Back On The Road Again escrita por Arrriba


Capítulo 1
Back On The Road Again




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Sob a reluzente e fina linha alva de uma lua minguante, um Impala corria livre e solitário sobre a estrada mal iluminada que se estendia até o horizonte, aparentemente tão infindável quanto os pensamentos cortantes rondando a mente de Dean, seu olhar angustiado fixo em nada e ao mesmo tempo em tudo, absorto apenas na dor que se refletia nitidamente pelas verdes e desatentas íris.

Sua visão periférica mais uma vez captou o lugar desocupado ao seu lado, um lugar que antes pertencera ao caçula da família, e que hoje apenas mimetizava o vazio que também habitava o íntimo mais profundo de seu peito. Os nós de seus dedos se apertaram acima do volante, quase inconscientemente, enquanto a outra mão passou enfurecida por seus olhos marejados, retirando dali a inconveniente umidade, irritantemente frequente naqueles últimos três meses.

Ele estava finalmente só... De uma forma tão irremediável que por toda sua vida o medo daquele instante o acovardou com intensidade dentro do ofício de caçador. O desamparo daquela indiscutível solidão o aterrorizava profunda e cruelmente, como nunca antes temera enfrentar os mais perigosos demônios ou espíritos vingativos. Sammy se fora, arrancado do plano físico por razões que Dean ainda não era capaz de assimilar, restando apenas o último Winchester para levar adiante aquele nome quase extinto. Para levar adiante o negócio da família, já muito procrastinado pelo luto que jamais se abrandaria...

...Até que ele mesmo pudesse fechar seus olhos num descanso eterno.

Um arrepio percorreu o corpo do caçador quando uma figura conhecida, repentina e inconveniente, projetou-se ao seu lado no banco do copiloto, e por um esperançoso instante, Dean acreditou tratar-se do caçula que foi incapaz de proteger.

– Temos um problema, Dean – Castiel o saudou ao seu modo peculiar, seu pouco tato ao lidar com a situação chegando a soar grosseiro até mesmo se tratando do anjo.

– Droga, Cas! – o Winchester bufou, o órgão pulsante em seu peito acelerado, tanto pela expectativa que se frustrara quanto pela solidão dos últimos meses brutalmente interrompida – Isso não tem a menor graça!

Castiel, dono de um olhar extremamente confuso, franziu fortemente as sobrancelhas, uma expressão notória de espanto destinando ao timbre do anjo o parco e aéreo entendimento que lhe era tão típico, em nada modificado nesse tempo que Dean rompera contato.

– Não entendo... Pensei que você soubesse que eu recuperei minha Graça... – comentou, ambíguo, reproduzindo no claro azul de seus olhos uma inocência incompatível com aquele mundo. E numa outra ocasião, Dean sabia que teria rido da estupidez do anjo quanto às questões humanas. Contudo, o tempo dos risos havia ficado para trás, assim como seu irmão.

– O que você quer? – perguntou com frieza, o tom ríspido pouco intencional despertando uma parcela da escassa sensibilidade de Castiel.

– Sinto muito pelo Sam. – fitou-o com indiscutível intensidade, parecendo ansioso pela abordagem. Porém, a resposta que recebeu limitou-se apenas ao silêncio que se estabeleceu entre os dois, uma relação friável prestes a se romper. Foi novamente a voz de Castiel que quebrou o profundo abismo interno em que Dean vinha se escondendo desde a morte de Sam – Queria ter tido a chance de dizer isso antes, mas não pude... Você aprendeu muito bem as maneiras de repelir um anjo. Fico feliz que tenha me deixado voltar! – concluiu, dono de uma leve pontada de tristeza ao pensar no Winchester caçula, de fato parecendo sincero. A expressão dura de Dean tornou-se um pouco mais branda e menos incomodada com a presença do anjo.

– Agora você é o mais perto que eu tenho de uma família, Cas. Não podia te afastar pra sempre. – confessou com angústia, mas de certa forma grato por ter se livrado de todos os símbolos antigos que por meses impediram a aproximação do anjo, finalmente deixando-o entrar. Novas lágrimas brotaram dentro de seus olhos formando uma brilhante película abaixo das íris verdes, porém Dean as impediu de descer, a pele adquirindo um tom ligeiramente rubro pelo mero esforço de conter a própria dor. – Quer saber? Eu preciso de uma cerveja! – avisou, atento a qualquer parada que pudessem fazer no meio daquela enorme e retilínea estrada.

– Isso me parece um bom sinal vindo de você... – Castiel comentou com algum humor, um meio sorriso brincando em seus lábios normalmente sérios e ajuizados.

