Os Filhos de Umbra escrita por Rarity


Capítulo 15
Capítulo Quinze: 1990 – 1612 dias antes


Notas iniciais do capítulo

Sdds da época que eu reclamava por ter um comentário. Eu não recebi nenhum. Será que ainda tem alguém lendo isso?

In here: Brace yourselves, VORINA COMES BACK ♥



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Capítulo Quinze: 1990 – 1612 dias antes

O homem começa a morrer na idade em que perde o entusiasmo.

Honoré de Balzac

23 de Junho de 1990

—Ansioso? –mamãe perguntou enquanto terminava de me ajudar a me arrumar.

—Eu? –pausei. –Não. Acho que não. Vai ser mamão com mel.

Minha mãe riu, usando alguns segundos para me admirar, um sorriso calmo no rosto e os olhos brilhando com orgulho. Eu sorri tranquilo para ela em retribuição.

—Eu vou ajudar o seu irmão. Consegue se ajeitar sozinho? –ela suspirou, ouvindo os chamados de Leo do banheiro.

—Vai lá. –a deixei.

Ela bagunçou meu cabelo antes de sair, e eu quase briguei que não queria que bagunçassem meu cabelo para não ter que arrumar de novo, mas fiquei quieto. Assim que mamãe saiu do quarto, eu me voltei ao espelho, terminando de fazer a barba com carvão. O chapéu de palha estava em cima da cama, esperando.

Camiseta xadrez branca com vermelho, calça jeans, cinto dourado, bota e barba (de mentira, mas o que conta é a imaginação!). Eu estava me sentindo tão adulto que já podem começar a me chamar de Senhor Pedro daqui pra frente. Sorri a mim mesmo pelo espelho, admirando. Arrumei o que minha mãe bagunçou do meu cabelo, amarrei o cadarço das botas e coloquei o chapéu. Papai estava na sala quando saí, engraxando seus sapatos, e eu fui em pulinhos até ele.

—Como estou? –rodei.  

—Olha só você! –papai exclamou. –Vem cá para eu ver de perto.

Fiquei entre as pernas de meu pai enquanto ele me avaliava.

—Foi você que fez essa barba, Pedro? –ele sorriu.

Confirmei, animado. Com a ajuda da mamãe, mas ei, ninguém precisa de muitos detalhes aqui!

—Nada mau. Está um pequeno grande homem! –ele elogiou. –Estou orgulhoso de você, Pedro. Está crescendo.

Abraçei meu pai com força, me sentando em seu colo. Orgulhar meu pais sempre foi um dos meus maiores objetivos na vida. Que criança não sonha em orgulhar os pais algum dia?

Deixá-los foi a parte mais dolorosa da morte.

Aquela noite seria minha segunda festa junina, mas a primeira em que eu faria parte da quadrilha. Com exceção de Pablo, Emily e Henrique; todos os meus amigos dançaram a quadrilha ano passado, e talvez isso tenha me dado uma motivação a mais para participar. Os ensaios até foram divertidos, e eu estava confiante de que não ia dar um mico muito grande. Minha parceira era a Belle, para variar, é claro, mas pelo menos ela tinha experiência, então era fácil dançar com ela. Ela era uma ótima dançarina, sabia os passos e não era chata. Eu estava no lucro. Pablo saiu com Mel, Leo com Dete. Henrique era de outra turma, eu não tinha certeza se ele ia participar, e Emily preferia aproveitar os doces e as gincanas. Analícia tinha caído com Eduardo, para a tristeza dela.

Leo reclamou enquanto era retirado do chuveiro, e minha mãe brigava com ele, algo sobre vamos nos atrasar. Eu me apoiei em papai e o olhei para ele cheio de preguiça.

—Será que eles vão demorar?

—Meu querido, sua mãe nem começou a se arrumar. A gente chega lá pela madrugada.

(***)

A festa da escola seria na Praça Principal, com autorização da prefeitura. Várias barraquinhas estavam ali, e no meio da praça tinha um espaço circular marcado com fita. Estava bem decorado. Várias bandeirinhas de papel seda estavam penduradas pelas árvores, uma carrocinha com flores, um fogueira de cartolina, vários chapéus espalhados e várias bexigas. Assim que eu me aproximei, porém, eu senti o cheiro da coisa mais importante da festa junina: a comida.

