Marinwaal: besties forever escrita por Miss Vanderwaal


Capítulo 11
Interseção




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Dormir depois que chegava da escola era algo que eu não fazia há bastante tempo. Na verdade, nem conseguia lembrar quando fora a última vez e a luz dourada do sol de fim de tarde que invadia sutilmente a janela de meu quarto fazia do ambiante tentadoramente propício.

Sentia meu corpo pesado e respirei fundo ao me aconchegar embaixo do edredom, apreciando a quietude que reinava naquela casa. Meu último pensamento antes de fechar os olhos foi se Aria estaria mesmo certa a respeito do silêncio súbito de –A, mas ainda sim tal estava distante e eu me obriguei a deixá-lo de lado.

Porém, tive a impressão de que, pelas três horas seguintes que estive presa ao meu subconsciente, sonhei com Mona. Ou melhor, tive pesadelos. Talvez alguns dos piores de minha vida.

Primeiramente, eu estava debaixo d´água e de alguma forma eu sabia que era água salgada. Eu enxergava claramente e via apenas milhares e milhares de litros de água ao meu redor. De repente Mona se materializou diante de mim. Alguém, com as duas mãos sobre sua cabeça, fazia questão de que ela ficasse submersa. Ela se debatia violentamente tentando alcançar com os braços a superfície, os olhos e os lábios cerrados. Mas sem dúvida alguma aquele alguém era mais forte do que ela e, toda vez que Mona avançava alguns centímetros, era empurrada com força para baixo.

Depois o cenário mudou. Eu e mais um grande grupo de jovens estávamos em volta da estufa de Rosewood High, que ficava em um canto isolado do espaçoso pátio. Muitos alunos costumavam passar seus tempos livres ali, almoçando ou mesmo matando aula para ficarem dando amassos em seus respectivos parceiros em um canto no fundo do local. Usualmente era um lugar tranquilo que lembrava a miniatura de uma floresta tropical. Menos... naquele momento.

Os vidros estavam parcialmente destroçados por chamas altas... e Mona gritava por socorro. Eu ouvia a voz dela estridente, esganiçada e desesperada mas não a via em lugar nenhum. Sentia como se meu corpo fosse recheado de areia e eu não conseguia me mover. Os jovens ao meu redor pareciam estar enfrentando o mesmo problema.

E então o cenário mudou pela terceira vez. Nesta, eu estava de volta à cena do desastre que acontecera no penhasco, rodeada por Aria, Emily e Spencer. Tínhamos os braços por trás das costas umas das outras e eu escutava um policial dizer a uma câmera de tv que Mona não havia sobrevivido à queda.

Diferentemente das duas cenas anteriores, aquela dava uma notícia concreta: Mona estava morta. Me sentia seca e impotente, tendo a certeza de que meu mundo se desintegrava abaixo de meus pés. Queria cair no chão e simplesmente gritar até não ter mais voz, mas os braços firmes de Spencer a Aria ao redor de minha cintura não deixavam.

Foi então que meu celular vibrou no bolso da calça jeans. Eu, por alguma razão, não usava mais o vestido cor-de-creme estilo Grécia Antiga que usara no baile, e sim a roupa que estava usando naquele fim de tarde de sexta-feira. Me desvencilhei das garotas e peguei o aparelho, percebendo de repente que a noite estava gélida.

Eu ainda não havia digitado nenhum comando porém a tela do celular estava completamente branca e um pequeno texto em uma fonte preta e arredondada estava centralizado. Senti como se uma voz rouca, profunda e irreconhecível sussurrasse em meu ouvido:

Seja grata a mim pelo fato de a vadia ainda estar com você. Afinal, você sabe que eu poderia ter feito muito pior do que apenas ter deixado-a em um hospício, não sabe? Mas acho que sou apenas um grande coração mole. Isso é um defeito, na verdade, algo que preciso deixar de lado.

Beijinhos, –A

Fiz força para acordar. Parte de mim estava consciente e se debatendo em meio as cobertas e parte ainda estava sob o sereno da noite do baile de máscaras.

– Não – eu me ouvi dizer, com a voz arrastada, ainda de olhos fechados, vislumbrando a cena – Diga a eles que é um engano. Diga que não é verdade. Diga que ela está viva!

