As aventuras de Charlotte escrita por Vlayk
Olhou para suas unhas bem pintadas e revirou os olhos, estendendo as mãos finas e delicadas no colo. Obviamente sim, o tolo de seu primo iria fazer uma de suas peripécias infames, desta vez Charlotte apenas observaria e, obviamente, riria da cara do primo.
Ou quem sabe, se por vontade divina e graça inalcançável, Charlotte o ajudasse aqui e ali. O pensamento a fez rir. Não, não. Charlotte Le Vasseur não o ajudaria a se sair dessa, a não ser, claramente, se existisse moeda de troca.
As portas de vidro do estabelecimento abriram-se novamente, jogando o cheiro puído da rua para dentro. O ar estava frio e denso, devido a gordura e o ar condicionado ligado mais ao fundo.
A garota odiava ar condicionado. Aparelho do inferno, maldito o trouxa que o criou . Em parte porque preferia o ar natural das coisas, em parte porque um ar condicionado, tipo industrial, havia espatifado-se bem ao seu lado logo que chegou a Inglaterra. Ela havia amaldiçoado todo um mundo, em Francês, obrigando tia Emily a lavar-lhe a boca com sabão.
Gérard havia rido por dias, até tomar um chute bem dado e calando-se, fazendo a vontade da prima.
Charlotte olhou para o primo, pelo canto dos olhos, ele parecia bem humorado, jogado de qualquer modo sobre a cadeira, o que era confuso, vez que para um garoto, Gérard era tão fresco quanto Charlotte.
Esta ultima, limitava-se a sentar na ponta da cadeira, de pernas cruzadas, tomando o máximo de cuidado possível para não encostar em nada. Fazia sentido. Logo que havia entrado, tinha visto um garoto, da sua idade, enfiando, de um jeito nervoso e assustador, o dedo dentro do nariz e colando, o que quer que fosse, abaixo das mesas e cadeiras.
Sua cara de nojo apenas não foi maior do que o dia em que sua prima Kath havia casado-se (uma virgem pura e delicada, que tornou-se uma meretriz), e dito que seu homem era um touro na cama, contando detalhes picantes a Charlotte que não havia quisto ouvir, ou ver, quando ela mostrou-lhe uns vídeos.
Tia Emily havia salvo-a de descobrir como os bebes eram feitos. Obrigada tia Emi!
A porta voltou a abrir-se e uma garota morena entrou, poucos minutos depois, encaminhando-se ao banheiro. A sombra de um diabo surgiu nos lábios da francesa e ela voltou-se para Gérard, interessada.
–Vamos para a fila. – anunciou, levantando-se e colocando sua bolsa delicadamente sobre a mesa, um receio óbvio de que a mesma ficasse suja. Gérard deu de ombros, levantando-se e seguindo a prima.
–Lotte, você, por acaso, não esta achando que é uma dama, esta? – Gérard indagou, zombateiro –Porque você é tão catarrenta quanto ele – informou, desdenhoso, apontando para o gordinho que a Francesa havia visto mais cedo, ela esmerou-se habilmente em ignorá-lo, antes que pensasse em atingi-lo com um soco.
Erguendo os ombros e torcendo-se o máximo que podia para não encostar em quaisquer das crianças que perambulavam por ali, sua cara de asco era indescritível e engraçada, torcendo o corpo como uma lombriga ela alcançou o final da fila e puxou Gérard para que o primo não desgrudasse dela.
–Por Morgana e seus morcegos, eu odeio este lugar. – resmungou para si mesma, encarando o balcão engordurado com nojo.
–Se identifica com as vaquinhas, prima? – Gérard sorriu, jocoso e virou-se para o balcão. –Oi, boa tarde. Duas mangas, por favor. Uma para mim, outra para ela. – piscou para atendente, espinhas brilhavam na pele oleosa dela como se a gordura estivesse aderindo a sua pele. Charlotte revirou os olhos. –Não se preocupa, Lotte, eles não vão te fazer mal. Já ouvi dizer que eles nem usam vacas de verdade, que é tudo carne de minhoca.– sorriu charmoso. A balconista, fitou-os atônita, afinal, não era sempre que duas figuras loiras e estranhas adentravam por ali, ainda mais pedindo manga. Logo ela respondeu, mecânica, “Não vendemos manga aqui”, pedindo que fizessem outro pedido.
–Isso porque você é um francês de meia tigela, seu frajola. – resmungou torcendo o nariz para ele. Gérard riu, mas ignorou-a.