—Huuuummmm. –Pablo resmungou ao meu lado, também apreciando. 

Ele estava com uma camiseta xadrez azul e preta, calças pretas e botas longas, além do chapéu de palha. O triste de ser menino na festa junina é que todos estavam praticamente iguais, só mudava a cor da camiseta. Pablo decidiu não fazer barba, mas estava com um bigode muito engraçado.

Uma das tias da cantina passou por nós, uma saia quadriculada e uma blusa vermelha com azul. Ela estava com uma caixa de maçãs do amor que quase me fez segui-la.

—Alguém tá vendo o meu par? –perguntei para a minha família.

—A Belle está por aí. –Dete deu de ombros.

Dete estava com um vestido azul de balões, com um cinto vermelho na cintura, o corpete decorado com babados amarelos e mangas bufantes, além das sapatilhas vermelhas. O cabelo castanho dela estava em duas trancinhas laterais. Dete estava tão fofinha que eu senti vontade de apertá-la.

—É melhor a gente procurar as meninas. –Leo falou.

Leo estava com uma camiseta jeans, calças cinzas, botas marrons e um lenço vermelho amarrado no pescoço. Ele tinha ficado bravo comigo por ter ficado com o chapéu, e eu não entendia porquê, ele estava uma gracinha com o lenço amarrado no pescoço.

—Ele tem razão. –Pablo concordou.

Me despedi de meus pais e saí pela multidão de adultos, crianças e expectadores. Era uma festa, afinal, e não é como as pessoas de Sococó da Ema tivessem algo melhor pra fazer num sábado à noite. A comida era outro incentivo. Quanto mais gente, maior a arrecadação, então ninguém ligava muito pra isso.

—Ei, achei! –Pablo apontou três meninas perto do algodão doce, e nós corremos pra lá.

—Bu! –pulei na do meio, que eu sabia ser Belle.

Ela se virou, assustada, mas quando viu que era eu só revirou os olhos. Usei um tempo para observá-la. O cabelo curto de Belle foi pranchado e escovado para dentro, e ela tinha uma presilha de flor azul clara do lado direito do cabelo. O vestido de Belle tinha três babados na saia, e a estampa era um azul suave com rosas pequenas. A cintura era toda de flores grandes com pétalas rosas, sem mangas, com o corpete de amarrar na frente. A sapatilha era do mesmo rosa que as flores.

—Engraçadinho você, não? –ela ironizou.

—Você está bonita. –elogiei, a fazendo ficar vermelha, e eu não consegui evitar uma risada.

—Besta! –ela reclamou. –Mas você está bonitinho também.

—Bonitinho, é?

—A barba estragou. –ela comentou, mordendo o algodão doce e me passando.

Amiga que divide comida é tudo na vida.

—Eu acho que você está uma beleza, Pedro. –Mel me animou, a boca um pouco suja de algodão doce.

Mel estava toda trabalhada nas estampas, o vestido dela tinha três. Era cheio de babados, um rosa com flores, outro rosa escuro e um azul, com laços espalhados pela saia. O corpete também mantinha a ordem, mas sem os babados, as mangas eram longas, uma rosa com flores e a outra azul com flores, e ela estava com um colete também, um lado rosa e o outro azul. O cabelo foi amarrado em dois rabos de cavalo laterais e trançado em mechinhas a partir desses rabos, e ao contrário de Belle, Mel abraçou o espírito da festa e fez pintinhas nas bochechas.

—Você também, Mel. –retribuí sincero.

—Vocês demoraram demais. –Emily reclamou. –E dizem que meninas demoram a se arrumar.

Emily estava com um vestido quadriculado preto e branco, com renda vermelha no final, cheio de laços na saia. O cinto era vermelho com bolinhas, e o corpete mantinha a estampa com vários lacinhos coloridos. O cabelo dela já estava de volta nas trancinhas laterais, com pintinhas fofas nas bochechas.

—O Leo demora demais, isso sim.

—Ei!

—Então, quando a quadrilha vai começar? –Dete perguntou.

—A da turma de vocês? Daqui a pouco. –Mel informou.

—Vamos procurar o resto da turma, Leo. –Dete chamou, puxando Leo pela mão.

—Mas eu quero ficar-

Vem, Leonardo!