E então finalmente eu consegui me livrar da fita adesiva imaginária que parecia ter estado prendendo meus olhos por todo aquele tempo. O quarto estaria em meio a um breu se não fosse pela janela que me deixava saber que já havia anoitecido, apenas um vislumbre de azul mais claro ainda pendia no céu.

– Mãe? – chamei alto, agarrada firmemente a um dos meus travesseiros. Apenas o silêncio em resposta. – Mãe! – gritei, percebendo que ainda chorava inconscientemente. Mais silêncio.

Levantei os olhos para o relógio no criado-mudo que marcava 6:38. Ela provavelmente ainda estava trabalhando, porém eu me sentia terrivelmente carente e precisava do colo de minha mãe. Precisava também que ela me confirmasse que Mona estava viva porque, no momento, eu já não tinha mais tanta certeza.

– Por favor, não – eu agarrei o travesseiro contra o rosto e em seguida ouvi o celular vibrar sobre a madeira do criado-mudo causando um barulho amedrontador.

Meu coração parou por dois segundos e eu estiquei o braço para pegá-lo. O aparelho estava normal e eu tive que tocar na tela algumas vezes para ver uma mensagem de Leona, que dizia: “Olá, querida. Deu certo! Mudaram o status de visitação de Mona, além de descartarem a hipótese de transferência. Acabamos de chegar, Ned e eu, do hospital. Ela ainda dormia mas tenho certeza de que ela iria querer que você fosse a primeira a vê-la quando acordasse”.

Senti meus músculos relaxando aos poucos e eu afundei mais entre os travesseiros e o edredom. Ela está aqui ainda, eu pensei, apreciando a habilidade de poder respirar tranquilamente mais uma vez. Digitei um “Muito obrigada, Sra V, irei assim que puder” e levantei da cama.

Precisava vê-la. Tocá-la. Estar com ela. Mesmo se ela estivesse de fato como no último sábado, não importava. Precisava que ela soubesse que eu não a tinha deixado.

Ajeitei o cabelo no banheiro e joguei um pouco de água fria no rosto, deixando um bilhete curto para minha mãe na porta da geladeira, esquecendo momentaneamente que vivia na era da tecnologia: “Saí. Não se preocupe, não vou demorar”. E peguei o carro.

Minhas mãos estavam frias ao redor do volante e eu, novamente, passei do limite de velocidade permitida algumas vezes.

Enquanto Eddie Lamb me guiava pelo corredor térreo e mal iluminado, que dava para o quarto de Mona – ele havia me dito que ela dormia no momento, ainda sob efeito de sedativos, mas eu, mais uma vez, disse que não importava – , os cantos de seus lábios se curvavam em um sorriso orgulhoso.

– Não sei o que você fez – disse ele, antes de me deixar a sós com Mona, que dormia encolhida, profundamente - , mas essa garota tem muita sorte de ter você como amiga.

A luz branca de uma lâmpada fluorescente iluminava cada cantinho daquele pequeno quarto, e até chegou a me incomodar um pouco, em princípio. Não sabia dizer como Mona não conseguia despertar com aquilo. Tal luz literalmente deixava o ambiente mais quente.

Havia duas cadeiras de escritório ao lado da cama, encarando Mona, que dormia sobre seu lado direito. Com certeza os pais dela as usaram quando estiveram ali mais cedo.

Sentei em uma delas, tomando cuidado para não respirar pesado demais. Ela vestia um pijama de calças e mangas compridas preto com detalhes em cor-de-rosa. A camiseta dizia bedtime is my favorite time of the day, e eu me perguntava se teria sido isso mais um presente dos pais, como a boneca de tranças nos cabelos que eu não via mais por ali.

Mona tinha as pernas juntas uma da outra, e tais estavam um tanto encolhidas. Seu braço direito estava entre dois travesseiros enquanto o esquerdo caía junto ao abdome.

Fiquei apenas ali, por um tempo apenas observando cada centímetro dela com a maior atenção do mundo. Deus, ela parecia ter não mais que doze anos! Não poderia haver uma célula de maldade sequer compondo aquele corpo.