– A vida continua, não importa o quanto protestamos em relação a isso – o Winchester comentou, revivendo uma parcela do tom deprimido e vago. Houve um novo silêncio em que Castiel se dedicava a estudar a expressão de seu improvável amigo, ainda achando árduo ler os sentimentos humanos em todas as suas mais intrigantes nuances e complexidade.

Foram gastos apenas mais quinze minutos rodando os quilômetros no Impala para que Dean finalmente encontrasse uma pequena lanchonete à beira da estrada, aberta mesmo com o tardar da hora. Após estacionar o carro, Castiel e Dean foram em direção à lanchonete, caminhando devagar enquanto a quietude do momento esbravejava que cada um precisava lidar um pouco com os próprios e íntimos pensamentos.

Escolheram um assento qualquer dentre os vários espaços vazios, e logo uma garçonete chegou para atendê-los, destinando maior interesse ao anjo de intensos orbes azuis.

– O que vão querer? – perguntou com um enorme sorriso, demorando um olhar sugestivo em Castiel.

– Me traz esse 'Tudo Duplo' com bacon e maionese extra. E uma cerveja! – Dean fez o pedido mesmo que a mulher ainda mantivesse os olhos no outro cliente, a fome aflorando de repente. – Vocês têm torta? – perguntou com avidez, ao passo que a jovem atendente apenas assentiu brevemente enquanto anotava o exuberante pedido. Voltou-se para o homem de sobretudo, esperando que ele fizesse o mesmo.

– Eu não quero nada, obrigado... – Castiel dispensou educadamente a refeição, não dando muita importância à presença da mulher.

– Se você quiser provar algo fora do cardápio, querido, eu saio em quarenta minutos! – lançou o flerte descarado, os olhos amendoados brilhando junto ao sorriso malicioso.

– Eu não entendo por que eu pediria comida a uma garçonete que já terminou o turno... – o anjo replicou ao seu melhor modo confuso, sua expressão genuinamente pueril levando a garçonete a crer que o cliente estava zombando de sua proposta. Sem mais nenhuma palavra, saiu com ares ofendidos, fazendo aumentar ainda mais o desentendimento que dominava Castiel.

Dean soltou o ar num riso curto e incrédulo, desacostumado à ingenuidade espalhafatosa do amigo. De fato, Castiel se provava uma ótima distração aos longos três meses de luto em que Dean passara apenas velando o irmão e seus poucos objetos.

– Enquanto esperamos a garçonete cuspir na minha comida, por que você não me conta o que eu perdi nesses meses? O que vem ameaçando o mundo dessa vez?

– Metatron escapou da prisão. – foi direto ao ponto, sem evitar um suspiro cansado – A situação está fora de controle, Dean. Ele pretende destruir todo e qualquer indício de humanidade.

– Cara, é só eu tirar umas férias que vocês transformam tudo no Apocalipse! Literalmente!

– Metatron convenceu muitos seguidores de que a Terra deve pertencer aos anjos por direito, que sem nosso Pai não existe qualquer sentido em viver enclausurado no Céu. Muitos, na verdade, simplesmente precisam ser guiados e se deixam levar pelas palavras de qualquer líder que apareça, mas existe uma grande parcela que está se convencendo de que a humanidade não tem mais qualquer serventia que justifique sua existência. Outros apenas estão revoltados com o desaparecimento de Deus e acham justo descontar em sua criação predileta; os humanos.

– Toda essa merda dos anjos sempre cai na cabeça das pessoas. – bufou, contrariado – Você acha que Metatron pode ser uma ameaça?

– No início eu o subestimei, e esse talvez tenha sido meu maior erro... Acreditei que os anjos o veriam como o traidor que ele realmente é, e que ele não seria capaz de juntar forças à sua causa. Imaginei que ele seria morto pela infidelidade que o condenou à prisão assim que cruzasse o caminho de outro anjo, mas aconteceu justamente o contrário... É provável que ele já tenha o apoio de todos os anjos, e isso o torna a maior ameaça que você já enfrentou como caçador, Dean. Metatron desconhece limites, suas ações só serão detidas quando o último capítulo de seus roteiros for finalmente concretizado com o fim dos tempos.

– E como nós evitamos a obsessão desse bando de nazistas alados? Sem ofensas, Cas.

Nós não podemos fazer nada.

– Isso é mesmo um puta consolo... Quais são as opções então? Cruzar os braços, tomar um último porre e ver o mundo ser destruído enquanto tentamos a sorte com uma última garota?

– Nós não podemos fazer nada, mas outras pessoas sim.