Observei Leo ser puxado pela multidão pela mais nova, uma carranca de contrariado no rosto, e ri. Eles eram muito fofos. Será que eu e Belle erámos assim?

—Olha, eu estou com fome e minha mãe me deu dinheiro. –Pablo começou. –O que tem de bom pra comer?

—Que comer o quê! –Belle exclamou. –Tem pescaria, acerte a boca do palhaço, argolas, acerte o rabo do burro e até joguinho pra derrubar latas! Eu quero brincar! E ganhar prêmios!

—Eu quero comer!

—Gente! Eu e a Emily vamos com você comprar as fichas, vocês dois podem ir jogar alguma coisa. –Mel acalmou os nervos. –E é capaz de vocês acharam o Henrique, do jeito que eu conheço a figura, deve estar jogando por aí.

—Vamos ficar de olho. –Belle garantiu com uma piscada, antes de me puxar pelas pessoas.

Pelo menos ela me deixou ficar com o algodão doce.

—Eu estava morrendo de vontade de jogar pescaria! –Belle anunciou animada, já na porta da barraquinha.

Belle entregou três das fichas vermelhas que estavam com ela para a tia da cantina que estava cuidando da barraquinha. Essa eu sabia o nome, era Zuleide, cabelos grisalhos amarrados numa touca, e estava com um vestido amarelo ovo, cheio de babados vermelhos e laços, além das botas.

—Oi, tia Zuleide. –cumprimentei, e ela apertou minha bochecha em resposta.

Eu a adorava, ela sempre colocava mais merenda pra mim quando eu pedia.

A pescaria, caso você não conheça, era uma bacia cheia de água com peixes de plástico coloridos, cada peixe tinha uma argolinha, e a intenção era que você “pescasse” os peixes com a vara de pescar que ela te dava, geralmente só um pau com linha e anzol. Eu não achava muito difícil, e com a coordenação motora de Belle, ela também não. Conseguiu cinco peixes nos três minutos permitidos.

—Escolhe um, Belle. –Zuleide apontou para cinco brinquedos que estavam pregados com prendedor na parte de cima da barraquinha.

Tinha um ursinho marrom, uma boneca, um panda, um coelhinho azul e um sapo verde. Belle fez uma cara de indecisa antes de escolher o pandinha.

—Aproveite a festa, gatinha. –Zuleide desejou enquanto saíamos.

—Até, Zuleide. –falamos juntos.

Belle abraçou seu pandinha ao peito, e me olhou curiosa.

—Você não vai jogar?

Hesitei. –Não sei se meu pai e minha mãe vão me dar dinheiro pra esse tipo de coisa.

Ela pareceu surpresa e triste.

—Mas é festa junina! É importante se divertir!

—Ah, eu não sei, Belle...

Belle pareceu extremamente chateada, franziu o cenho para o seu próprio ursinho e o levantou em minha direção.

—O que foi?

—É pra você.

—Belle, você não precisa-

—Eu insisto.

Peguei devagar o pandinha que Belle me entregava, e ela sorriu com o ato. Olhei do panda para Belle, de Belle para o panda, e sorri junto, a abraçando. Era cheia de defeitos, mas era a melhor amiga que eu podia querer. Apertei forte, quase a sufocando.

—Ok, entendi! Solta, solta!

—Oi, galera! –uma voz soou ao nosso lado, e Henrique apareceu, uns seis brinquedos diferentes nos braços.

Henrique usava uma blusa azul, um colete jeans, calça escura com retalhos e um tênis preto. Ele estava com barba e bigode feitos de carvão, e quando ele sorriu vi que um de seus dentes também estava pintado. O chapéu de palha tombava para o lado.

—Você ganhou isso tudo? –questionei.

—Legal, não é? –ele mostrou, orgulhoso. –Eu adoro festa junina!

Eu e Belle nos entreolhamos, irônicos.

—Nota-se.

Henrique sorriu novamente. –O que vocês jogaram até agora?

—Pescaria, Henrique. –Belle respondeu.

Agora eu entendia porque Henrique não entrava pra quadrilha, ele devia passar a noite jogando pra ganhar tantos brinquedos.

—Ah, vocês não viram nada! –ele continuou. –O de acertar o burro é o mais legal! Vocês precisam tentar!

—Eu não sei se-

—Vamos lá! –Belle me puxou para frente, e Henrique riu, nos mostrando o caminho.

