Kate

O chá que estava na xícara que segurava ainda estava morno quando levei aos lábios. Tori estava sentada na minha frente, também segurando uma xícara de chá feito por ela. O estúdio de tatuagem estava vazio naquela hora da manhã. Provavelmente, todos estavam tomando café da manhã no refeitório para poderem ir para suas destintas atividades.

Era por isso que eu não estava tomando café junto com todos. Queria ficar longe daquele imenso contato humano e da falação exagerada dos membros da Audácia. Dei mais um gole no chá antes de Tori me perguntar:

– Conheço bem essa cara. O que houve?

– Problemas de líder - Minto levando a droga da mão no olho.

– Não é os problemas de líder, não é? Lembro que você veio até aqui com essa cara quando seu namoradinho se jogou no Abismo - Falou Tori

Ah ótimo! Obrigada por me lembrar de Aidan. Realmente minha vida amorosa estava uma droga...

– Nem me lembre... - Me encosto mais na cadeira

– Qual foi o problema da vez com o iniciando?

– Como você... - Ela me cortou

– Você não é a única que fica no Fosso até tarde. Eu já vi você e ele entrando por aquela porta que da para o fundo do abismo mais de uma vez.

– Quanto meus pais estão te pagando para me espionar? - Ela soltou uma risada

– Pelo incrível que pareça, eles não me pagam nada. Não se preocupe, líder, eles não sabem disso! Acredite: quando eles estavam na sua idade, eles brigavam como cão e gato! Eles vinham aqui, escondido um do outro para desabafar.

– Não vou te contar sobre os problemas da minha vida amorosa!

– Ah então seus problemas são amorosos?

– Nunca disse isso! - Ela solta outra risada e sinto minhas bochechas queimarem.

– Tudo bem, então! Se não quiser falar, não fale!

– Tem algo me incomodando, se quer saber.

– Quer falar sobre isso?

– Uma vez minha mãe me disse que você tinha um irmão que era enfim.... Você sabe o que estou me referindo.... - Comecei e ela assentiu - Você achava que ele estava morto mas ele não está, não é? Eu queria saber se você acredita que existe alguma coisa além dos campos do Complexo da Amizade.

Havia passado metade de minha noite olhando para o teto e cogitando a ideia de partir para sabe-se-o-que há lá fora. Fora da cerca que delimita Chicago.

– Se eu acredito? Eu não sei! Algumas pessoas de diversas Facções, incluindo a Audácia, já falaram que já viram luzes acessas além do Complexo da Amizade, mas nunca foram lá para se certificarem o que era. Uma vez me procuraram e me falaram que sabiam do paradeiro do meu irmão, achei que estavam tirando sarro de mim ou algo parecido. Mas me procuraram novamente e me entregaram uma carta que supostamente foi escrita por George, meu irmão. Eu a li e nela estava escrito que havia alguma coisa além do Complexo da Amizade, não me lembro como ele se referiu na carta.

– Quanto tempo isso faz?

– Uns sete anos. Depois dessa "carta" nunca mais ouvi falar dele. Se permitir perguntar, Kate, por que a curiosidade?

– Norton, líder da Erudição, algumas semanas atrás me mostrou um vídeo que o primeiro líder da Erudição fez, falando sobre um indivíduo especial que deveria ser enviado para fora da cerca... Só fiquei curiosa quanto a isso....

– O que esta acontecendo, conte-me.

Tori era uma das poucas pessoas que confiava falar sobre isso. Quando abri a minha boca para falar, a porta do estúdio foi aberta. Logan, o outro tatuador, entrou no estúdio. Ele trazia um muffin de chocolate.

– Bom dia, Kate, Tori! O que a líder faz aqui essa hora? - Ele perguntou dando uma mordida no bolinho

– Tori me convidou para tomar chá - Dou a desculpa

– Tori não convida ninguém para tomar chá! - Ele fala

– Ok você venceu, estou aqui para fazer mais uma tatuagem - Precisava de uma desculpa melhor, já que a primeira não colou.

– E por que não falou logo? Já escolheu o desenho? - Ele terminou de comer o muffin

– Na verdade, quero que crie algo original para mim! Sei lá, algo que eu possa olhar e me lembrar que sou a líder da Audácia. - Eu realmente precisava me lembrar que cargo tinha na Audácia, não instrutora de iniciação, não amante de um iniciando, não prima de um maluco que é líder da Erudição, não Dv.... Acima de tudo sou líder da Audácia.

– Pelo jeito, alguém acordou com o ego lá encima, hoje - Ouço Tori comentar

– O fim da iniciação me deixa animada! - Falo

– Obrigada por me lembrar - Tori fala

– Agora se tornará tradição fazer uma tatuagem no fim da iniciação? - Pergunta Logan

– Gosto da ideia! - Falo

Vou até uma das cadeiras usadas para tatuar que havia ali e me sento enquanto Logan se prepara. Após alguns minutos ele vem até mim.

