Bravura Indômita escrita por Oathkeeper


Capítulo 1
A Noite, na Igreja, em Casa




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A noite estava obviamente escura. Tal é o clichê. Nem lua nem estrelas mostravam suas caras pálidas e distantes, e nem o vento falava com sua voz fria. Mas frio, isso não faltava. Dentro da velha igreja, próximo ao altar, mãos unidas, rezava um homem.

Lágrimas escorriam em sua face. O rosário, tremendo em suas mãos, era seu único consolo. Não pelo valor espiritual, mas o monetário. Era, de fato, muito belo, feito de ametistas, elos banhados em ouro. Mas estava com medo demais para admirar. O que teria sido? A figura na escuridão, aquela sombra que o encarava do canto de seu quarto? Os passos em sua casa habitada somente por ele mesmo? Os ruídos na noite, a respiração fria que escutava?

Sua casa era assombrada, chegara a conclusão. Em seu recém descoberto temor a Deus, pouco tempo atrás escondido pela máscara ateia, lhe dera a direção da igreja. Era um homem comum: Forte, copiosas vezes frequentara a academia, ficara musculoso, andava orgulhoso sem camisa, frequentador do cinema apenas quando filmes de terror estavam em letras grandes. Tremia quando lia tratarem-se de fatos reais, mas não demonstrava, pois era demasiado ''macho''.

UEEEeeeeec. BUM. A porta da igreja abre, e se fecha logo em seguida. Alegremente observando os vritais, sorrindo, uma figura cabeluda, barbuda e de óculos dourados deposita vastos cinquenta centavos na caixinha do altar. Deita a mochila, pesada e suada, ao lado e senta-se na cadeira oposta da do já referido homem. O homem, tomado do incomodo da vergonha e da presunção que a pessoa ao seu lado o observava (não sem razão), cessou a reza. Engoliu em seco, e disse pela última vez: ''Amém''.

Adorava que o admirassem, amava a atenção, mas somente quando ele julgava propício. Os olhos que o encaravam deviam pertencer a alguem homossexual, que secretamente desejava seu corpo. Por que outro motivo ficaria o encarando? Levantou-se, guardou o rosário no bolso da calça, olhou com desprezo para a sua indesejável companhia e virou-se para ir embora, quando uma voz grossa ecoou na igreja:

-Isso não vai adiantar, acho que você sabe, né?

-Não é da sua conta, Daniel. Eu sei o que eu vi. Tem algo muito ruim acontecendo na minha casa. - Respondeu, defensivo. As tentativas de convencê-lo de que o único mal que habitava sua cara eram os espelhos, que refletiam sua cara feia, e sua alma mais feia ainda, tinham sido em vão.

-Larga mão, Cleber. Pelo menos me deixa ir lá, pra dar uma olhada, ok? - Respondeu Daniel, sorrindo (e em sua mente dando risada).

''Cleber''. ''Cleber''. Nada irritava mais Cléber do que ser chamado pelo nome, como o chamava Daniel. Seu nome era Baraúna, como todos o chamavam, nome que ele considerava forte, como ele:

-Então vem. Mas só pra te provar, e não por que eu acredito em você, Daniel.

Estava envergonhado. Havia deixado que a palhaçada de Daniel o forçasse a levá-lo para sua casa. Andaram silenciosos até o carro, rebaixado, e seguiram desse modo até que parassem na casa de Cléber, uma casa normal, pintada de branco, um portão de ferro, dois pitbulls, Thor e Dalila. Cléber não conseguia esconder o receio. Estava apavorado, a mão suada escrevia mensagens no celular para mulheres:

-Bem, vamos começar o ''exorcismo''. - Disse, sem segurar a risada, Daniel.

-Cala a boca, Daniel! Você é um ignorante. Faça uma coisa séria pelo menos, em vez dessas suas criancisses.
"Ele é um palhaço. Não sei por que o trouxe aqui.'':

-Desculpa, pai. Me leva aonde você viu o ''fantasma'', tá?

Enquanto tentava abrir a porta, rezava em sua cabeça. Na realidade, agora esperava que algo acontecesse. Uma voz, algo caindo, passos. Queria provar a Daniel que estava certo, TINHA que estar. Na bolsa do corajoso companheiro, frascos de água benta, alho, um crucifixo e uma adaga com ponta de prata aguardavam o uso, se necessário.

A passar da cozinha para o corredor, algo mudou. Talvez houvesse algo realmente ali. Suor frio escorreu do rosto de Daniel. Arrependia-se agora de sua insolência, lutava para convencer-se que sua ofensa não tinha sido grave. E é nessas horas que tudo se torna reflexo do sobrenatural: Portas batendo, vento chiando nas janelas, os cachorros latindo. Não que fosse necessário, qualquer ruído era suficiente para arrepiar até os ossos os dois bravos, cada um orgulhosamente estufando o peito em sinal de resistência.

Assim caminhavam os corajosos galos, esperando que algo acontecesse, e não esperando, pelo mesmo motivo. O vento fazia as janelas ulularem, um Fuuuuuuuuuuuu frio e assutador. A curva do corredor se aproximava, que levava para o quarto. Cleber já estava sentindo-se mal, como se fosse observado, e respirava o mais baixo possível para não dar pala do que sentia. Daniel, todavia, havia sacado o crucifixo, crucifixo esse sobremaneira especial: sua ponta inferior era uma estaca, ponta também do puríssimo metal prata, desenhado para ser especialmente efetivo com criaturas das trevas. Era o que ficava pendurado na parede de seu quarto, até que aquela noite aconteceu.

O vento chiava mais forte. Uma janela, em perfeito estado, arrebentara-se bem na frente deles, espalhando vidro no caminho. O som fora alto, fato alegremente comemorado por Cléber por ter abafado seu grito de socorro. A escuridão fechava-se cada vez mais, não de modo natural, mas pérfido e degradante, o ar tornando-se viciado e rarefeito. Cada vez mais difícil de enxergar o caminho, pois a luz da corredor havia quase apagado. Lágrimas escorriam do glorioso Baraúna, desistindo da máscara.

Com os rostos encharcados, os dois heróis se aproximaram do quarto. Decerto, não havia para onde fugir. Daniel forçou a porta, que abriu-se rangendo alto. Entraram rápido, a passos largos, e fecharam a porta como se estivessem abandonado o mundo para trás e entrassem no paraíso, sessação essa que não iria durar. Desesperadamente, Daniel ligou a luz do quarto, futilmente, pois ela estourou imediatamente depois. Foi nessa hora que Cléber, gaguejando, reparou em uma coisa: Aquela não era sua casa.


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