Encontrei Laura no caminho, com um vestido laranja e preto cheio de babados, um chapéu de palha também e botas longas pretas. Ela me deu um aceno quando a vi, com Natália do lado, num vestido rosa e roxo.

A barraquinha de acerte o burro tinha um burro de E.V.A desenhado na parede. O burro era preto e estava em pé nas quatro patas, as orelhas levantadas e até sorrindo. A mulher que nos esperava era.....

—Tia Clarice! –abraçei a mulher assim que a vi.

Tia Clarice era uma professora do quinto ano, pele escura com cabelos crespos soltos, um vestido verde cheio de babados brilhantes. Ela era sempre um amor comigo.

—Oi, Pedro. –ela respondeu. –Veio brincar?

—Na verdade-

—Sim! A gente vai tentar! –Belle anunciou, aparecendo do meu lado e abraçando a tia, passando as fichas para Clarice.

Olhei para Belle curioso, a vendo pagar por mim. Estava tocado pelo ato, mas não queria que ela gastasse o dinheiro comigo. Eu não tinha certeza se minha mãe me deixaria ir em todos os brinquedos, e gastar o dinheiro com comida já era difícil, mas sabia que ela faria o possível se eu pedisse.

—Deixa de onda. –Henrique me cutucou, como que lendo meus pensamentos. –Ela está fazendo algo legal.

—Eu sei. –concordei. –Mas não precisa.

—Você recompensa ela depois.

—Vamos? –Belle chamou, me empurrando pra frente. –Você primeiro.

Clarice riu, me colocou uma venda e o que parecia o rabo do burro; um monte de tecido com uma tachinha na ponta; por onde eu segurei. Ela me girou, e ao ser solto dei passos hesitantes pra frente, confiando em minha memória. Tateei a parede, sem saber onde colocar o rabo, tentei não ir muito pra baixo nem muito pra cima, e preguei o rabo no que achei certo.

Tirei a venda, e percebi que acertei a barriga do burro.

—Droga.

—O que vale é tentar! –Clarice me assegurou, tirando o rabo do burro e chamando Belle.

Voltei para perto de Henrique, observando Belle tatear a parede em busca do lugar certo. Eu torci por ela, já que eu já tinha perdido, mas ela acabou colocando o rabo no joelho da perna do burro. A animação dela na hora de tirar a venda e a decepção ao ver que não tinha ganhado fez tudo valer a pena, e eu caí na risada. Ela me deu língua em retaliação.

—Achei vocês! –Mel apareceu do nada, brotou do meu lado. –Olha, quero jogar.

—A Mel comprou maçãs do amor pra todo mundo! –Pablo anunciou, passando maçãs carameladas para mim, Belle e Henrique.

—Ela é um amor. –Belle respondeu.

Mel colocou a venda, tentando encontrar o local certo, mas marcou na barriga, como eu. Ela tirou a venda sem muitas expectativas e pareceu feliz com o resultado.

—É um começo, não é? –ela olhou para Clarice, que confirmou.

—O que mais tem pra fazer aqui? –olhei para Emily, que me mostrou várias fichas na mão.

—Vai ter uma corrida em sacos agora. Topa? –ela olhou de volta pra mim.

Sorri.

—Por que não?

(***)

Eu não tinha a mínima vergonha de confessar que perdi a quadrilha de Leo enquanto brincava. Se me lembro bem, ele também perdeu a quadrilha ano passado –provavelmente por estar comigo, mas isso já era esperado. Eu joguei argolas e ganhei um caminhão de plástico como recompensa, perdi a corrida de sacos para um garoto do quarto ano e acertei a boca do palhaço três vezes, ganhando um mero ioiô de recompensa. Quando tudo isso acabou eu estava exausto, e ainda assim o pessoal se reuniu para uma partida de futebol.

— ‘Bora entrar, Pedro! –chamou Emanuel com uma bola branca em mãos.

—Topam? –olhei para meus amigos.

—Eu topo. –Pablo concordou imediatamente.

—Ah, eu sou horrível no futebol. Sou conhecido aqui como perna-de-pau. –Henrique riu.

Antes que eu pudesse perguntas às meninas, uma mão me deu um tapa nas costas e eu quase pulei um metro para escapar da ardência. Quando olhei o responsável, Leo me encarava chateado.

