Leitura Indiscreta escrita por Metal_Will


Capítulo 14
Capítulo 14 - O Garoto Solitário




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Chegando em casa naquele dia, Desirée almoça, faz suas tarefas e se senta na escrivaninha do quarto para estudar. Mesmo assim, ainda não conseguia tirar da cabeça aquela situação desconfortável de manhã. Tinha alguma coisa de errado com aquele menino e ela desconfiava que podia ser algo sério. A garota olha para seu livro mágico, bem ali do seu lado, misturado aos seus livros comuns. Bastava erguer a mão e abrí-lo. Será que devia? E se não fosse algo que ela pudesse fazer alguma coisa? Mas até agora ela sempre usou o Livro dos Segredos para ajudar outras pessoas. Naquele caso seria diferente? Ou seria apenas uma desculpa para usar o livro? Será mesmo que o livro já estava tomando controle das vontades dela?
        Ela chega a refletir um pouco sobre isso e desiste em um primeiro momento. Mas a curiosidade de saber o que estava passando na vida daquele garoto já a estava preocupando. Como assim? Ela nunca teve esse tipo de curiosidade. Mas e se fosse sério? Naquele momento ela percebeu que usar o livro também implicaria em assumir a responsabilidade de ajudar o garoto se ele realmente estivesse passando por uma situação complicada. "Grandes poderes trazem grandes responsabilidades", não é isso que diziam? E agora? Se ela ignorasse aquilo e realmente ele estivesse passando por um problema aí não seria ela a malvada? Mas se não fosse nada ela teria usado o livro à toa! Que situação estranha...se usar o livro para invadir a privacidade da pessoa era anti-ético, não usá-lo para ajudar seria mais anti-ético ainda! Meio que sem saída, ela acaba cedendo e abre o livro.
        Aquele garoto...ela tenta se lembrar do rosto. Era Fábio o nome dele, não? Sim. Imediatamente, surgem imagens do tal Fábio, em casa. Estava deitado na cama, jogando um tipo de videogame portátil. O livro não descrevia muitos detalhes da situação. Em um dado momento, a mãe dele aparece e pergunta se ele queria comer alguma coisa. Ele diz que não e continua jogando.
        "É só isso? Ele não está triste com alguma coisa?", ela pensa. O livro começa a escrever que ele parecia chateado, pela expressão, mas não entra em detalhes. "Entendo...esse livro só descreve o que pode ser visto pela cena...mas não consegue ler os pensamentos ou emoções..no máximo, ele interpreta as expressões. Tudo bem. Descrever as emoções já seria demais. Mas a família dele deve ter reparado em alguma coisa, não?".
         Desirée muda o pensamento para a mãe do garoto. Ela estava na cozinha, preparando alguma coisa e parecia pensativa. O livro descreve que a mãe cuidava da casa e o pai era um empresário muito ocupado e mal conversava com o filho. Mas também não entra em muitos detalhes. O garoto também parecia distante da mãe e naõ chegava a contar todos os problemas para ela. Desirée conclui que o garoto estava fechado demais para comentar alguma coisa com a própria família. Assistir sua vida em casa não iria acrescentar em nada. Só descobriria alguma coisa se soubesse o que acontece na escola. Pelo jeito dele no pátio da escola, a garota sabia que alguma coisa acontecia lá.
        Tudo bem. Mas ela não teria aula no mesmo horário? O único jeito seria...sim, é verdade...o poder do livro não é limitado pela distância. Desirée havia descoberto isso há algum tempo atrás, enquanto investigava o caso do roubo do grêmio. Tudo que precisava fazer era deixar o livro aberto e pensar no garoto durante às aulas. Daí era só ler o que houve mais tarde. Tudo bem que seria mais fácil levar o livro para a escola, mas seria estranho abrir um caderno em branco e ficar olhando para ele, assim, do nada. Fora que aquela sala é cheia de moleques e pré-adolescentes tontos. Não. Seria melhor deixá-lo em casa mesmo.