–Como assim, não vendem manga? Não posso acreditar! – Gérard simulou uma careta de horror. –Tsc. É óbvio que não vendem. Eu estava brincando. – então uma ideia brilhante floresceu na cabeça da loira e ela sorriu, o diabo voltando em seus lábios. O primo entregou o pedido a mulher, que computou-o e chamou os próximos da fila. –Que cara foi aquela, Lotte? Você não me engana. O que tem em mente?
–Aposto dez galeões que você não entra no banheiro feminino e pede para te comprarem uma manga. – sorriu maliciosa, arqueando a sobrancelha -E não venha negar. Sei que precisa do dinheiro para sustentar seu vício por biscoitos. Te vi furtando o pote da tia Emily. – o loiro soltou uma gargalhada. Pronto para a barganha.
–Quinze galeões é o meu preço. E se a mulher aceitar me comprar a manga, eu quero que você reconheça que nasceu para ser elfa doméstica, enquanto eu nasci para ser rei. – os olhos de ambos brilhavam, divertidos. Sorrisos abriram-se nos lábios dos franceses. Charlotte levou a mão ao peito, teatralmente ultrajada.
–Quinze galeões? – negou com a cabeça -Dez galeões. Elfa o que? É, vai nessa... – resmungou.
–Quinze.
–Onze!
–Quinze.
–Doze?
–Quinze.
–Treze.
O silêncio e uma careta de indignação e impaciência.
–Ok, quinze. – resignou-se, sucumbindo a proposta do primo.
(....)
–Hmm... o toilet feminino tem um aroma realmente mais agradável que o masculino. – o primo informou, perscrutando o ambiente, como se o analisasse clinicamente, tão logo atravessaram as portas do banheiro. Por sorte dele, obviamente, o banheiro estava quase deserto, exceto por dois cubículos ocupados. Não havia viva alma em frente ao espelho maquiando-se ou lavando as mãos na pia. Charlotte sentou-se habilmente sobre a bancada. –Eu posso pegar um desses? Haha. – ela arqueou a sobrancelha para ele, porém, antes que pudesse respondê-lo, a tranca de um cubículo girou e uma moça alta saiu dele.
Charlotte sequer reparou nela, ocupada demais ligando o barbante e o elástico no clipes e grudando-o na pilha que retirou de um dos bolsos, buscou pela pequena bombinha que havia retirado da bolsa, cortando uma das partes e grudando-a em sua obra de arte. Usando uma lixa de unha, correu-a pela fonte, faíscas vermelhas e douradas surgiram do atrito e a francesa sorriu. Seu projeto pronto.
Estava quase levantando-se para levar seu outro plano adiante quando o som de um tapa a fez olhar para o primo. Gérard tinha a face projetada em sua direção e a mulher que saíra do cubículo parecia realmente nervosa, ou melhor. Furiosa.
–Filho de uma p-u-t-a – Charlotte riu e a moça, bufando como um touro, saiu do banheiro.
–TPM, será? – o primo riu, sentando-se sobre a pia de mármore. –Ei, você se esqueceu de lavar as mãos! Nanana, que deselegante. – a francesa revirou os olhos e pulou da bancada, tomando o máximo de cuidado com seu projeto.
–Me aguarde, eu já volto. – disse ao primo, mandando-lhe um beijo por sobre os ombros.
–Lotte, o que você.... – ela ainda ouviu, mas já havia escapado do banheiro.
(...)
O balcão de atendimento estava cheio, crianças corriam aqui e ali e, aparentemente, o tonel de ketchup havia entupido. Um prato cheio, vez que haviam aberto a tampa do tonel, este ficava ao centro, Charlotte parou, admirando o curso de seus pensamentos.
O tonel ligava-se a máquina de maionese e mostarda, as borrachas interligavam-se e terminavam em um único ponto. Era o que a Francesa queria.
Inclinando-se e imperceptivelmente, usou a lixa na cavidade que havia feito, o barulho de um chiado e então fagulhas surgiram de seu brinquedo e ela jogou-o lá dentro.
A rápidas passadas, agarrou sua bolsa e correu para o banheiro, onde entrou e fechou a porta rindo. O primo a encarava, curioso.
–Lotte, o que você... – começou, confuso, mas ela ergueu a mão, três dedos ao ar.
–Um.... dois.... três! – o time perfeito. Um enorme “Buuuuuum” foi ouvido e a gritaria começou, Charlotte correu o trinco da porta do banheiro, no exato instante em que batidas foram ouvidas. Ela riu, animada e colocou o óculos Ray Ban na cara, sorrindo maliciosa e arqueando a sobrancelha para o primo. Gingou o corpo e bateu palmas.
–Eu sou, definitivamente, um gênio! – anunciou em voz alta, enquanto exibia os músculos, inexistentes do braço. Rindo como uma louca.
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