—Você perdeu minha quadrilha pra brincar? –ele fez uma carranca e um bico, claramente bravo.

—Bem... Sim. –pausei. –Me perdoa?

Leo me deu outro tapa, e eu tentei conter a risada.

—Leo, relaxa, vão ter outras quadrilhas! –me defendi.

Ele cruzou os braços, ainda irritado, e para amansar a fera, lhe entreguei o carrinho e o ioiô –mantendo o panda de Belle comigo. Sorri charmoso pra ele, lhe fazendo cosquinhas, e quando Leo finalmente riu eu soube que estava perdoado, pelo menos temporariamente.

—Tá, tá! Agora é melhor ir, ou vai perder a sua quadrilha também! –Leo avisou, se desviando das minhas mãos. –E a Belle vai te matar se você perder.

Bastou meio minuto para eu processar a informação e confirmar que ela era verdadeira. Para evitar acidentes, mortes e velórios, eu pedi que Leo segurasse o pandinha pra mim e me voltei à minha parceira, que ouvia a conversa com um sorriso superior. Ofereci meu braço para Belle, como um cavalheiro, e ela riu antes de aceitar.

—Madame. –falei pra ela.

—Cavalheiro. –ela respondeu.

Nós sorrimos bobos enquanto saímos, nossos amigos nos acompanhando confusos. De um jeito egoísta, eu gostava de manter Belle comigo, até hoje. Ela me fazia bem, me fazia sorrir, por mais idiota que eu já tenha sido com ela. Honestamente, eu não a mereço.

Achei Amanda no meio da bagunça, num vestido verde e azul cheio de bolinhas, um laço grande na cintura e um chapéu preto, não de palha. Ela parecia preocupada, procurando nossa turma.

—Pedro! Até que enfim! A quadrilha já vai começar! –ela exclamou, apontando para uma fila de pessoas da minha série, os casais já arrumados.

Eu e meus amigos nos juntamos à fila, e a surpresa foi toda minha quando a menina da frente se virou e era Analícia por baixo do chapéu. A saia do vestido era de babados brancos, um cinto dourado e o corpete tinha estampa floral roxa e preta, mangas longas, com uma meia calça branca, tênis escuros e um chapéu de palha bem arrumadinho com um laço de cetim. Ela sorriu imensamente ao me ver.

—Oi, Analícia! –cumprimentei. –Não te vi até agora. Onde esteve?

—Oi, Pedro. –ela sussurrou de volta. –Eu cheguei mais tarde mesmo. Acabei me atrasando.

—Aconteceu alguma coisa? –perguntei, preocupado.

—Nada muito importante. –ela garantiu.

—Bem, você perdeu muita coisa. –comecei. –Eu joguei um monte de coisa, muito divertido. Teve até corrida em sacos.

—Parece legal. –foi a resposta dela acompanhado de um sorriso educado.

Belle se manteve quieta durante a conversa, apesar do braço dela ainda estar enroscado ao meu. Ela fez menção de se soltar quando Analícia encarou nossos braços, mas eu apertei, para mostrar que não me importava com o que Analícia pensasse. A loira logo ignorou o ato e se virou novamente pra frente. Não fez diferença, já que Amanda voltou logo depois.

—Todo mundo pronto pra começar nossa quadrilha?! –ela se direcionou à nós, e ganhou um animado “SIM!” de resposta. –E vai todo mundo dançar bonito?! –outro “SIM!” bem alto. –Então “vambora”!

Amanda foi pra frente da fila, já que eu e meus amigos estávamos quase no final da fila, mas ainda dava pra ouvi-la. A quadrilha foi anunciada e os pais se juntaram ao público, minha mãe acenou pra mim do meio da multidão.

A música começou.

—Vamos começar essa quadrilha! –Amanda chamou, e a fila andou pra frente, paro meio do círculo.

Tive que me soltar de Belle, já que a fila de meninos e meninas começou a se separar, mas nos mantivemos perto.

—Todo mundo de frente pro seu par, dançando bem bonito! –Amanda exclamou, batendo palmas lá na frente. –Atenção cavalheiros! Cumprimentem as damas!

Fui pra frente de Belle, que balançava a saia parecendo achar graça da situação, e me abaixei quase que em um joelho pra ela, retirando o chapéu.

—Returnê, de volta aos seus lugares! –voltei ao meu antigo lugar. –Damas, cumprimentem os cavalheiros!