– Sei... Outras pessoas... – encarou-o sem a mínima crença e já sem muita paciência pelas meias palavras inconclusivas – Então o que devíamos fazer é ligar o bat-sinal e simplesmente esperar que um super-herói apareça pra tirar o nosso da reta?

– Eu desconheço seus termos... – seu cenho franzido pronunciou-se no mesmo segundo, mais uma vez refletindo um profundo desentendimento – Mas se você me explicar melhor esse seu plano...

– Esquece... – Dean o interrompeu, revirando os olhos – Qual é a sua ideia?

– Temos que recorrer à sabedoria dos Homens das Letras. Eles são os únicos que detêm um conhecimento perdido e tão antigo quanto poderoso.

– Ótimo! Nada melhor do que lutar pela humanidade mergulhando de cabeça numa biblioteca... Sam ficaria orgulhoso... – reclamou, desanimado.

– Não, Dean, isso não é tão simples assim! Alguns feitiços, como o que procuramos, são tão poderosos e destrutivos que por precaução não foram documentados. Apenas os Homens das Letras detinham alguns conhecimentos, sem nunca escrevê-los. Por prudência.

Dean gastou longos segundos apenas encarando Castiel numa de suas típicas expressões de escárnio, ainda não compreendendo sequer aonde o anjo pretendia chegar com aquela estranha conversa.

– Cas, isso que eu vou falar pode ser um pouco frustrante pra você, mas não existem mais Homens das Letras. Todos foram mortos. Foi mal, cara, sei que você deve ter levado meses pra pensar nesse plano tão... genial... e foi pego por um detalhe tão pequeno... – o Winchester comentou repleto de sarcasmo, o deboche transbordando por suas palavras e ele mesmo admitindo que teria de pensar em algo sozinho, sem as divinas alucinações de Castiel.

– Todos foram mortos, é verdade... Mas a casca de uma delas ainda circula por aí.

– A casca...? – Dean balbuciou, a princípio sem entender a que o anjo se referia, até que, num milésimo de segundo em que a lógica lhe tocou, o Winchester arregalou os olhos em choque, desacreditando de seus próprios ouvidos ao finalmente entender aonde Castiel pretendia chegar – Abaddon? Você enlouqueceu? Ela é um Cavaleiro do Inferno! – lembrou, na esperança de enfiar algum juízo na cabeça do anjo.

– Antes de ser Abaddon, o receptáculo pertencia à Sands Josie, uma mulher muito familiarizada com as tradições e ciências dos Homens das Letras. Existem encantamentos poderosos que podem trazer à tona essa memória perdida, só precisamos atrair Abaddon e extrair todo o conhecimento que eu sei que Sands possuía. Somente na posse dessas antigas sabedorias seremos capazes de enfrentar Metatron e seu exército.

– Atrair Abaddon... Isso é loucura. – contestou, embora estivesse claro tanto para Castiel quanto para Dean que aquele plano de ação de fato o instigava, muito mais do que passar seus possíveis últimos dias pesquisando na extensa biblioteca criada pelos Homens das Letras.

– Loucura maior é não agir. – replicou, um tanto sensato, e Dean soube que de fato aquela poderia ser sua melhor esperança de reagir à insanidade de Metatron – É a nossa única chance, Dean. O que me diz?

Dean manteve-se contemplando as próprias mãos que se entrelaçavam compulsivamente acima da mesa, sua resposta hesitando apenas por saber que aquele seria o primeiro e grande caso em que trabalharia sem a cumplicidade e apoio de Sammy.

– De volta aos negócios da família! – finalmente anuiu, concordando em contribuir com o plano, por mais abstrato que lhe parecesse. Percebeu que, após todo o tempo ocioso, era realmente estranho voltar à ativa – Mais uma vez de volta a essa estrada... – disse baixo, apenas para si, e principalmente para o fantasma de Sam que ainda o habitava.


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Notas finais do capítulo

Mas gente, me desculpem por essa fic super sintetizada... O máximo de palavras aceitáveis no desafio era 2000, e até Metatron acharia esse limite tão baixo uma tortura... só eu sei o quão duro foi deixar essa história dentro do limite, e mais duro ainda foi me desfazer de todas as palavras que eu tive que podar. Resumir não é um dom meu, isso eu admito, hehehe
Mas de qualquer forma, espero que tenham curtido tanto a proposta do desafio quanto a mini-história que eu criei em cima desse universo amplo. Espero que vocês deixem uma opinião verdadeira, review é de graça e faz muito bem ao coração do escritor x]
Aliás, reza a lenda que todo ficwriter é um Profeta, ou seja, temos arcanjos que atacam todo leitor sem vergonha que lê e não comenta =D
Beijos, abraços e chute nas canelas! ;*