Agridoce escrita por Miranda Marcuzzo


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

É a primeira vez que publico um texto meu, sejam bons e me julguem menos. A história é autoral e bem tem me assombrado nesses últimos dias. Sem gracinhas com meu nome, é Miranda mesmo.



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Errar: verbo infinitivo. Gosto mais da definição de errar, algo que faço com frequência na minha vida.

Definimos dias ruins quando recebemos gritos do chefe, quando tropeçamos em alguma pedra ou quando um carro passa e nos suja de lama. Para marcos no futuro utilizarei o dia de hoje como medição para um dia ruim - 23 de abril.

Desde criança eu tinha essa ideia fixa de ser grande em tudo o que fazia: ter as melhores notas, ser a melhor na aula de piano, ser a melhor nadadora, e assim eu fui seguindo, sempre a garota número um. Na faculdade não mudei nada, me formei como a melhor na turma. Gostava de desafios, dizia a mim mesma: “se algo te desafia, faça”. Foi a partir desse pensamento que aceitei vir morar com o meu namorado em Berlim. “Você quer ser a melhor, os mestrados de lá são fantásticos”, disse ele. E eu pensei “por que não?”. Bem, hoje eu daria milhões de respostas para essa pergunta.

Claro que na hora a ideia me pareceu magnifica - porém ao chegar aqui, nem tanto. No começo, foi tudo maravilhoso, afinal éramos dois apaixonados em Berlim; jovens fogosos de paixão. A única questão que atrapalhou foi o fato do meu namorado ter sido fogoso na minha cama com uma alemã qualquer. Bem, está aí um dia ruim? Traída, em uma cidade desconhecida, sem amigos ou família e sem lugar para ir. Senti falta do banho de lama ser uma parte ruim do dia.

Após longos dias de reflexão regados a muito choro, eu tinha de seguir em frente. Aluguei um apartamento em em Mitte, um bairro típico e turístico de Berlim. Afinal, eu tinha um mestrado para terminar.

Já estou aqui há vinte e oito tortuosos dias. De acordo com meus cálculos, ainda faltam 706. É, eu vou conseguir.

Como de costume, acordei no meu pequeno apartamento e fiz café; minhas coisas ainda estão em caixas espalhadas por todo lugar. Acho que deixa-las embaladas me dá a sensação de que em breve voltarei para casa. Peguei meu telefone, 7° graus. Sentei e fiquei olhando aquela terrível parede azul. Quem em sã consciência pintaria a parede da sala daquela cor? Resmunguei mais um pouco e fui ao encontro do meu casaco, peguei meus livros e desci a escada correndo.

Depois de horas cansativas de estudo voltei para aquele apartamento. "Meu apartamento", como isso soava estranho, aquele não parecia o meu lar. O telefone tocou, atendi procurando a chave na bolsa.

– Oi mãe!

– Oi filha, como está meu anjo?

– Frio, cinza e entediante – ouço algumas vozes no corredor.

– Seu pai está mandando um beijo. Tem pensado no Pedro?

– Manda outro, e agora estou pensando nele porque a senhora falou – respirei fundo - Mãe, eu tenho que desligar agora. Preciso da minha outra mão para procurar a maldita chave dentro da bolsa.

– Tudo bem, fica com Deus meu anjo. Até amanhã, sentimos sua falta.

– Ok, sem drama. Amo vocês! – disse desligando e jogando tudo da bolsa no chão.

Entre meus pertences caídos, fiquei procurando a chave no chão.

– Se você colocar um chaveiro grande fica mais fácil de encontrar. – exclamou uma garota alta de cabelos loiros, olhos azuis que chegavam a doer, uma pele tão alva que chegava a transparecer algumas veias. Vestia-se como nos filmes dos anos 80, e segurava uma pacote de jujuba em uma mão e minha chave na outra.

– Thanks – digo, e me surpreendo – espera, você falou português ou eu realmente já estou alucinando?

– Sim, falei. Desculpa, eu meio que ouvi a conversa com sua mãe.

– Não peça desculpas, é bom ouvir alguém falar em português por aqui.

– Eu realmente acredito. Você é a vizinha nova?

– Yes. – respiro – Digo, sim, sou do Rio. Estou aqui há vinte e nove dias.

– Parece que você está contando – riu – Sou Lisabth Iwin Wernicke, mas todos me chamam de Lisa.

Delicadamente, me estendeu a mão.

– Isabella Amparo Gurgel, prazer.

– Então Isa, o que faz aqui em Berlim?

– Mestrado em direito. E você?

– Eu nasci aqui, meus pais são brasileiros, mas vivem aqui há mais de 40 anos.