Usei os pés para fazer deslizar as rodinhas da cadeira para mais perto da cama. Ouvir a respiração leve de Mona, indo e vindo, fez algo dentro de mim pulsar e eu não resisti ao ímpeto de acariciar seu braço esquerdo, deslizando minha mão direita desde seu ombro até o pulso. Assim que o fiz, as memórias de mais de dois anos atrás, quase três, invadiram minha mente como algo que eu estivera tentando bloquear por muito tempo.

Eu me via em frente a uma Mona mais jovem, insegura e talvez ansiosa. Estávamos em minha cama e eu encaixei minha palma esquerda em sua cintura, pressionando delicadamente. Ela fechou os olhos, parecendo saborear o momento. Eu me inclinei e, no segundo seguinte, nossos lábios se tocavam. Nada parecera tão certo e tão confuso para mim antes.

Mona e eu nunca trocáramos uma palavra sequer sobre o fato de termos nos beijado, e ninguém mais sabia. Nem mesmo Emily. Ansiara contá-la no dia que aconteceu mas desisti. Ela não entenderia. Nem mesmo eu, agora, quase três anos depois, entendia.

Afastei minha mão do braço de Mona e tentei repassar as emoções que borbulhavam dentro de mim naquele dia. Eu via o rosto dela, suas feições inocentes e um tanto confusas. Eu havia testemunhado, por meses e meses, o quanto ela se sentia carente e desencaixada naquela escola e, por muito tempo, eu a ignorei. Porém algo abriu meus olhos e me fez querer reparar todo aquele mal. Eu queria arrancar cada resquício de insegurança que existia dentro dela, queria que ela soubesse que eu, agora, me importava com ela. E deixar um beijo em seus lábios foi a melhor maneira que encontrei de fazer isso.

Eu não me arrependera de tê-lo feito, nunca. Foi um momento incomparável e, com certeza, inesquecível. E observando as coisas, agora, de longe, eu conseguia entender que não havia desejo sexual, nunca houve. Eu apenas... a amava. De um jeito único assim como ela. Não era o mesmo tipo de amor que eu sentia por Aria, Emily e Spencer e também não era o mesmo tipo de amor que eu sentia por Caleb. Era algo entre os dois tipos. Algo que não tinha nome e que eu, pessoalmente, não me importava em nomear. Ela simplesmente era... mais que uma amiga... e menos que uma namorada. E sentia que sempre iria ser. Ela nunca penderia mais para um lado ou mais para o outro. Eu tinha certeza disso. O lugar de interseção pertencia a ela e isso nunca mudaria.

Não sabia por quanto tempo tinha ficado ali, de cabeça baixa, matutando sobre o assunto, bancando minha própria detetive sentimental, mas quando levantei o olhar novamente para Mona, pareceu bastante tempo. Ela porém continuava na mesma posição, serena, doce, linda.

Me sentia segura e confortável quanto aos meus sentimentos pois sabia que, mesmo não tendo nomes, estavam definidos e eu não tinha pelo que me envergonhar ou sentir culpa. Pensando nisso, levantei da cadeira e coloquei alguns fios de seus cabelos para atrás da orelha, lembrando subitamente da foto dela já crescida que havia visto pela manhã na casa de Leona, na qual Mona aparecia dentro de um tomara-que-caia laranja em estilo havaiano e de seu sorriso transbordava doçura e autoconfiança. Tive certeza de que, se ela abrisse os olhos agora, se assemelharia novamente àquela garota.

Vagarosamente beijei-a na testa, em seguida na ponta do nariz e, por último, nos lábios, sem receio algum, pois sabia exatamente o que aquele gesto significava. Um dèjá vu foi inevitável.

– Eu estou aqui com você – sussurrei ao pé do ouvido dela, meu queixo roçando em seus cabelos, ainda assim não parecia que ela iria acordar – Se você sentir que não terá condições de mudar por você mesma, mude por mim, está bem? Eu acredito em você. Eu sei que pode. E não vou deixar que desista. Até mesmo porque eu nunca desisti, nunca aceitei o que os outros diziam sobre você. E isso porque eu te amo. De um jeito que pensava ser impossível amar alguém.


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