Scott:

Eu já estava ficando um pouco frustrado com o fato de não conseguir fazer o garoto falar. O ajudei a tomar um longo – longo, bem longo – banho para tirar todas a sujeira de seu corpo. Seu cabelo era mais longo do que eu pensava, indo até os quadris. Então o levei até um barbeiro local, que transformou todos aqueles fios compridos em um corte curto e rente. Tenho que afirmar que desse jeito, ele ficava muito bonito.

Eu e Stiles separamos algumas roupas que já estavam ficando pequena em nós para ele, mas não importa o que ele vestia, ficava grande. Porém nosso dinheiro é pouco e como ainda não conseguimos um emprego naquela região, preferimos apenas fazer uma dobrinha aqui e outra lá em cada peça que tínhamos separado para ele.

Também o ensinamos a escovar os dentes, o que foi terrivelmente engraçado. Tivemos que ensinar o garoto como segurar uma escova, que não se engolia a pasta de dente, cuspíamos ela na pia após a escovação. E por incrível que pareça, deu certo.

Sempre que servíamos algo na mesa para comer, o garoto atacava e quando mais alguém chegava perto para se servir, ele rosnava. Por isso, fiz como eu era costumado a fazer com os cachorrinhos que eu ganhava. O ofereci comida e ele tentou me atacar, puxando minha mão e me arranhando, até que eu disse "pare!" e ele parou. Disse "espere", larguei o que tinha nas mãos no chão e disse "pode comer". Depois de um bom tempo, funcionou.

Não tinha nenhuma escola ali perto, e faltava uma semana e meia até Parrish levá-lo para a delegacia. Resolvemos tentar ensinar ele a escrever, ensinamos os números de um à dez, as letras do alfabeto e coisas do tipo que poderiam ser útil para o menino. E também deu certo, mas, mesmo que ele escrevesse o que tínhamos ensinado, ele continuava sem falar.

E naquele momento, eu estava sentado com Derek e Stiles no sofá da sala, e o garoto estava cocado no chão, em frente a TV. Ele ficava sempre naquela posição, e isso era algo que estávamos trabalhando para tentar mudar. Não usava os calçados e quando tentávamos colocar, ele começava a chorar, o que me deixou muito, mas muito confuso.

– Em uma hora, fazer isso é a coisa mais legal do mundo, mas aí do nada, se transforma em algo irritante, e quando fica assim, eu só tenho vontade de pegá-lo e colocá-lo para rua – eu disse, e o garoto me olhou assustado. Baixou sua cabeça e ficou encarando o tapete. – Nós nem conseguimos descobrir o nome dele.

Stiles e Derek assentiram, bufando. Ficamos ali por uns dez minutos até Derek se despedir de todos e ir embora. Quando Stiles foi para seu quarto, eu continuei ali com o garoto. O observando enquanto ele me observava.

Novamente, ele baixou a cabeça, parecendo pensativo. Então ergueu novamente e chegou mais perto, se ajoelhando no chão e apoiando os braços em meus joelhos. Me fitou com aqueles olhos azuis intensos e sussurrou: – Liam.

Percebi que eu estava arregalando meus olhos. Ele sorriu e voltou para onde estava antes.

– O quê? Liam? – Ele balançou a cabeça em um sinal de "sim". – Esse é seu nome? – Ele assentiu novamente.

Levantei do sofá em um salto, sorrindo. A voz de Liam saiu suave, um tom melódico que eu nunca tinha ouvido antes. Sai correndo para as escadas, até chegar no quarto de Stiles – que já estava se preparando para dormir –, gritando, fazendo-o ficar maluco.

– Stiles! – Gritei, o assustando e fazendo meu colega de quarto praguejar contra mim – Ele falou! – Eu me ajoelhei ao seu lado, sorrindo, com as ambas mãos sacudindo Stiles pelos ombros – Ele falou!

– Meu Deus, Scott. Quem falou o que?

– Liam!

– Quem diabos é Liam?

– O garoto! Ele disse seu nome! Liam! – Stiles pareceu incrédulo, a confusão estava estampada em seu rosto.

Confesso que fiquei um pouco assustado quando ouvi a porta ranger e vi o garoto parado ali, acocado como sempre. Agora eu sabia que ele podia falar. E aquilo tinha me deixado tão feliz de uma maneira que eu não sabia descrever. O garoto pareceu ler minhas emoções e sorriu também, ele sorriu enquanto sussurrava "Scott" – um pouco não, fiquei muito assustado, mas a alegria era maior que o medo.

Eu me levantei e fui até onde o garoto estava, me ajoelhei na sua frente e o empurrei, fazendo-o sentar. Então lhe abracei.

A sensação foi estranha, era como abraçar um irmão mais novo que eu nunca tive.

De início, ele ficou parado mas logo pude sentir seus braços me envolvendo. Ele me abraçou forte – um pouco forte demais – e eu não podia estar mais contente.

Por quê? Eu sei lá!

***

Na manhã seguinte, Stiles fez alguns waffles. Como Derek iria para a cidade com Kira – o quê ele não pareceu aprovar –, ele não fez muitos. Fui até o segundo andar, acordar Liam.

Era uma graça vê-lo dormir. Ele era bonito e sua aparência estava calma daquele jeito. Deitado de lado, de olhos fechados, respirando lentamente. Assim que cheguei perto dele, os olhos se abriram e o garoto sorriu.

Murmurei um "bom dia", achando que receberia outro de volta mas ele somente olhou para a janela e suspirou. Levantou-se e foi até o banheiro, fechando a porta logo em seguida me deixando ali, sentado em sua cama, bastante frustrado.

Desci novamente para a cozinha, vendo Stiles levando um prato com waffles para a mesa no canto. Ela estava ficando pequena demais. Me sentei e logo depois, meu grande amigo sentou-se do meu lado.

– Ele falou mais alguma coisa? – Perguntou enquanto se servia.

– Não. Fui acordar ele agora e ele parecia irritado.

Stiles pareceu surpreso, arqueou as sobrancelhas e me encarou largando os talheres e cruzando os braços.

– Quais suas intenções com o garotinho? – Eu ri, aquilo não podia ser sério – Por que está rindo? Hein, não vai me responder?

Eu engasguei com o pedaço de waffle que estava comendo. O barulho da escada rangendo alertava que Liam estava chegando. Lancei um olhar de "sinto muito" para Stiles e ele me lançou aquele olhar de "precisamos conversar" que sempre fazia quando tinha algo muito sério em jogo.