        - O que foi? Tá olhando para esse caderno em branco aí feito um zumbi? - diz Karen, chegando de mansinho no quarto da irmã (de propósito, claro)
        - Ai, Karen! Que susto! Parece um fantasma!
        - Você que é distraída demais...tá pensando em que? Naquele seu namoradinho, é?
        - N-Namoradinho? Não viaja, eu...eu só tava pensando em como começar minha redação, só isso! - diz ela, vermelha, ao lembrar de Caio
        - Sei...tô de olho, heim? Hahaua - Karen termina, deixando a irmã de lado e indo ligar o computador.
        "Ai, é disso que eu tô falando...preciso me concentrar para ler esse livro. Não dá pra usar na escola de jeito nenhum...". Nisso, ela fica surpresa ao ver o nome Caio escrito em algumas linhas do livro. Droga, o livro deve ter escrito na hora que Karen fez ela lembrar dele...a tentação foi grande, mas Desirée fecha o livro e o guarda imediatamente.
        - Que foi? - repara Karen - Desistiu da redação?
        - Vou fazer outra coisa...quando se está sem ideias é bom arejar um pouco... - explica a mocinha, um pouco vermelha
        - Ah, então tá
        No dia seguinte, Desirée acorda um pouco mais cedo e deixa o livro aberto, embaixo do travesseiro. "Deve funcionar...desde que o livro esteja aberto...só espero que o garoto vá para a escola hoje". E sim, de fato ele foi, mas, de novo, estava sozinho e cabisbaixo. Como Priscila também chegou mais cedo, Desirée não pode acompanhá-lo muito, mas viu, depois de um tempo, viu ele conversando com algumas crianças. Ele parecia ter amigos, não? Por que ele parecia tão chateado? Desirée procura se concentrar o máximo que podia no menino durante o dia, embora fosse meio difícil com as distrações das amigas e da aula. Mas, como o problema devia ser mais fora das aulas, ela procurou mentalizá-lo o máximo que pode nesse tempo.
        - O que foi, Dê? Tá tão avoada hoje - repara Priscila, enquanto conversava com a amiga.
        - Não é nada. Continua falando...
        - Do que eu tava falando mesmo? Ah, então, daí eu...
        Desirée mal viu o garoto no intervalo, mas tentou focá-lo também nesse tempo. Estava mesmo disposta a saber o que era aquela inquietação. Alguma coisa tinha que ser. Ao chegar em casa, ela corre para o quarto e abre o livro. Havia dado certo? Parece que sim! Pelo menos uma página e meia do livro que, ao sair estava em branco, estava preenchida. A garota começa a ler o relato sobre o garoto.
         "Fabio Tamiro Logrado, 9 anos, Colégio Santa Sofia, 06h45min da manhã. Está sentado sozinho perto da cantina...". Até ali, era o que Desirée também tinha visto. Ela pula algumas etapas, até a parte que o outro garoto o chama. "...Fabrício Alverengue e Caíque Alimalio, ambos 9 anos, haviam chegado no local e chamam Fabio para brincar. Fabricio pergunta o que Fabio havia trazido de lanche naquele dia. Fabio abre a lancheira, mostrando pequenos sanduíches, desses feitos de bisnaguinha. Fabricio toma o lanche de Fabio e pergunta se ele também não havia trazido nenhum dinheiro para o lanche. Fabio não tinha muito dinheiro consigo, mas entrega alguns trocados que tinha para ele. Fabricio diz a Fabio para continuar assim, estava sendo um bom garoto e...". Desirée para a leitura. Como a concentração à distância era difícil, o livro não mostra muitos detalhes, mas, ao que parecia, Fabio era incomodado e ameaçado por aqueles meninos. Bullying, não? Mas isso era estranho. Pelo pouco que a garota viu aqueles tais Fabricio e Caíque de longe, Fábio parecia ser mais forte do que eles. Será que era do tipo que não gostava de encrenca? Mas por que não contava isso para alguma professora ou inspetora? Parecia ser tímido e assustado demais para falar qualquer coisa...mas ela não podia deixar as coisas assim, podia? Desirée até queria mais detalhes, mas usar o livro dessa forma não dava muita informação mesmo. Mesmo assim, ela já sabia bastante coisa.
