Behind Those Black Eyes escrita por Betynha


Capítulo 5
Do fim dos dias e de um novo começo




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“Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
-Eu soubesse repor_
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!”

Manuel Bandeira



Com o tempo, eu me acostumei com todos aqueles acontecimentos. Às vezes eu chorava, outras eu ficava calado, observando o tempo. Queria poder contar o que houve para alguém, mas não tinha um amigo tão próximo e em quem eu confiasse o bastante.

Os primeiros dias foram realmente difíceis. Insuportáveis, até. Minha irmã passou um tempo comigo, depois o meu irmão veio. Foi muito bom. Eu me concentrei novamente no curso e voltei a tirar as boas notas de sempre. Fui promovido no trabalho, uma surpresa das melhores pra mim. Enfim, parecia que a vida estava entrando nos eixos novamente. O único porém é que eu não conseguia deixar de pensar no Romeu um só dia. Sonhava com ele, ia ao bar só para relembrar as horas que passamos juntos. Lembrava do cheiro dele, dos olhos negros impenetráveis. E eu sabia que era bobagem ficar me martirizando assim, mas por um tempo era o que eu conseguia fazer para lidar com o fato de ter sido objeto de uma armação barata.

Cada dia era uma luta diferente, uma dificuldade a mais sempre que algo me fazia recordar dele. Aceitei a impossibilidade de me sentir feliz no momento e simplesmente fui contando os dias um a um até que eu conseguisse me levantar sem sentir tristeza. E ainda assim, desejava poder vê-lo.

Diz-se que as vontades do coração fazem o mundo girar. Pois bem, no fim de julho, num domingo pra ser mais preciso, eu estava em casa. Férias enfim. As malas já estavam prontas, iria para a Europa. Um esquema de mochilão com alguns amigos da faculdade. Estava animado com a possibilidade de conhecer monumentos arquitetônicos tão antigos quanto fascinantes.

Toc Toc

Franzi a testa. Não esperava ninguém àquela hora. Quando abri a porta, senti os joelhos tremerem e um bolo se formou na minha garganta. Romeu estava parado e me olhava com seriedade. Usava um terno cinza, gravata preta e parecia cansado.

- Posso entrar? – Me recompus rapidamente e endureci o rosto. Não queria transmitir qualquer emoção.

- Por que eu deveria deixar você entrar?

- Eu preciso conversar com você. Preciso explicar tudo que houve.

- E se eu não quiser ouvir? – Cuspi as palavras cheias de decepção.

- Você precisa pelo menos me dar a chance pra eu explicar e...

- Eu sei de tudo que você e meu pai fizeram. A combinação, o dinheiro que ele te ofereceu. Tudo.

- Você não sabe de nada, nada! – Ele tremia.

- Eu não confio em você.

- Eu confio em você, sei que você é uma boa pessoa e que vai me ouvir se deixar esse ressentimento de lado por cinco minutos.

- Por que eu deveria? Você se lembrou dessas qualidades quando se vendeu para o meu pai?

- Eu não me vendi! – Ele respondeu com a voz baixa.

- E então por que aceitou o dinheiro do meu pai? – Eu perguntei com raiva.

- Quem te disse que eu aceitei?

- Ele me disse. Afirmou que te ofereceu uma boa quantidade de dinheiro, mesmo você não precisando disso.

- Ele te contou que me ofereceu o dinheiro, isso não quer dizer que eu tenha aceitado a oferta. – Fiquei confuso, mas ele tinha razão. Eu havia interrompido meu pai antes de ele dizer se o Romeu tinha aceitado a oferta. Mesmo assim, não baixei a guarda.

- E daí? Você se vendeu pra ele. Você se deixou envolver pela oferta dele, pra mim é óbvio que você aceitou o dinheiro.

- Como você é difícil! – Ele tentou amenizar a tensão com um sorriso despretensioso, mas eu não cedi.

- Sou difícil mesmo e não quero você aqui. Vá embora! – Quando ia fechar a porta, ele não deixou.

- Eu preciso que você me ouça, por favor!

- Eu não quero. Eu não vou conseguir acreditar em você.

- Por favor! – Eu ouvi a súplica na voz dele, mas não cederia.

- Vá embora! – Fechei a porta.