– Parece bastante tempo para se morar em um lugar novo.

– Eles amam Berlim, e você?

– A cidade é linda, mas não vivi muitas emoções boas por aqui. E não conheço quase ninguém.

– Se quiser te apresento aos meus amigos. Todos falam português, se é esse um atrativo.

– É sim! – apenas ri.

– Tudo bem, então esteja pronta hoje às seis. Eles vêm jantar aqui e assim você pode conhecê-los.

– Tudo bem – disse tentando não sorrir muito.

– Ok, marcado então.

– Lisabeth - fiz uma leve pausa- Obrigada.

– Não é nada – riu e entrou no apartamento ao lado do meu.

Eu não queria sair, ainda tentava entender tudo o que aconteceu, mas conhecer finalmente alguém em Berlim era maravilhoso, e se esse alguém souber falar português, melhor ainda. Desci para comprar uma garrafa de vinho, arrumei-me e depois fui em direção ao apartamento de Lisabeth. Ela abriu a porta já sorridente.

– Olá, Bella!

– Olá! Trouxe para você – disse entregando o vinho.

Haviam algumas pessoas na cozinha, conseguia ouvir as vozes vindas da esquerda, mas não quis olhar, até Lisa apontar a direção que eu deveria seguir. Fui acompanhando-a, o apartamento dela era bem maior que o meu.

– Pessoal essa é minha amiga Bella; Bella, essa é Malu, minha irmã mais nova, e essa é Emma, minha namorada – confesso que me surpreendi quando ela disse namorada – E Otto, um grande amigo.

– Olá – disse tímida

Todos me cumprimentaram com um sorriso no rosto.

– Agora podemos comer, donzela? – resmungou Emma, com um sotaque quase imperceptível.

– Sim amor.

Sentamos à mesa e começamos a nos servir. Depois do jantar, nos sentamos no sofá.

– Então Bela, o que te trouxe a Berlim? – questionou Emma

– Quando eu terminei a faculdade, meu namorado – respirei e ri - sugeriu fazer mestrado em outro país, e como Berlim tem um ótimo programa de estudo aqui estou eu. Fazendo mestrado e sem namorado.

Riram.

– Então Lisa, como você conheceu Emma? – perguntei para quebrar o gelo da minha triste vida.

– Bem, na verdade Emma me conheceu – olhou nos olhos dela e suspirou – sou psiquiatra.

– E antes que pense que sou louca – Emma riu – Há uns quatro anos esbarrei com ela na cafeteria do hospital quando meu pai ficou internado por lá.

– Adoro histórias de amor com olhares cruzados.

– Ih, então vai amar essas duas – disse Malu rindo – elas não se desgrudam, ficam de mimimi o dia todo.

– E você tem quantos anos Bella? – questionou Lisa

– 24. E vocês?

– Bem, eu tenho 28, Emma 28, Malu 25 e Otto 2...- pensou um pouco- 29?Acertei?

– Sim, acertou – primeira vez que ouvi a voz do Otto naquela noite.

– E o que vocês fazem? Já sei que Lisa é psiquiatra.

– Isso é tão emocionante, conhecer alguém novo! – Malu riu animada.

– ich bin Fotograf... – fiz uma careta para Otto.

– ich bin Architekt – disse Emma rindo.

ich bin ein Zahnarzt – completou Malu

– Eles estão brincando com você, Bella - explicou Lisa rindo. – Fotógrafo, arquiteta e dentista. E tem também o Murilo, meu irmão mais velho, ele é dono de um bar.

– Cada um com uma profissão diferente – assenti

– Você é a advogada que faltava no grupo – disse Otto levantando e indo em direção ao DVD.

– Adivinha o que vamos fazer? – mostrou orgulhoso o pen drive.

– Filme de romance e vinho? – perguntou Malu

– Óbvio.

– Talvez seja melhor eu ir para casa. – falei percebendo que era melhor não ver um romance.

– Já, Bella? – perguntou Lisa

– Desculpa, é que amanhã acordo cedo.

– Ok então, mas amanhã passo lá.

– Obrigada pelo jantar, adorei conhecer vocês gente.

Todos me abraçaram e eu voltei para meu lar cheio de caixas.

Fiquei olhando aquela terrível parede azul e confesso, nunca foi tão reconfortante. Depois de observar por alguns minutos, decidi fazer o que eu sempre fiz. Desci, comprei duas latas de tinta branca e um pincel, liguei o som e comecei a desenhar. A cada pincelada, eu ia fazendo aquela terrível parede azul ficar agradável. Acho que, metaforicamente, refazia a minha sala e minha vida junto - afinal esse era o meu novo lar, não era?


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