Marinwaal: besties forever escrita por Miss Vanderwaal


Capítulo 3
Posso respirar, afinal!




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Grande parte da pequena viagem de volta a Rosewood foi feita em um confortável silêncio.

Estava feliz por estar de volta a minha cidadezinha – ainda que não tivesse passado muito mais que uma hora fora dela (contando com o tempo em que o carro percorria a estrada) –, pois sentia que havia acabado de sair de um vôo de, no mínimo, seis horas, partindo de alguma cidade na Europa.

A estrada estava, como quase sempre, descongestionada e o tempo voltara a ficar encoberto e frio. Xingava mentalmente a mim mesma por ter colocado aquela maldita minissaia. Minhas pernas estavam gélidas e seria pior se eu as cruzasse, então, deixei-as imóveis no banco do passageiro, o que também não ajudou.

Paramos em um sinal vermelho e a mão direita de Caleb ficou livre. Ansiava por ela em meu joelho esquerdo, mas me sentia estranhamente sem forças para pedir isso a ele.

Ainda dentro do carro, quase em frente à minha casa, Caleb me convidou para um brunch no The Brew, exatamente onde eu quisera estar, mais cedo naquela manhã.

– Desculpe – eu disse, em contrapartida, com a testa recostada no vidro da janela, mas em seguida virei o rosto para ele dando um sorriso fraco – , mas acho que estou meio que exausta.

Caleb, porém, me convenceu a pelo menos entrar no local para que pegássemos dois americanos para viagem.

Ao sairmos da cafeteria, estávamos novamente de mãos entrelaçadas, o que, juntamente com os breves goles do café que tomava, ajudava em meu aquecimento interno.

– Tem certeza de que está bem? – perguntou Caleb, delicada e pacientemente.

Estávamos já em frente a minha casa. Eu, sem dizer uma única palavra, tirei o copo térmico da mão dele e o coloquei ao lado do meu, nos degraus de pedra em frente a porta. Caímos em um abraço confortável. As mãos de Caleb passeavam descompromissadamente por minhas costas. Minha orelha direita estava rente ao peito dele e eu pude sentir seu coração batendo rapidamente. Resisti ao ímpeto de convidá-lo para entrar, não sabendo bem porquê.

– Estou – sacudi a cabeça em afirmação, entregando a ele o copo de café que ainda estava pela metade – É só que... vê-la daquele jeito me deprimiu um pouco, sabe? E acho que preciso de um tempo sozinha para pensar em tudo isso.

– Eu entendo – beijou-me na testa. Seu semblante mostrava que ele realmente entendia – Vejo você depois?

– É claro – confirmei, sorrindo, logo antes de sentir seus lábios selando os meus, carinhosamente, o que fez meu coração enternecer.

Subi as escadas que davam para meu quarto a passos pesados como os de um zumbi. Era sábado e minha mãe trabalhava até as três nos sábados, portanto a casa ainda estava vazia. Tal constatação me fez relaxar.

Empurrei o resto do café garganta abaixo antes mesmo de pisar em meu carpete, não ligando para o fato de que ele ainda estava um tanto quente. Fiz uma careta ao entornar o último gole – muito açúcar acumulado no fundo – e joguei o copo na lixeirinha ao lado da porta.

Tirei apressadamente as botas de cano e saltos curtos e pulei em minha cama. Senti que minha coluna no momento gritava “até que enfim!”.

Não adormeci de imediato, pensei superficialmente em Mona e no baile de máscaras, e em como eu precisara mentir para minha mãe sobre o porquê de eu ter chegado em casa naquela noite com o rosto inchado e vermelho de tanto chorar. Dissera-lhe qualquer coisa sobre Caleb ter me deixado sozinha por achar que bailes de máscaras são imbecis. É claro que ele não achava isso, afinal, ele estivera lá comigo e ainda por cima vestido de Romeu. Mas o que mais eu poderia dizer?

