Amor escrita por S2Hikari


Capítulo 1
Capítulo 1




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Aquele dia que amanheceu normalmente, prosseguiu pacatamente e terminou naturalmente, aquele dia sem nada de muito especial, foi um dia lembrado por muitos; foi o ultimo dia bom. Para muitos foi o ultimo momento em que tudo esteve nos eixos certos, para mim, foi o ultimo dia saldavel antes de minha doenca se manifestar.

Sentada a pequena mesa de cadeira de nossa cozinha mofada, eu assisti ao unico sinal do fim dos dias bons sem dar a devida atencao a ele. Meus pensamentos haviam pulado da janela do nosso apartamento no oitavo andar, caido na apresentacao de trabalho que teria na escola e corrido para a lanchonete em que trabalho, preocupacoes que logo perderiam toda a sua importancia.

_Amanha será "O Grande Dia", o nosso país nunca o esquecerá. _O reporter na TV anunciou novamente, ele esteve avisando sobre o dia de amanha há mais de um mes. Sempre me perguntei se ele sabia do que estava falando, se ele tinha conciencia dos horrores que aconteceriam, ou se ele somente lia um escripte sobre o qual nao sabia nada.

_Ele é fabuloso._ Suspirou Mia. _Ele é a unica coisa aproveitavel nesse jornal estupido. _Ela passou os dedos por seus sedosos cabelos castanhos sem desviar o olhar da TV.

_Nao diga isso!_ Nossa mae a repreeendeu.

_Nao precisamos medir palavras dentro de casa, nao há cameras ou microfones aqui._ Mia bufou._ Alem de que todos detestam as noticias inuteis ou censuradas desse jornal. Qual o ponto de avisar por semanas sobre esse tal grande dia se ninguem conta sobre o que ele se trata?

_Nao temos certeza se nao temos cameras em casa. Nao diga nada que nao deve ser dito para evitar problemas. _Ela engrossou a voz para por fim na conversa. Irritada quase derramou o mingal de Caroline ao coloca-lo na frente dela.

Caroline era a nossa irma mais nova com somente dois anos de idade. Ao todo eramos seis irmas, todas com caracteristicas diferentes ao extremo. Por nossa mae cuidar de nós sozinha todos creem que temos pais distintos, inclusive nós. Enquanto Caroline por exemplo tinha a pele muito escura, cabelos crespos e negros, pequenos olhos pretos e uma boca pequenina e grossa, Mia possuia a pele rosada, enormes cabelos castanhos, olhos verdes incrivelmente marcantes e o rosto fino e oval.

_Acredito que amanha será algo sobre o governo._ Mia sussurou para mim ao se levantar. Ela pos sua bolsa vermelha no ombro e continuou._ Provavelmente algo desinteressante que o governo quer que nos interessemos.

_Nina._ Nossa mae nos interrompeu fazendo eu pular da cadeira de susto e Mia se afastar._ Voce esteve divagando durante todo o cafe da manha, já esta tarde e voce nao tocou no seu sanduiche.

_Desculpe.

_Gatinha, Descabelada, podem ir direto para a escola, eu levo as menores hoje. _Andrea, nossa irma mais velha tendo dezoito anos, disse ao entrar na sala. Gatinha era o apelido de Mia e Descabelada o meu.

_Otimo._ Mia correu antes que Andrea mudasse de ideia.

Eu tive de verificar meus cabelos antes de sair, incomodada por ser chamada pelo apelido familiar. Meus cachos loiro claros estavam desalinhados como de costume, cheios de volume, mas nao havia jeito, nada que eu fizesse os mantinha comportados.

Como eu tinha treze anos e Mia quinze, estudavamos na mesma escola. Apos descer os oito andares de escola e caminhar por dois blocos, nós finalmente chegamos. Mia foi com seus amigos para sua sala e eu sozinha para a minha. A timidez me impedia de fazer quaisquer amigos, mas eu estava bem com isso, estava acostumada. Assim meu dia comecou normalmente.

