Capítulo 34 - Em Pé de Guerra


 No dia seguinte, Charlie chega bem cedo na escola. Estava sozinho, lendo (não era o Livro da Mente) e muito concentrado. De repente, Desirée chega, com um sorriso sarcástico no rosto. Charlie pega a folha do livro que estava em seu bolso imediatamente.

 - Bom dia, sr. Charlie! - diz ela, sarcástica - Parece estar muito bem!

 - Ah, você..que piada foi aquela?

 - Que piada? Ah...de eu ter uma aliança com um mago inimigo da sua família? Quem disse que era piada?

 - Humph! Você só mente! - ele retruca - Duvido muito que você saiba qualquer coisa! - o rapazinho tira o papel do bolso subitamente.

 - Você realmente conhece alguém assim? Quem é?

 Desirée não fala nada. Mas sabia que, mesmo que quisesse mentir, sua mente teria que pensar na verdade antes. Ela, calmamente, deixa o garoto descobrir que tudo não passava de cascata.

- Sabia. Tudo mentira sua

- Hahauhua. Calma. No seu país as pessoas não brincam?

- Isso não é nenhuma brincadeira, garota tola. Trate logo de acabar com isso e me entregar o livro!

- Já disse que não estou a fim - ela fala, desviando o olhar para o horizonte, perdida - Acho que quem está mais a fim de me entregar o livro é você, já que o trouxe correndo da Inglaterra, não é?

 Charlie sente uma pontada no peito. É claro! Ela estava observando tudo! Naquela hora ele percebe o erro que cometeu.

- Pela sua cara - continua a garota - Acho que você se arrependeu de alguma coisa

- Ora, eu

- Você trouxe seu precioso livro para cá, totalmente desprotegido, não trouxe? E o que é melhor: eu sei muito bem que você não conhece magias de teletransporte para levá-lo de volta para a Inglaterra. Estou errada?

O garoto não podia falar nada. Era exatamente aquilo. Teletransporte de matéria era uma magia difícil que Charlie ainda não havia desenvolvido completamente. Seu pai só podia teletransportar objetos próximos, ele não podia trazer de volta um livro do outro lado do Oceano, fora a bronca que Charlie iria levar por fazê-lo gastar tanta magia a toa.

- O-Ora...até que você não é tão tonta assim...

- Digamos que eu aprenda rápido as regras do jogo

- Mesmo que eu tenha trazido o livro, você não pode fazer muita coisa

- É verdade. Você pode mandar o livro de volta por meios tradicionais....tipo...Correio...mas é claro que os meios tradicionais são muito mais fáceis de burlar, não acha?

"Sem contar que é arriscado", pensa Charlie, "O livro poderia ser extraviado. Droga"

- Admita. Você não é tão bom assim quanto diz

- Você não sabe com o que está brincando, garota! - diz ele, num tom sério - Está se arriscando muito!

- O que vai fazer? Vai me matar usando mágica? - ela o enfrenta, desafiadora - Eu também sei que isso é um crime grave no mundo mágico. Sua punição não seria apenas a punição das leis do mundo normal...eu sei muito bem

"Maldição", ele fica ainda mais nervoso, "Ela é mais esperta do que eu pensei! Não é possível que uma simples garota comum de 12 anos pense em tudo isso...mesmo sendo proprietária de um livro mágico!"

- O que foi? Parece meio tenso?

 Mas Charlie começa a rir.

- O que é tão engraçado? - pergunta a garota.

- Tudo bem, tudo bem...admito que você é bem esperta - ele diz, dando de ombros - Mas...isso não quer dizer muita coisa

Desirée estranha, mas continua ouvindo.

- Saber onde o livro está é uma coisa, mas conseguir pegá-lo é outra. Lembre-se que tudo acaba quando um dos livros for aberto!

- É verdade...mas acho que saber onde o outro livro está é um pré-requisito para isso, não é?

Charlie continua a rir.

- Imbecil. Mesmo que você tenha escondido o livro eu vou saber! Para começar, você já cometeu um erro se sentando aqui na minha frente! Eu só preciso ler a sua mente para descobrir onde o seu livro está..

- Então tá - diz a garota, com a maior calma do mundo - Por que você não faz isso agora?

- Foi você quem pediu! - retruca o garoto, claramente nervoso e sequer parando para pensar em seus atos. Ao sondar a mente da mocinha no pedaço de folha que carregava, acaba se surpreendendo. Ele só vê as lembranças dela entregando o Livro dos Segredos para Dionísio.

- Não é possível..você.. - ele balbucia, suando frio - Você entregou o livro para outra pessoa...

- E pedi para ela deixar em um lugar que eu não sei onde é. Simples assim. Você não pode tirar de mim uma informação que eu não conheça.

- Ora...sua.. - diz ele, ainda mais claramente nervoso.