Minha mãe nunca soubera nada sobre as mensagens nem sobre as ameaças. Nunca soubera nada sobre –A. Nem ela nem as mães ou os pais das outras garotas. Era perigoso demais. Adultos são deslumbrados. Jogariam tudo nas mãos da polícia, achando que a polícia resolveria tudo. Mas nada era assim tão fácil. –A não era assim tão fácil. Ainda mais se tratando da polícia medíocre de Rosewood que – eu tinha que concordar com Jason, o irmão mais velho de Ali – não servia para nada.

–A nunca nos mandara uma mensagem dizendo “Não me dedurem para seus papais ou para a polícia, senão a coisa vai ficar feia”, mas todas nós tínhamos ciência disso. Aquilo era algo nosso, algo tão pessoal como nossos mais profundos segredos. Algo que não dizia respeito à polícia.

Nós nos sentíamos intimidadas com tal perseguição? Sim. Pensáramos muitas vezes em desistir e deixar que terceiros cuidassem disso? Sem dúvida alguma. Mas nós sabíamos que essa não era a coisa certa a fazer. Se fizéssemos isso, estaríamos sendo nada além de covardes. Sabíamos de nossa parcela de culpa, afinal, Ali começara com a maldição, porém nós a ajudamos. Sem a devoção de suas seguidoras, o monstro Alison DiLaurentis não haveria chegado onde chegou. E isso ia desde as digitais de todas nós no rojão “inofensivo” que cegara Jenna Marshall no sexto ano. Nós, talvez, de fato merecêssemos tudo o que nos vinha acontecendo.

De qualquer jeito, nossos pais não sabiam nada sobre o acidente de Mona e de sua consequente internação no Radley ou sobre o fato de ela ter feito parte da Equipe –A. Dissemos a eles que Mona estava afastada da escola no momento por ter quebrado algumas costelas quando “caiu da escada da casa dela”. Os pais de Mona acobertaram a mentira, implorando para que os poucos policiais que estavam no hospital – para onde Mona fora mandada às pressas depois do acidente – naquela noite não avisassem a imprensa local sobre aquilo. Seria doloroso demais para eles – e para nós também – verem o rosto da filha estampado nos jornais e telejornais. Aliás, Rosewood já tinha uma tragédia com a qual se preocupar e já tinha sido assim por mais de três anos, eles não precisavam de mais uma.

Mentiramos também sobre o jeito como Mona caíra. Negáramos até o fim termos qualquer envolvimento, na verdade. Disséramos ter visto os faróis do carro dela ligados na encosta do penhasco, no momento em que passávamos em frente a floresta num atalho para nossas casas depois da festa e, quando nos atrevemos a olhar para baixo, ela já estava caída.

Ainda tremíamos quando um dos policiais nos perguntara se sabíamos de alguém que poderia ter empurrado Mona do penhasco, um inimigo. Negamos incisivamente, afinal, a única inimiga que Mona possuía estava morta. E se eles resolvessem procurar por impressões digitais no moletom de Mona, Spencer estaria completamente ferrada. Ninguém acreditaria que ela tentara de fato segurar Mona para evitar que ela caísse, não depois da história que contáramos.

Se Spencer fosse para a cadeia, o grupo se desestruturaria. Ficaríamos mais frágeis. E era exatamente esse o desejo de quem quer que fosse o chefe da Equipe –A. Não podíamos deixar isso acontecer. Estamos nisso juntas, eu pensava incansavelmente depois que fomos liberadas de um provável interrogatório na delegacia.

A única pessoa que sabia da completa verdade era a Dra. Sullivan. Nossos pais haviam decidido, em consenso, que o melhor para fazermos depois do desaparecimento de Ali era conversar com uma psicóloga. As primeiras sessões foram feitas em grupo, com a presença de nós quatro. Mais tarde, as visitas começaram a ser frequentes e solitárias, pois havíamos nos afastado durante os meses de verão entre o primeiro e o segundo ano. E a ansiedade por uma confidente apenas aumentara.