        No dia seguinte, Fabio tentava se esconder da mesma forma, mas os tais moleques acabaram o encontrando do mesmo jeito. Os três vão para um lugar mais escondido do colégio, onde nem as câmeras de segurança pegavam.
        - E aí, Fabio? Beleza? - diz Fabrício. Era um molequinho de cabelos castanhos, mais baixo e mais magro que Fabio.
        - Ah...Fabricio...beleza... - diz ele, sem a mínima vontade de estar ali.
        - Tranquilo? - diz o outro, o tal Caíque, cabelos pretos e um pouco mais alto que Fabrício.
        - Tranquilo - é o que Fabio se limita a responder.
        - E aí? Trouxe o que de lanche hoje?
        Fabio meio que esconde a lancheira inconscientemente, o que só faz os moleques se exaltarem ainda mais
        - Mostra aí essa lancheirinha, Fabio...tá escondendo porque?
        - Você vê, né Caíque? Quem na terceira série ainda trás lancheira?
        - Mas pelo menos o lanche da mãe dele é bom, né?
        - Se é...e então, deixa a gente ver...
        Os dois tomam a lancheira de Fabio, dando risada.
        - Ah...aqueles bolinhos da padaria. Não deu tempo da mamãe te fazer sanduichinho hoje?
        Fabio não falava nada. Os dois davam mais risada ainda
        - Mas a gente também gosta. Relaxa. Outra coisa...a gente também tá precisando de uma graninha
        - Mas..hoje não tenho nada - diz Fabio, e realmente ele não tinha
        - Como é que é?
        - N-Não tenho nada mesmo
        - Ouviu isso, Caíque? Tá querendo enrolar a gente
        - Faz isso não, Fabio...olha que a gente é seu amigo...e se fosse um desses caras folgados que tem por aí? Heim?
        - Você sabe o que eles fazem, não sabe?
        - Mas é sério...eu não tenho nada
        - Tipo...eles começam com uns tapas na orelha - o moleque começa a dar tapas na orelha de Fabio, que tentava se fugir, mas era em vão
        - E depois eles acabam te pegando de porrada na saída...já pensou? Já pensou?
        Mas quando Fabrício ia ameaçar dar mais um tapa em Fabio, a inspetora aparece do nada. Desirée estava bem ali do lado.
        - Fabrício! O que você pensa que está fazendo? - diz ela, com tom de reprovação
        - São esses meninos, dona Márcia - diz Desirée, de braços cruzados - Sabia que eles não eram de confiança
        - D-Dona Márcia? E-Espera aí, a gente só tava
        - A gente só tava brincando... - Caíque tenta se explicar - A gente não tava fazendo nada. Fala para elas, Fábio
        - Não precisa falar nada, Fábio! - diz Desirée - A gente já tava vendo eles mexerem na sua lancheira antes de chegar aqui.
        - Faz tempo que eles fazem isso com você, Fábio?
        - Bem...
        Os dois moleques olham para Fábio com uma cara de "salva a gente, senão a gente te enche de porrada depois", mas o garoto acaba falando a verdade
        - S-Sim. Eles já fizeram isso, mas...mas não faz nada com eles, por favor. Eles...eles são meus únicos...amigos
        - Amigos? - pergunta Desirée - Que tipo de amigo é esse que rouba e bate em você?
        - Mas...eles são as únicas pessoas que conversam comigo. Todo mundo da minha sala me ignora...ninguém...ninguém gosta de mim. Eu sou só um gordo e feio
        O gordinho começa a chorar, mas Desirée tenta acalmá-lo.