– Onde vai fazer? Nas costas? - Ele pergunta

– Acho que as minhas costas tem mais tinta do que pele, meu braço direito há uma bem grande... Então, eu acho que na mão esquerda. - Falo

– Beleza, então! - Ele concorda

Ele se vira para a bancada e pega uma folha que estava ali. Ele começa a desenhar, e demora um bom tempo ate ficar satisfeito com o resultado. Após terminar, ele se vira para mim e me mostra o desenho, procura do minha aprovação.

Dou um sorriso para ele e então começa a desenhar na minha pele. Após logos minutos desenhado cuidadosamente no meu dedo indicador esquerdo, um leão que parecia estar agarrado ao meu dedo. A calda dele devia até metade do dorso da minha mão e parecia que estava em chamas. Pude perceber que havia dois pontinhos azuis nos olhos do leão. Não era comum esse tipo de tatuagem entremos membros da Audácia. Enfim ele se volta para mim e pergunta:

– O que achou?

– Bom... Estou realmente sem palavras - Falo admirando o seu trabalho no meu dedo indicador

– Que bom, eu acho. Você sabe como funciona. Tire o curativo em três dias e coisa e tal... - Ele me recomenda

Me levanto da cadeira e olho para o relógio que havia na parece. Ele marcava dez minutos para as oito. Me despedi dos dois tatuadores e fui em direção a porta. Mas antes de abri-la ouvi passos apressados atrás de mim.

– Depois terminamos essa conversa - Falou ela ao meu encontro.

Olho para ela e assinto com a cabeça, abrindo a porta para sair.

+++

– Você tem certeza sobre isso? - Perguntou Peter para mim sentado em sua cadeira, em seu escritório.

Sinto os olhares de Peter e Sam sobre mim. Eu tinha proposto de usar uma das variações da paisagem que cria paisagens mais vivas e piores, por assim dizer. Já tínhamos usado esse soro antes. No primeiro dia do estágio usamos esse soro, mas aconteceu uns acidentes e tivemos que rever isso.

– Melhor prevenir do que remediar... Será esse soro que usaremos amanhã, então será bom testa-lo hoje! - Falei.

A única diferença é que o soro da Paisagem será misturado com o soro que o prodígio da Erudição - que agora é iniciando da Audácia - criou.

– Se você fosse uma completa estranha para mim, eu não diria que você quer mais alguma coisa - Falou Sam ao meu lado

– O que você anda planejando, Kate? - Perguntou Peter

– Peter, você ouviu Norton alguns dias atrás. Ele não está ligando se esses iniciandos forem dignos de serem membros dessa Facção. Talvez com esse teste possamos pré-definir as colocações de amanhã. Quem não sair chorando da Paisagem hoje, amanhã já tem uma certa vantagem.

– Katherine, você não intendeu! Norton vai saber quem é Divergente pelo soro, não pelas nossas colocações! Não adianta fazer isso! Você só está tentando evitar o inevitável - Peter esbravejou

– Eu estou tentando salvar aqueles iniciandos, pelo menos ha três deles que são, enfim, você sabe. Eu sou líder da Audácia, esse seria meu dever! - Falei

– Como você pretende fazer isso? Você está tentando enrolar mais o Norton mas você sabe que isso é a pior coisa que tem. Ele irá atrás de você, irá caçá-la por cada centímetro dessa cidade! - Peter falou elevando o tom da voz.

– Você viu o video que Norton me mostrou: daquele cara, Austin Owen, o primeiro líder da Erudição. Ele diz para enviar os que chamamos de DVs para fora da cerca. Então, deve haver alguma coisa lá fora...

– Você perdeu a noção, Katherine? Não existe nada lá fora, se existisse já teríamos ciência! E se houver, já esqueceram de essas pessoas que deveriam sair de Chicago por serem DVs. Aquele vídeo tem no mínimo uns noventa anos. - Fala Peter. É melhor você aceitar a situação, não há nada que possa ser feito.

– Já que não há nada que possa ser feito, vou ali me entregar para Norton, então! Escreverei na minha testa: Katherine Eaton Dv de : Audácia, Franqueza, Abnegação e Erudição. Assim Norton não precisará gastar aquelas tecnologias dele para me localizar! - Falo com a ironia e a arrogância forte na voz. - Não vou cair sem lutar!

– Não estou dizendo para você cair sem lutar mas... - Interrompo

– Não é sua cabeça que está na forca! Não é você que o Norton quer. Aliás, ele está cagando para você, Peter! Eu vou ser morta! Morta!

– Não é só você que vai ser morta por eles, mas centenas serão mortos também! Como você vai passar centenas de Divergentes para fora da cerca? Isso é inviável, Norton mandaria as tropas de sua própria Facção acabar com aquilo em um minuto . Será pior do que imagina! - Sam se manifestou pela primeira vez na discussão.