Sentíamos, em unanimidade, que era seguro expor nossos segredos para a Dra. Sullivan. E por isso, logo depois de ligarmos para os pais de Mona, chamáramos por nossa terapeuta de cabeceira. Ela dirigira-se prontamente ao hospital e, ao ver o tamanho do nosso desespero, oferecera uma sessão particular na casa dela ainda naquela noite. E entre lágrimas e goles de chá de erva-doce, contáramos tudo a ela. Desde a primeira mensagem coletiva no funeral de Alison.

Ela não mantivera um bloco de anotações nas mãos, como de costume, apenas debruçara-se no balção de sua cozinha e ouvira-nos atentamente, dando o provável diagnóstico de Mona quase duas horas depois. Transtorno de hiper-realidade, o que me fizera chorar ainda mais.

Embora a Dra. Sullivan ainda mantivesse um pé atrás quanto a não chamar a polícia, ela fora sensata o suficiente para dizer que sim, poderia ser ainda mais perigoso se isso fosse feito. Dissera para tentarmos lidar com as novas ameaças entre nós e que ela faria tudo que estivesse ao seu alcance para ajudar.

Quando subira as escadas que davam para meu quarto naquela noite, já era passado da uma da madrugada. Me sentia exaurida, ainda chocada porém com o peito leve por ter me livrado do peso que era aquele enorme segredo.

A questão era que, agora, com Mona aparentemente em recuperação, eu me sentia solitária e carente. Minhas amigas pareciam questionar a afeição que eu ainda sentia por ela. Spencer, na quarta-feira passada – quando soubéramos que Mona iria ser mandada para o Radley – dissera que talvez fosse melhor “dar um tempo” para que Mona se estabilizasse, isto é, já que eu pensava em visitá-la naquela tarde mesmo. Até mesmo Emily, que sabia como era ser incompreendida, parecia desaprovar a ideia de eu me aproximar novamente de Mona. Ela movia o peso do corpo de um pé para o outro, visivelmente desconfortável quando eu mencionava estar preocupada com Mona, como se ela ainda pensasse que Mona fosse perigosa. E Caleb... eu simplesmente sentia-o se afastar. Eu não conseguiria aguentar mais isso.

Agarrei um travesseiro e apertei-o junto ao peito. Não contar para minha minha mãe sobre tudo isso definitivamente não estava ajudando. Precisava conversar com alguém. Fechei os olhos e pude ouvir perfeitamente a voz de Ali e sentir seus dedos em meus cabelos. Ela com certeza diria, em sua pose de abelha-rainha: “Querida, por favor, pare com esse melodrama!”. E não era desse tipo de incentivo que eu precisava. Eu precisava “melodramar”.

Pensei em ligar para Aria ou Emily, as mais doces do grupo. Porém também me lembrei daquele abraço de Spencer, alguns dias depois do acidente, e me ocorreu que também precisava da força dela.

Acabei apenas apertando o travesseiro ainda mais contra mim e encolhendo as pernas. Eu tinha que arranjar um jeito de conciliar a amizade que tinha com as meninas com a proximidade que ainda tentava manter com Mona. Perder uma das duas coisas estava totalmente fora de cogitação.

O domingo passou como um daqueles dias frios e chuvosos nos quais a única coisa que você se sente disposto a fazer é ficar enterrado em meio as cobertas e assistir a filmes antigos na tv.

Tirei o dia para ficar em meu pijama do Bob Esponja com o cabelo bagunçado. Não me dei o trabalho de aprofundar os pensamentos. Troquei apenas um monossílabo com minha mãe, quando ela me perguntou se eu ia passar o dia todo daquele jeito: sim.

Também não falei mais com Caleb ou com as meninas. E o dia se arrastou tediosamente.

Quando dei por mim, já era segunda-feira e eu estava entre a classe de iniciação a economia, tendo minha última aula antes do almoço. Eu olhava sem expressão alguma para o Sr. McAdam, um professor aposentado que dava dicas de empreendedorismo a jovens que provavelmente não sabiam como fazer 200 dólares durar mais que uma semana, sendo que ainda eram bancados pelos pais.