Foi a vez de Belle vir e se abaixar, voltando ao seu lugar logo depois.

—Olha o grande passeio! Cumprimentem o público!

As filas se aproximaram de novo e eu voltei a segurar a mão de Belle, andando pra frente e dando uma volta em círculo para acenar para as pessoas, que olhavam como se fôssemos a coisa mais fofa do mundo. Bem, eu, particularmente, estava uma graça. Percorremos o círculo, e quando voltamos pra posição inicial, Amanda anunciou o “Balancê”, e dançamos em nossos lugares, as filas se afastando de novo.

—Preparar para o travesê!

Levantei a palma para o alto, como um toque aqui, e Belle colocou a dela, ambos dançando ao ritmo da música, aquele bater dos pés.

—Travesê!

E a partir da junção das mãos, giramos e trocamos de lugar, agora eu encarava o público.

—Retravesê!

E trocamos de novo, ficando tudo igual à antes.

—Tour, olha o tour!

Segurei a cintura de Belle com uma mão e a mão dela com a outra, e ela segurava meu ombro e minha mão, enquanto girávamos num movimento muito engraçado que sempre me fazia rir. Pelo canto do olho, vi Pablo e Mel dançando também. Pisei distraído no pé de pele, que fez uma carranca de dor. Sussurrei um “desculpe”, e ela respondeu com “dolorido”. Voltamos à posição inicial.

—Muito bonito, agora continua o grande passeio! –os pares fizeram o círculo novamente, as meninas balançando a saia de um lado pro outro. –Caminho da roça!

Fizemos uma única fila, Belle vindo para trás de mim, e continuamos. Minha dança era basicamente bater os pés no chão.

—Olha a chuva! –fizemos um triângulo com as mãos e nos cobrimos assim. –É mentira!

Quase ri com a bobeira do ato. Como alguém anuncia a chuva sem estar chovendo? Não tem como confundir isso!

—Olha a cobra! –as meninas gritaram e os meninos iam pra frente, fingindo matar uma cobrar no centro do círculo. –Já mataram!

E continua o grande passeio.

Comparar a apresentação com os ensaios mentalmente foi inevitável. Era bem mais engraçado, nos reuníamos na quadra e sempre tinha alguém pra fazer graça e atrapalhar a fila. Era um milagre eu ter aprendido a coreografia –obrigado Belle. Agora, porém, até os mais engraçados como Diego e Eduardo estavam envergonhados demais pra tentar algo na frente de tanta gente.

—Olha o formigueiro! –e batemos os pés no chão com força, para matar as formigas.

Pobrezinhas. Na vida real, você muda o caminho. Que assassinato.

—A ponte quebrou! –e mudamos a direção da fila, voltando o caminho.

Sério, se você vai a algum lugar e encontra cobra, chuva, formigueiro e ponte quebrada, é um sinal de que é melhor voltar pra casa.

—Já consertou a ponte! –e a fila voltou a andar na direção certa.

Que tipo de ponte é consertada em segundos? Não estava quebrada?

—Olha a foto!

Me virei para Belle, fazendo uma câmera com os dedos, e ela, de brincadeira, fez uma careta para a câmera, ao contrário das meninas que sorriam educadas. Ri com o ato, e ela fez outras poses engraçadas comigo mexendo o dedo fingindo um clique. Eu queria ter tido uma câmera de verdade naquela situação, as fotos seriam valiosas demais.

—Continua o grande passeio! Voa gavião!

Voa gavião era tipo um codinome para ir para a frente e trocar de parceira. Fiquei de lado com Analícia, e Pablo ficou com Belle atrás de mim. O triste desse passo é que ficávamos apenas alguns segundos antes de Amanda falar “voa gavião” de novo, até termos dançando com todas as meninas.

—Ê quadrilha bonita!

Depois de ter dado uma bela volta, me encontrar novamente com Belle foi um alívio só por parar de correr de menina em menina. Ela percebeu meu alívio.

—Balacê!

E paramos, dançando na mesma posição, as meninas na nossa frente.

—Olha a grande roda! –e demos as mãos. –Caracol!

Nos enrolamos em nós mesmo, andando em círculos dentro do círculo. Era bem divertido, pelo menos na minha opinião. Vi várias pessoas em flashes, um sorriso no rosto de cada um.