Na apresentacao do trabalho eu comecei a tremer, ruborizei ate os dedos do pé, gaguejei e ainda esqueci boa parte do que deveria falar. Tirei nota baixa, o que eu já esperava. Depois de almocar a comida nojenta do colegio eu caminhei ate a lanchonete para o meu trabalho. Tive a sorte de ser encarregada de limpar nesse dia, pois eu sinto minha face esquentar e gaguejo quando estranhos falam comigo. Meus unico vergonhoso ataque de timidez ocorreu quando meu colega Jake falou comigo para pedir a limpeza de uma mesa especifica. Eu por reflexo levei as maos ao busto em defesa e dei um passo para traz, o jeito descontraido e amigavel dele fazia meus ataques mais severos.

_Voce esta gripada de novo?_ Perguntou me se aproximando mais para analisar minha face. Minhas pernas tremeram visivelmente e meu estomago se contraiu com a aproximacao. _Voce esta muito vermelha.

_Estou bem! _Disparei alto e rapido.

Ele enrugou as sobrancelhas escuras e franziu seus labios finos, nao acreditava que eu nao estivesse gripada. Para evita-lo avancei cambaleando para a mesa e me pus a limpa-la. Odiava com todo o meu coracao esse meu ridiculo jeito de agir, ou a grande falta de saber como agir. Parecia que eu mesma havia perdido meu manual de instrucoes e nao sabia como controlar a mim mesma, assim como nao sabia como interagir com as pessoas.

Assim o dia prosseguiu pacatamente.

As seis da tarde em ponto os clientes sairam da lanchonete e eu, Jake e mais dois colegas comecamos a arrumar para fechar. Foi quando eu ouvi e ao mesmo tempo nao ouvi, um grito. Tive a sensacao de escutar o som alto de uma voz, mas nao escutei palavras ou mesmo sons que pudesse indentificar. Nenhum dos outros pareceu perceber nada.

Caminhei ate a rua, meu equilibrio se fora como se meus tenis surrados houvessem se transformado em saltos agulha. Nenhuma alma viva passeava pelas ruas escuras, os postes iluminavam nada mais que asfalto e insetos. Antes que eu pudesse voltar para dentro um baque atingiu minha cabeca. Olhei em volta assustada, procurando alguem ou um objeto, mas nada havia me atingido. Dentro da lanchonete os tres arrumavam as coisas ausentes a mim. Respirei fundo e me abracei, eu deveria estar imaginando coisas.

Logo veio o segundo baque, dessa vez na minha testa. Mesmo sendo atingida de frente nao vi nada, talvez o proprio vento estivesse zombando de mim. Entao vieram varios baques seguidos, a cada batida minha cabeca doia mais. Parecia algo tentando incessante alcancar minha mente sem conseguir entrar nela.

_Vou te levar para casa. _Jake pos a mae em meu ombro puxando-me de volta para a realidade. Os baques cessaram. _Voce esta passando mal, nao tente negar depois de ficar gemendo e segurando a cabeca.

_Han?_ Eu nao percebi que estava segurando minha cabeca ou que tinha feito qualquer som. EU teria ruborizado com vergonha da cena que fiz se eu já nao estivesse quente.

_Já sao seis e meia, nao quero que voce perca o toque de recolher. _Ele me empurrou de leve para que nossa caminhada comecasse.

_Assim voce vai perder o toque de recolher._ Murmurei tao baixo que tive certeza de soar inteligivel.

_Eu sou um bom corredor._ Forcei um sorriso sabendo que minha cota de palavras diarias havia esgotado. _Seria horrivel passar a noite na prisao e responder interrogarios estando doente.

Durante o resto do caminho ficamos em silencio, Jake nao devia estar afim de um monologo. Eu quiz que ele continuasse falando, apesar de ser incapaz de responder. Alem de amar ve-lo falar tao sorridente, alguns segundos depois dele se calar veio um baque mais forte que todos os anteriores. Senti uma mao gelada em meu ombro e distingui uma palavra em meio aos gritos surdos, "fuja". Eu paralisei ao olhar para meu ombro onde senti a mao gelada, nao havia nada nele. Tremendo da cabeca aos pés parei de respirar. Tive a confirmacao de estar sendo assombrada por um espirito.

_Nina._ Jake chamou.

Reconquistei a sanidade com sua voz. Com muito esforco voltei a respirar. Inspirei e soltei tres vezes e engoli em seco antes de me obrigar a dar um passo.


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