Contos nunca contados escrita por Antonio Carlos


Capítulo 8
O Hino do Marinheiro




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– Vamos homem - disse o velho capitão ao homem que tristonho olhava o horizonte no convés do navio - já iremos passar muito tempo neste tonel para que você não aproveite os portos, aqui tem boa bebida e boas mulheres vamos, animo!

– Não senhor, se o capitão me permite eu prefiro ficar aqui no navio esta noite - disse o homem de voz calma.

O velho capitão em seus incontáveis anos já vira todos os tipos de gatunos e ladrões, vira o suficiente para saber que aquele era um bom homem, enquanto caminhava para fora do navio pensava que somente dois tipos recusavam mulheres e bebida. Os afemados e os devotos verdadeiros, seja qual dos dois ele fosse não lhe interessava, o homem era um bom marinheiro e era tudo o que importava.

O tal bom marinheiro continua ali sentado deste o momento que o capitão partira ate o momento que a noite se vez fechada, ele olhava o horizonte com saudade, não queria vinho ou prostitutas, ele queria apenas voltar para casa, voltar para o lar, sorriu ao lembrar que tinha bons motivos para retornar.

Ele não sabia, mas do outro lado do horizonte um dos bons motivos que o levavam para casa olhava o mar pela janela, o mar azul que ia ate o perder de vista, ela ficava ali em sua cadeira fazendo um belo bordado, ironicamente ou não o bordado era um barco forte e de madeira escura em um mar de azul cálido e de branca espuma, um sorriso brincou em seus lábios, era o presente perfeito para ele. Seu amor.

– Vamos mulher - disse sua mãe - ele já ira chegar, você não precisa passar fome por isso, ele não ira gostar de saber que você não comeu direito nesses meses.

A mãe preocupada se sentou ao lado da bordadeira.

– Sim mãe - uma voz levemente mecânica se pronunciou, dividindo o olhar entre o mar e o bordado como se estivesse pegando inspiração - só que eu não estou como fome neste momento.

– A mãe ficou ali observando a garota que agora se fizera mulher, a face que olhava era pálida, naquele momento se arrependeu de deixá-la se casar com aquele marinheiro, deveria tela guardado para si, sua eterna garotinha. Mas agora era tarde "o que deus uniu o homem não destruí" derrotada pela determinação muda de sua prole em não comer ela partiu do quarto lembrando-se do próprio passado.

Uma vela estava no peitoril da janela, assim como em todos os outros dias uma delas esteve ali, o ato de ver uma vela naquele peitoril era tão comum que era possível imaginar que ali sempre esteve uma e que ali sempre estaria, essas velas serviam tanto para iluminar o seu bordado quanto como um sacrifício simples para o senhor do mar, em seus sonhos ela via a vela como um farol que levaria seu coração de volta para casa em segurança.

A maré levava a água para fora da praia e ela sabia que nenhum navio chegaria naquela noite, mesmo assim ela se mantinha firme em sua vigília. Porem em altas horas da madrugada resolveu deitasse, coisa que fez sem apagar a vela se deitou e fintou a porta, sonhando com o momento em que ele entraria por ela para buscá-la, talvez por causa de sua longa via ou em resultado das orações de sua mãe, ela dormiu,

E outras noites passaram outros portos não conheceram os pés do homem e outras vigílias foram feitas pela mulher que esperava, e então uma noite em que eles não aportaram e os homens bebiam o que ainda restava do que haviam comprado o jovem homem sentando entre as cordas olhava o mar em uma paz sem medida, o velho sentou-se ao seu lado e fumando seu cachimbo também possuía os olhos perdidos, talvez algum lugar do passado, assim os dois passaram um tempo em silencio ate o velho falar algo.

– Ouve isso garoto? - disse ele no momento que tudo ficou em silencio, o que significava que os marinheiros haviam ido dormir ou haviam caído em coma alcoólico em algum lugar pelo navio.

– Ouvi o que senhor? - disse o jovem confuso apurando os ouvidos, o capitão balançou a cabeça pensativamente, talvez decepcionado.

– As sereia meu rapaz - disse o velho sonhador arrancando o sorriso de seu companheiro - as sereia! Eu consigo ouvi-las, são vozes doces que me dizem para pular e ficar para sempre com elas...