Estava com a bolsa sobre o colo, abaixo da carteira, e senti o celular vibrar dentro dela. Meu corpo vibrou junto em certa excitação, pois pensei que pudesse ser Caleb ou alguma das meninas. Ficaria feliz em ouvir a voz de qualquer um deles.

Coloquei o polegar sobre o auto-falante do celular, para que ninguém ouvisse o toque, e destravei a tela, percebendo que o número de quem quer que estivesse me ligando era desconhecido. Senti meu coração bater descompensadamente em uma aparente contração. E se fosse...? Deixei as reticências no ar, cerrando os olhos.

– Sr. McAdam? – limpei a garganta, levantando um indicador, e disse, em uma voz polida – Posso atender?

O professor de cabelos grisalhos olhou-me, decepcionado, como quem dizia “Infelizmente eu não posso colar seu traseiro a esta cadeira. Quer ir, vá” e apenas assentiu.

Andei apressadamente até o corredor, meu polegar ainda estava pressionado contra o auto-falante do aparelho e, antes de colocá-lo na orelha, percebi que o número não era bloqueado – simplesmente desconhecido – portanto, se não era bloqueado, não tinha como ser –A.

Relaxei as costas na parede, porém meu “alô” soou ainda bastante nervoso.

– Senhorita Marin? – uma voz masculina, amigável e aveludada se pronunciou.

– Sim? – gaguejei, não reconhecendo a voz de imediato.

– Olá. Meu nome é Edward Lamb. Sou técnico em enfermagem e trabalho no sanatório Radley, lembra-se?

Minha memória clareou-se.

– Ah, sim – tentei soar despreocupada, mas não consegui evitar me fazer a pergunta de como diabos ele tinha meu número de celular. Meio segundo depois, me lembrei que tinha passado tal à recepcionista no dia que liguei para marcar a visita à Mona, pois não queria que alguém do Radley ligasse para o telefone residencial enquanto minha mãe estivesse em casa.

– Liguei porque queria falar com você sobre sua amiga, Mona Vanderwaal. Sou o cuidador responsável por ela.

Desgrudei-me da parede no mesmo instante. Senti todo o sangue correr para longe de minhas mãos e face, deixando-as completamente gélidas. Sua voz não era sugestiva. Poderia ter acontecido qualquer coisa.

Foi naquele momento que me dei conta de que há mais de dois dias eu não pensava em Mona. E a primeira coisa que me veio a mente foi sua cama de hospital, vazia, como um baque.

– Algo errado com ela? – minha voz quase não saiu.

– Não, não. Nada de errado. Ao contrário – ele me tranquilizou, parecendo ter sorrido – A visita que você fez a ela, no sábado, pareceu dar resultados.

Senti um sorriso largo tomar forma em meu rosto.

– Que tipo de resultados?

– Bem, apesar de ela ainda não estar falando, está mais disposta, mais corada. Aceita descer para fazer as refeições junto ao grande grupo de internos e para tomar sol no jardim, o que foi um grande avanço, acredite. Além de ela já estar caminhando sem a prótese na coluna. E quanto a questão da fala, bem, poderá levar algum tempo. Mas, ao que tudo indica, se você puder manter visitas regulares, será de grande ajuda.

Tinha o fundo dos olhos já marejados.

– Não se preocupe, serão regulares – foi tudo o que consegui dizer, sorrindo.

E desliguei, colando o celular junto ao peito e soltando o ar em um “graças a Deus!” bem articulado.

Assim que pisei de volta na sala de aula, o sinal para o almoço soou. Inacreditável. O Universo parecia estar conspirando a meu favor, o que não era muito comum.

Disparei pelas escadas pegando, em seguida, o necessário de meu armário. Passei na mesma velocidade pelo refeitório para pegar uma latinha de Pepsi da máquina de refrigerantes.

Saí pelo portão principal de Rosewood High sem exitar, me sentindo independente. Ajeitei a latinha no porta-copos de meu carro e, deixando que minhas mãos se encaixassem confortavelmente ao redor do volante, em posição dez-para-as-duas, comecei a dirigir para a Filadélfia.


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