        - Olha... - ela diz, se abaixando e colocando a mão na cabeça dele - Eu sei que é difícil estudar numa escola sem conhecer ninguém, mas você não pode deixar que façam o que quiser com você. Esses dois não são amigos nem deles mesmos. Se quiser, eu te ajudo a se enturmar
        - Sério?
        - Claro! - diz a mocinha, sorrindo
        - Mas faça isso depois. Primeiro, esses três precisam ter uma conversinha na coordenação
        - Diz a verdade, Fábio. Esses dois não vão aprontar nada com você
        Os dois olham para Fábio com uma cara feia, mas Desirée logo dá um jeito de espantá-los.
        - Eu GARANTO que eles não vão fazer nada com você! - diz ela, com uma voz firme. A inspetora leva os três para a coordenação e Fábio conta dos abusos dos colegas. No dia seguinte, ele ainda estava por ali, sozinho, mas Desirée se aproxima dele com cuidado.
        - Oi, Fábio. E aí? Tudo bem? - diz ela
        - Ah..tudo - é o que ele diz. Também estava meio encabulado de conversar com uma garota e ainda mais uma mais velha que ele.
        - Ah, é..acho que nem falei meu nome. Eu sou a Desirée
        - Desi...o que?
        - Desirée! É difícil mesmo
        Ele ri, mas logo fica um silêncio de novo.
        - E então? Aqueles dois não fizeram mais nada com você, não, fizeram?
        - Não...a inspetora tá de olho neles
        - Que bom
        - Mas ainda não consigo falar com ninguém da minha sala. Todo mundo deve achar que eu sou um babaca
        - Não diz isso. Você sabe que não é
        - Mas...sei lá
        Carlos abre a mochila para guardar um papel e Desirée vê o videogame portátil dele.
        - O que é isso aí?
        - Ah! É só um joguinho bobo
        - Posso tentar?
        - Claro
        Desirée começa a jogar, mas era péssima em jogos eletrônicos. Fábio ri e explica para ela como se joga. Nisso, algumas crianças reparam e se aproximam do garoto.
        - Nossa! Você também esse jogo? - diz um dos meninos
        Fábio faz que sim com a cabeça
        - Legal! Você chegou longe
        Estranhamente, ele começa a achar alguns assuntos em comum com as outras crianças. Parece que só precisava de um empurrãozinho mesmo. Com o passar do tempo, Desirée viu que Fábio já estava mais enturmado. Sempre que a via, o garoto acenava.
        - Hmmm...aquele menininho sempre acena pra você, heim? - diz Priscila, em tom de brincadeira
        - Ai, não viaja, Pri! Eu só ajudei ele a se enturmar
        - Hahuaha. Acho que você seria boa coordenadora pedagógica, viu?
        - Será? Bem, não que eu goste muito de crianças...mas odeio quem se aproveita dos outros
        - Ah, é! Ele é o menino que apanhava, né?
        - Ainda bem que eu avisei a tempo
        - Você até que é bem antenada com o que acontece a sua volta. Para quem diz que não liga para a vida dos outros...
        Desirée fica vermelha, como se sentisse uma pontada no peito. Mas não podia falar nada. O pior de toda aquela história é que era impossível de provar que ela tinha um livro mágico, afinal, só ela podia enxergar o que estava escrito nele. Senão, até revelava o segredo para a amiga. Mas, por enquanto, não podia fazer muita coisa. "Poder...responsabilidade...parece que querendo ou não, eu tenho que usar esse livro..."
        


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Notas finais do capítulo

Obrigado para quem está lendo e comentando.

Por enquanto a história só está nesses "fillerzinhos", mas isso é mais para deixar a Dê "viciada" no livro mágico, o que será um ponto importante quando chegar no clímax da história (é...tenho mais ou menos um futuro planejado para ela).

Por favor. Continue nos acompanhando!



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