Encostei a cabeça na porta e comecei a chorar. Eu queria dizer que ele podia entrar, que eu o escutaria e compreenderia, mas eu não podia ser assim. Eu tinha de resistir.

- Massimo, por favor, vamos conversar. Eu preciso disso, por favor! – A súplica agora era entrecortada de dor. Eu não entendia o porquê, mas preferi o silêncio.


###

Eu passei a noite inteira acordado depois da visita dele. Minhas férias, que pareciam tão promissoras, foram por água abaixo, já que eu desmarquei com o pessoal da faculdade e preferi ficar remoendo meus motivos em casa. E agora estou aqui, me sentindo desolado, triste e injusto. De alguma forma aquela última súplica do Romeu mexeu comigo. Reconheço agora que eu deveria ter deixado ele falar, isso não mudaria muita coisa não é? Ou será que mudaria?

Toc Toc

- Só um momento! – E lá vamos nós começar a história novamente. Era o Romeu, uma vez mais. Agora, ele estava como sempre. Camiseta, calça jeans com alguns furos e um tênis encardido. E de novo o coração acelerou.

- Oi!

- O...oi! – Eu tinha certeza de que estava com cara de idiota.

- Será que dessa vez eu posso entrar? Eu ainda não desisti de você! – Então, gostei de ouvir isso sabe?

- Tudo bem, entra!

- Obrigado! – Ele me ofereceu um sorriso brilhante, e eu o aceitei sem perceber.

- Sente-se porque eu acho que você tem muito a dizer.

- Tenho mesmo.

Sentamos em sofás separados. Minha atenção inteira para ele. Percebo agora o quanto eu o fiz sofrer depois de ter fechado a porta aquele dia, três semanas antes. E percebo mais ainda que ele está diferente e eu também. Ele se importa com você! Uma voz inconveniente brinca comigo. Não o deixe ir embora de novo.

Ele falou tudo que quis, eu apenas ouvi. Não fiz perguntas, não quis saber de coisas que já estavam mortas em um passado que me parecia cada vez mais distante, embora ainda rendesse lágrimas e momentos de tristeza intensa. A ferida que o meu pai abriu na minha vida foi muito profunda. Eu ainda estava me recuperando e não sabia, falando sinceramente, se deveria ou não acreditar no Romeu. Ouvi a voz dele novamente e prestei atenção sem esforço:

- Eu não quero que você pense que estou aqui para me justificar. Expliquei o que houve e porque eu desapareci daquela maneira. Precisava colocar as idéias no lugar e não ia conseguir fazer isso com você por perto. Acredite em mim quando digo que eu não queria te enganar e que não esperava que você me marcasse tão profundamente como fez.

- Você sabe que eu preciso de tempo agora, não é?

- Eu sei, e não vou exigir que você se apresse. Não é o que eu quero, mas preciso que você acredite na sinceridade das minhas palavras e saiba que eu só preciso de uma chance. Não prometo nada, mas farei tudo por você. Tudo. – Os olhos dele tinham um brilho intenso e determinado. Eu gostava de poder olhar para eles novamente.

Fiquei em silêncio e ele também. Me levantei, fui para a janela novamente e por lá fiquei. Não o vi sair. Eu sabia que o tempo que eu precisava seria dado. Na mesa de centro havia um envelope pequeno. Dois números de telefone, um endereço e um pedaço de papel verde pequeno e nele estava escrito:


Encontrei isso esta manhã. Expressa um pouco do que eu sinto hoje e do que quero para nós dois no futuro. Vou te esperar o quanto for preciso. Ainda convivo com a vergonha do que quase fiz, mas espero poder contar com você para superar isso em todos os sentidos. E eu não vou dizer que te amo neste cartão. O tempo vai provar para nós o que sentimos um pelo outro, mas preciso que você saiba o que se passa na minha cabeça agora. Espero que goste:

“Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
-Eu soubesse repor_
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!”

Romeu.



Guardei o endereço, os telefones. Coloquei o cartão em um caderno que tinha desde a infância e nele estão os bens mais preciosos que consegui reunir. E percebi naquele instante que o maior deles ia ocupar a última página. Eu procuraria um novo caderno porque uma nova vida estava à minha espera.

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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!
Comentários são amor puro e eu aceito

Em breve, um ponto de vista diferente dessa mesma história!



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