– Sam está certo. Você está com medo do que estar por vir! - Falou Peter

Quando ele falou a última sentença senti uma ira que estava adormecida em mim há muito tempo. A última vez que senti vestígios dela foi quando descobri que aquele desgraçado estava vivo.

– Eu não estou com medo! Eu quero salvar... - Sou interrompida e isso faz ficar mais nervosa

– Você não quer salvar ninguém! Admita! Você quer salvar a sua pessoa, apenas! Katherine, você só pensa em sua segurança! Você é líder de uma Facção, as pessoas confiam em você por ser líder, como você pode pensar só em você? - Argumentou Peter

– Não estou pensando somente em mim! Um quarto da população de Chicago é Divergente e esse número só está aumentando. Existem muitos Divergentes nessa Facção, e entre eles estão os iniciandos. Nicholas é Divergente, Sam. Seu próprio irmão é! Meus pais também são, Peter! Thomas é também! Há pessoas que eu amo que verei serem abatidas ou cobaias de experimentos da Erudição! - Percebo que tenho a atenção dos dois - Eu sou líder de uma Facção, Audácia, as pessoas me seguem e confiam em mim por causa disso, como você disse, Peter. Essa Facção tem dois líderes, quando um senta rendido, é dever do outro continuar a batalha. Se caso eu morrer no processo, não vou ligar. Pelo menos eu estarei com a minha consciência limpa, que fiz o que julgava ser certo.

Após a minha longa fala, ouço o silêncio que paira na sala de Peter. Ele abre a boca diversas vezes para falar mas não sai nenhuma mísera palavra dela. Sam tem seu olhar fixo no chão, não tem coragem de me encarar mas deve estar digerindo tudo que eu falei. Após longos segundos que mais pareceram uma eternidade, caminho com passadas calmas - o que deixou os dois perturbados - até a porta do escritório de Peter e a abro.

– Julian está me esperando na cerca, ele tem alguns relatórios sobre os guardas enviados para a Erudição. Ele quer falar pessoalmente sobre isso.

Bato a porta atrás de mim sem esperar a resposta.

+++

Sentia a lataria do interior do trem em contado com as minhas costas. Ela era fria devido ao clima do lado de fora do veiculo. Uma frente fria pegou Chicago de surpresa. A temperatura baixa do metal ajudava a me manter no foco e não explodir depois de tudo que Peter e Sam disseram para mim. Minhas mãos estavam serradas ao lado de meu corpo. Eu poderia me virar e estilhaçar uma janela do trem com um dos meus punhos.

Talvez eu ainda não tinha feito isso devido a um fio de consciência que eu iria me machucar feio. Eu estava irada quando sai daquela sala, nunca tinha sentido isso como senti naquele momento.

Olho por uma das janelas que há do outro lado do vagão e vejo a cerca. Me desencosto da lataria e caminho até porta do trem. Dou um impulso e salto, aterrissando na grama. Sinto uma lufada de vento gélido quando recobro o equilíbrio. Me amaldiçoo por ter largado o casaco na cadeira - Juntamente com a minha arma - naquela manhã.

O número de guardas na cerca havia diminuído muito. Por isso o número de turnos havia diminuído e aumentado a quantidade de horas de cada. Isso graças aos pedidos do líder da Erudição que solicitou os guardas da Audácia para proteger o complexo de sua Facção. Foi fácil encontrar Julian naquele meio, ele estava dando ordens para alguns guardas que haviam acabado de trocar de turno.

Julian estava passando mais tempo na cerca essa semana. Geralmente ele comanda as equipes de patrulha do próprio Complexo da Audácia, mas devido ao número reduzindo de pessoas na cerca, ele tem vindo até aqui.

Quando me vê indo em sua direção ele dispensa os guardas com um aceno e vem até meu encontro.

– Pensei que seria Peter que iria vim.

– Pensou errado, então. Ele está ocupado com a iniciação. Me mostre os relatórios - Falei

Peter, certamente, era para estar aqui mas não em incomodei em falar para ele que precisava de sua presença.

– Um dos meus homens de confiança que enviei para a Erudição ontem, como você havia me pedido. Hoje mais cedo, ele enviou isso para mim - Falou Julian tirando um papel do bolso do coleta à prova de balas.

Ele me entregou o papel o papel dobrado. Desdobrei e li. Tentei esconder a minha reação de espanto quando terminei de ler. No papel relatava que os encarregados de patrulha enviados para a Erudição não obedeceriam mais as ordens vindas da Audácia, eles obedeciam Norton à partir de agora. E além também de haver diversos relatos de diversas mudanças de comportamento neles. Norton estava utilizando o soro neles, para que eles respondesse somente a ele.

Abaixo o papel e encaro o chão pensando. Em um estralo tudo se conecta na minha cabeça. Ele está usando o soro nos membros da Audácia que estão no complexo dele para que eu seda. Ele soube que eu passei a perna dele noite passada, sabe que eu menti sobre estar colaborando. Ele não hesitará em me matar. Minha sentença está certa.