E então o velho se levantou, assustando o jovem marinheiro, por um momento achou que ele fosse pular, o capitão talvez lendo sua mente riu. Aquele homem de incontáveis verrugas ganhava um ar misterioso e sábio por trás da cortina de fumaça que se levantava ao seu redor, deu um tapinha no ombro no garoto e disse:

– Ainda bem que eu nunca dei ouvidos a vozes doces - e se virou em direção a sua cabine, porem parou e sem se voltar falou para o marinheiro - gosto de você garoto, você tem bons olhos.

Quando o velho partiu o marinheiro percebeu que era o único acordado, pelo visto era sua vez de ficar de guarda, para ele tudo bem, gostava de olhar as estrelas prateadas e a luz da lua no escuro do mar, as palavras do capitão o fizera lembrar-se de quando se casara.

Ele era jovem, mais jovem do que naquele momento, era sua primeira viagem para o mar e viajava servindo de ajudante, um trabalho árduo, mas que ele via como necessário, ele não sofria muito, seu capitão era um homem bom e justo o que facilitou a tudo porem essa viagem foi a sua mais perigosa.

O navio rumava para o porto natal, apos venderem sua mercadoria e comprar mais, eles estavam carregados e com o ouro restante da venda, e naquela noite ele se sentou nas cordas para olhar o mar e ali mesmo dormiu. Entretanto, quando faltava pouco mais de uma hora para o amanhecer ele acordou e viu ao longe algo que o empalideceu.

Correu para pegar a luneta e confirmou seu medo, havia tochas no navio de velas negras, no seu convés homens armados bebiam para se aquecer e ganhar coragem, o menino percebeu tudo, eles seriam atacados ao amanhecer e tinham que se preparar, então correu para acordar o resto da tripulação e o capitão.

Apos serem acordados e a ameaça detectada homens corriam para pegar armas ou pediam bebidas, coragem liquida, alguns rezavam e outros olhavam a espada petrificados, os únicos que pareciam quase serenos eram o capitão e o jovem ajudante, talvez não por coragem e sim por falta de experiência ele não temia luta ou batalha.

No amanhecer a luta ocorreu, anos depois e ate o dia de sua morte ele lembraria (com um frio na espinha embora não admitisse) do cheiro da batalha, ela cheirava a ferro, sangue, urina e suor, o cheiro da morte, por duas vezes os inimigos invadiram e duas vezes foram expulsos, os homens do navio mercante agora cansados e ofegantes olhavam uns para os outros, agora não eram mais companheiros de viagem, eram irmãos de armas, um laço mais forte que a irmandade de sangue.

O terceiro ataque ocorreu perto da quarta hora apos o amanhecer, o capitão pirata lutava com o líder mercante encontrando nele um oponente digno, mas mesmo o homem de grande valor estava prestes a sucumbir ao cansaço, coisa que teria cansaço, coisa que teria acontecido se o muito jovem ajudante não tivesse tomado para si a luta no momento que o chefe cairá no chão, deu0se uma grande luta que impressionou a todos os outros combatentes.

As espadas se cruzavam com tanta fúria que a cada encontro faíscas dançavam no ar, os aços se torturavam em golpes coreografados os dois homens respiravam profundamente, a espia começava a pesar em sua mão, a força do mais velho começava a subjugar a determinação do mais novo. Ele não agüentaria muito, e foi essa desesperança que ele usou como ultima arma, ele abriu a guarda o suficiente para que o inimigo o acertasse, uma tática arriscada, ao receber o corte engoliu a dor, aproveitou que oponente abrira a guarda para golpear o peito do oponente. Este abaixou gemendo de dor e antes que se recuperasse recebeu mais um golpe, mas desta vez na cabeça acabando com a luta.

Com a morte do capitão os mercenários entraram em pânico e pulando no próprio navio e partiram, o menino agora fora feito herói naquele dia, todos o colocaram em alta honraria, porem era necessário limpar e consertar o navio, livrando-o do cheiro da morte, jogaram os corpos no mar, limparam o sangue do convés e a tarde fora dedicada a orações pelos que haviam caído em combate.

Era noite alta, o mais novo homem do navio olhava para as mãos surpreso, era como se pudesse ver o sangue que as haviam coberto, sentado nas cordas ele envelheceu 20 anos em alguns minutos, ele passou a mão no rosto como se fosse achar uma barba que crescera sem dar avisos.

