela vai tentar nos separar, como vem fazendo desde o começo.

Andressa acena com a cabeça.

– E não é por nada não, mas se já foi ruim ela fazer isso na cidade, imagina fazer isso no meio da mata.

Estremeço com essa possibilidade.

– Temos que encontrar algum ponto de localização – falo. – Algum lugar que possamos sempre voltar que ela fizer isso.

– Boa – Edu aponta. – Assim estaremos preparados pra qualquer das artimanhas dela.

– Mas ela ainda assim luta bem – Dessa diz. – E eu tenho uma impressão enorme de que ela não usou nem metade do que sabe fazer.

– E amanhã ainda vai ser Lua Cheia – Felipe comenta. – O que significa que se ela usar, estaremos ainda mais ferrados.

– O importante é não deixa-la chegar ao topo – Eduardo respira fundo. – Acham que conseguem fazer isso? Mantê-la ocupada tempo o bastante para isso?

Nos entreolhamos sem nenhuma certeza, mas sabemos que vamos tentar. Denise é poderosa sim, por ser uma Bruxa rasteira poderosa com vários feitiços e truques na manga.

Mas se ficarmos juntos e repelir cada um deles, ainda teremos chance, não é?

– Bom, por enquanto é só, pessoal – Edu esfrega as duas mãos. – Vamos dormir aqui na pousada essa noite e depois começar os preparativos amanhã bem cedo.

– Certo – Dessa acena com a cabeça. – Cada um para o seu quarto.

Me levanto e espero Dessa se levantar também, mas ela continua sentada na cama, olhando inexpressivamente para as paredes.

– Dessa?

– Ah, eu vou ficar por aqui hoje – ela sorri para mim e segura o braço de Eduardo. – Tudo bem pra você, certo?

Faço que sim com a cabeça, mas vejo os olhos dela fuzilarem para o rosto de Felipe.

– Acho que devia ir com ele – o tom dela apresenta mais do que apenas uma sugestão. Ela esta ordenando.

Felipe a encara por alguns segundos e respira fundo. Não espero ele me levantar e saio do quarto. Quando passo pela porta, escuto Eduardo perguntar confuso:

– Que merda aconteceu quando eu sumi?

* * *

Entro no elevador e nem olho para cima quando Felipe entra ao meu lado. O silencio se segue e a única coisa que escutamos é o zumbido do elevador. No meio do trajeto, sinto o olhar de Felipe em meu rosto, mas não olho de volta.

Porém, só quando o elevador se abre e colocamos um pé para fora dele, é que eu decido virar o rosto. Os olhos castanhos de Felipe estão brilhando.

– Fê – ele sussurra. – Fala comigo.

Eu o encaro em silencio no corredor e cruzo os braços. Queria ter a raiva de Andressa agora ou sua braveza que fez com que ela tivesse o impulso de lhe dar um tapa. Mas não vou dar um tapa nele, nem mesmo um soco. Não sou agressivo, não sou assim.

– Estou falando – digo secamente e passo por ele para ir até o quarto. Paro na porta enquanto pego a chave e Felipe se recosta ao meu lado na parede.

– Eu sei que o que eu fiz foi errado, mas eu sinto muito – seus olhos brilham. – Eu sinto mesmo.

Franzo a testa friamente para ele.

– Por que esta dizendo isso pra mim? Foi a Andressa que você beijou... Não eu.

A expressão dele vacila e aproveito para adentrar o quarto. Jogo a chave em qualquer canto do quarto e abro o armário para pegar um lençol. Felipe suspira enquanto me vê arrumar uma cama no chão e tirar um dos travesseiros da cama de casal.

– Você não precisa – ele hesita quando eu o olho. Engole em seco e me olha firmemente. – Você não precisa dormir no chão.

Balanço a cabeça para ele.

– Claro que preciso – sussurro. – Perdeu a cabeça, foi? Não vou dormir do seu lado.

Ele suspira e pega o lençol do chão. Tenta joga-lo na cama, mas eu o puxo de sua mão. Ele puxa de volta e eu puxo também. O tecido rasga na nossa frente e cai levemente no chão.

Nos encaramos nervosos.

– Eu sinto muito – ele repete.

– Para de falar isso – eu falo um pouco alto. – Vai falar isso pra Andressa, não é dela que você gosta?

Ele assenti e eu aceno com a cabeça. Deito-me no chão me viro para o lado da parede. Ele se recosta na parede e escorrega até ficar sentado ao meu lado. Fecho os olhos com força.

– Sabe, eu sei por que você esta bravo – ele sussurra repentinamente. Não abro os olhos. – Não entendi bem lá na piscina quando a Andressa começou a falar, mas agora tudo faz sentido.

Ainda me forço para ficar de olhos fechados. Não importa mais se ele sabe, eu não quero mais falar disso – não com ele.

– O jeito como ela disse sobre gostar de pessoas e não dizer nada – ele suspira. – Por Deus, eu juro que pensei em você na mesma hora.

Engulo em seco.

– Por que você não diz, Fernando? – seu tom fica mais firme. – Por que você não me disse em nenhuma das vezes em que teve chance?

Abro os olhos e o vejo me encarando de cima, os olhos não mais arrependidos e agora sérios. Ele quer saber mesmo? Ele quer saber por que não contei a ele o que sinto por ele?

Ele tem certeza que quer ouvir isso?

Movo meus lábios para falar.

– Felipe, eu...

Mas então algo acontece e meu corpo se retesa. Meus olhos se arregalam e os dele também e nós dois olhamos para a janela. O céu entra no auge de sua escuridão. Com tudo o que estava acontecendo aqui eu nem tinha pensado nisso.

Penso em um gato na mesma hora e sinto a familiar pelugem tomar conta do meu corpo e faze-lo diminuir.

Mas dessa vez, antes que eu seja puxado para dentro dos lençóis, Felipe me pega em seu colo e me gruda em seu corpo. Meu coração animal bate superforte.

Ergo minha cabeça pequena para olhar em seus olhos e vejo que sou um gato loiro e meus olhos são verdes azulados. É a primeira vez que desejo ser assim para sempre.

Felipe me impressiona ao rir.

– É bem irônico – ele diz enquanto toca minha cabeça com carinho. – No momento em que mais preciso de você como humano você se torna um animal.

Ele balança a cabeça e se levanta, me levando com ele para deitar no meio da cama. Me junta perto de seu peito e olha para mim de forma carinhosa.

– Você não precisa responder a pergunta que eu te fiz – ele sussurra tocando minha cabeça pequena. – Eu já sei a resposta. Eu sei que você gosta.

Mesmo na forma em que estou sinto meu rosto esquentar. Felipe me aninha mais a ele e sinto minhas pálpebras começarem a ficar pesadas.

Ele sabe que eu gosto dele.

E me colocou para deitar com ele.

O que eu devo pensar sobre isso?


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