- Por outro lado - ela continua - Se você fizer o mesmo, eu vou saber imediatamente. Tenho centenas, centenas e centenas de folhas do meu livro comigo...e é claro que seu nome ja´está nelas! - diz ela, sorrindo ironicamente. E Charlie realmente confirma que isso é verdade ao olhar para seu papel.

   Era claro: Desirée estava em pleno controle da situação. Ela sabia onde o livro de Charlie estava, tinha muito mais liberdade para espiar o adversário e seu livro estava temporariamente seguro. Pelo menos era o que ela achava. Do nada, Charlie começa a rir.

- O que foi? Enlouqueceu de vez? - zomba a menina.

- De novo. Eu te parabenizo por ser tão esperta...

- Hm?

- Mas o seu truque não é tão bom assim

- Ah, é?

- Para começo de conversa...encontrar o cara que você confiou o livro vai ser moleza...você pode não saber onde ele está, mas ele com certeza sabe! Vou colocar as mãos no seu livro muito antes do que você imagina!

Nisso, Priscila chega e cumprimenta os dois. Eles já não podiam continuar conversando.

- Oi, Dê! Tudo bem? Chegou cedo hoje

- É. Estava trocando algumas ideias com nosso amigo aqui. Vai, fala mais sobre o seu país! - disfarça Desirée, mantendo toda a calma do mundo.

- B-Bem...não tem tantas coisas assim, eu...

- Ah, gente...eu preciso ir ao banheiro! - interrompe Desirée - Faz companhia para ele, Pri. Eu já volto. Aposto que ele tem muitas coisas para contar!

Priscila se senta e sorri. Charlie mantém seu cavalherismo britânico, sorrindo, guardando seu livro e dando atenção para a garota, mas, claro, com a mente concentrada em Desirée que, com certeza, saiu de perto para poder aprontar alguma coisa. Apesar disso, Charlie também não era tão tolo assim e já planejava alguma forma de reverter a situação.

  No banheiro (que, obviamente, era longe o suficiente para Charlie não usar seu poder), Desirée também começava a pensar.

  "Bom, aqui ele não pode ler minha mente e se ele é mesmo tão inglês e educado como está fingindo, não vai deixar a Priscila sozinha para me seguir", ela pensa. "Heh! É claro que ele iria atrás do Dionísio quando descobrisse o que eu fiz, mas tudo bem, eu já previa isso...agora..só preciso pensar num jeito de enrolar esse engomadinho ainda mais...hmm...o que posso fazer?"

  Nisso, ela repara em duas garotas da sua sala que estavam ali no banheiro fazendo algum comentário que chamou a atenção.

  - Ei, o que você achou do novo aluno? Inglaterra...chique demais! - diz uma.

  - Pois é, sem contar que é bem bonitinho! Ai, se eu pudesse conversar com ele...

  - Ei, Estela! - chama Desirée, com um olhar simpático.

  - Hmm? Desirée?

  - Eu sento perto do Charlie...se você quiser, eu troco de lugar com você! - diz ela, com um sorriso extremamente inocente.

  - Jura?! - exclama a tal Estela, cheia de esperanças.

  Na hora da aula, Desirée chega e se senta na carteira sempre vazia do fundo da sala, bem longe de seu lugar de antes. Charlie já estava sentado em seu lugar de sempre, disposto a conseguir mais alguma coisa, mas se surpreende ao ver Estela se sentar na sua frente. "Hã? Como assim?", pense ele, olhando para trás e vendo a garota sorrindo para ele de forma sarcástica. "Droga! Ela se sentou muito longe! Maldição...se pelo menos esse livro tivesse um alcance maior! Por isso que eu preciso do livro dela...o quanto antes! Mas tudo bem...basta eu ir atrás do cara para quem ela entregou o livro, o nome dele já está registrado! É só uma questão de tempo até eu colocar as mãos no livro dela!"

  Mas Desirée estava usando ainda mais a sua vantagem. Ela relê as páginas que usava para espiar Charlie e descobre o que ele fez com o seu livro. "Hmm...está na casa dele...protegido com uma barreira mágica que impede uma pessoa comum de tocar nele, huh? É...não vai ser tão fácil pegar". Porém, a mocinha olha para frente e vê Estela totalmente mergulhada nos olhos do garoto. Parecia estar bem interessada nele. Era uma garota de cabelos castanhos, presos com uma piranha verde, olhos negros e um rosto bonitinho. Seria um bom partido se Charlie estivesse pelo menos um pouco interessado nela. Ele respondia todas as perguntas dela de forma gentil, como sua educação ditava, mas não conseguia tirar da mente seu objetivo principal. Mesmo assim, Estela continuava investindo. "Hmmm...acho que estou tendo uma ideia..."

  Enquanto isso, Dionísio havia levantado cedo para descobrir um bom esconderijo para o livro, e, depois de pensar por um bom tempo, finalmente decidiu qual era o melhor lugar para guardar o livro da garota.

  - Bom dia, posso ajudar? - pergunta Maria, a atendente da biblioteca da cidade.

  - S-Sim - responde o fotógrafo - Eu preciso muito de um favor!