Um homem se sentou ao seu lado, o capitão, em suas mãos tinha pão com queijo e vinho, estendendo as mãos para o ajudante disse:

– Vamos, coma - vendo o receio do garoto riu e acrescentou - coma, é necessário comer para nos manter fortes e isto aqui é bem melhor que aquela bolacha que vocês comem.

Apos o novo homem comer os dois olharam com calma o mar, em algum lugar dele os seus antigos companheiros de viagem boiavam.

– Você foi de muito valor hoje meu jovem - disse estendendo a mão que foi apertada - fez muito alem de suas funções hoje.

– Minha obrigação é cuidar do navio - respondeu o herói com calma - e foi o que fiz, alem do mais se vocês perdessem eu morreria também.

– não é isso que estou dizendo rapaz - o capitão olhou fundo nos olhos do companheiro - você salvou minha vida.

– não foi nada senhor, o senhor faria o mesmo por mim - falou mesmo sabendo que se tivesse acontecido ele não teria se arriscado por um simples ajudante.

– eu venho te observando há algum tempo, vejo em você um grande homem - ele se levantou - quando chegarmos em casa eu te darei uma recompensa maior do que imaginas.

E sem virando para partir completou.

– você tem bons olhos garoto.

Sorrindo de volta ao presente o agora quase velho garoto se deleita ao relembrar da surpresa que teve ao descobrir que a recompensa era nada menos que a filha única do capitão, uma jovem de voz melodiosa e andar gracioso, o amor os atingiu como raio e pouco tempo depois se fez matrimonio, e agora ali estava ele em mais uma viagem muito longe de onde sua mente estava e naquela noite ele a viu na janela bordando olhando o horizonte, enquanto uma vela solitária esperava por ele, ele a viu naquela noite nos seus sonhos.

E mais dias e noites passaram em vão, meras pedras em seu caminho. Mais portos nunca foram pisados e mais prostituas não conheceram seu toque, pois o único corpo que ele queria tocar estava a um mar de distancia, e mais noites foram passadas em devotada vigília, porem nenhuma dessas noites conheceram suas lagrimas de saudade, pois eles as guardavam para serem convertidas em lagrimas de alegria quando ele voltasse.

Mas nem tudo na vida é previsível e em uma das suas noites de vigias o vento venho do mar com força apagando a pobre vela, então ela correu para acendê-la novamente como ele poderia ficar sem seu farol? Como se guiaria? E com me medo no coração colocou a vela acesa de novo na janela, para ele encontrá-la.

Ela não sabia que o vento que soprou sua vela também soprara nas velas do navio que trazia o futuro dono do bordado que fazia. E naquela noite para medo dos navegantes a chuva caiu, a fúria dos deuses fez o navio tremer.

E enquanto ela observava as nuvens de chuva com estranha apreensão seu marido, a uma distancia menor do que ela ousava imaginar lutava com as ondas enquanto repetia um pedaço de canção para espantar o medo.

Você consegue ouvir a canção do marinheiro?

Quando ele vem com a maré alta

É cantada onde o arco-íris começa

Como um conforto as lagrimas que ela chorou

E ela rezava olhando os céus pedindo para deus o trazer de volta e ele pedia para vela novamente, pedia para que o mesmo mar que os uniu não os separasse.

E na manha seguinte um navio aportou na primeira maré. Homens cansados e assustados descarregavam o navio e um deles, sem duvidas um dos mais novos da tripulação correu para casa, a casa onde uma vela esta apagada na janela e atrás dela uma mulher bordava o olhando maravilhada.

Então ele entrou pela porta assim como ela sonhara, então se abraçaram e em silencio se sentarão na cama, ela o entregou o pano bordado, mais um dos vários que ele tinha, como uma reverencia aos desafios passados para viver aquele momento antes dele partir para o mar e novamente começar tudo de novo.


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Notas finais do capítulo

Essa historia foi baseada na musica A Sailorman's Hymn da banda Kamelot e também no livro O ermitão da gloria do Jose de Alencar, a esses caras meu muito obrigado por me emprestar um pouco de sua inspiração e a você que leu obrigado pela atenção, Curtiu? deixe um comentário com o que mais gostou, não curtiu? deixe um comentário com o que poderia ser melhorado!



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