—Desvirar!

Veio o grande passeio novamente, e depois o balancê, onde paramos em frente às meninas.

—Preparar para o grande túnel!

Ambas as mãos pra cima, que encontravam as de Belle e formavam algo como um teto de túnel. Como estávamos no final da fila, depois de Mel e Pablo entrarem, foi nossa vez. E era uma sensação bem diferente passar no meio dos outros pares, quase como que fugir de algo pelo jeito que nos abaixávamos. No final, formávamos outro círculo.

—Agora sim, todo mundo se balançando! Balancê! Preparar para a despedida!

Voltei a segurar a mão de Belle enquanto dávamos outra volta, acenando em despedida para nossos pais e mães. Levantei o chapéu para acenar para meus pais, e outros meninos fizeram o mesmo.

—Foi tudo muito lindo e até o ano que vem!

(***)

No final da quadrilha, eu já estava exausto, mas fiquei para um milho cozinho que Emily foi gentil de distribuir. Nos afastamos da muvuca e encontramos um banco perto da praça, em paz para comer. Vi meus pais dançando felizes no meio da bagunça, e sorri com a memória, decidindo deixá-los se divertir antes de chamar para irmos.

Sem falar que poder sentar com meus amigos para saborear um bom milho cozido era prazeroso o bastante para merecer minha presença.

—Foi divertido. –Mel falou. –Já quero outra ano que vem.

—Cansativo demais, como vocês aguentam isso? –Pablo reclamou.

—Ah, é tão fofinho. –Dete argumentou.

—É só uma dança. –Leo afirmou, direto e seco.

—Grosso! –foi a resposta de Dete, que voltou a comer o milho apesar de chateada.

—Eu também não gosto muito não. –Henrique concordou devagar, com medo de enfurecer Dete, pelos olhares cuidadosos que ele dava pra ela.

—Ah, mas você dança tão bem... –Belle falou, como que em consolação pra Henrique.

—É perda de tempo. –Emily e Henrique responderam juntos, trocando um toca-aqui.

Belle fez um bico com isso, mas suspirou e deixou o assunto antes de uma possível discussão. A observei comer por um instante, usando uma mão e a outra massageando os pés sem perceber. A boca acabou suja com pedaços de milho, e eu sorri com a imagem.

Mel estava do meu outro lado, os cabelos arrepiando na raiz, as pintinhas borradas pelo suor. Ela comia com vontade, parecendo faminta, usando as duas mãos. Percebi que Mel não se preocupava mais em manter os modos quando estava conosco, e fiquei intensamente feliz, sabendo que queria dizer que ela confiava em nós e não se sentia sendo avaliada.

Pablo comia devagar, observando a movimentação de pessoas. Ele me percebeu olhando, e deu um sorriso sem mostrar os dentes ao notar, voltando à sua postura relaxada.

Dete e Leo, cansados, quase caíam enquanto comiam, os olhos procurando fechar. Leo estava claramente suado, o lenço ao redor do pescoço estava molhado, assim como os cabelos. Ao passar a mão nos meus, vi que estavam molhados também. Droga.

Henrique comia o milho com uma mão, os dedos da outra tocavam uma música qualquer no banco, nossos ouvidos se acostumando ao batuque. Rick realmente não conseguia ficar parado, nem se quisesse. O chapéu de palha que ele usava no começo já estava perdido em algum lugar.

Emily já tinha terminado seu milho e tinha puxado os joelhos pro peito, observando as pessoas com o queixo apoiado nas pernas. Eu só via seu perfil, mas ela parecia relaxada e calma, o que só provava o quanto ela estava exausta.

A música da festa que continuava preenchia meus ouvidos, as risadas e gritos dos pais, crianças e visitantes. As luzes da praça contrastavam com as estrelas e enchiam meus olhos. Sorri sem perceber e me aconcheguei no banco.

Viver era muito bom.

Era.


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Notas finais do capítulo

Que fique claro que eu acho uma palhaça esse papo de 'menino mata a cobra', mas a quadrilha foi toda baseada na da minha irmã, soooo.....
Muita coisa que estava programada pra aparecer foram alteradas. Eu já fiz todo o planejamento da fic, e serão 30 capítulos -talvez o último seja dividido em dois, mas é pouco provável, porque eu odiaria terminar a fic em 31 capítulos. Argh. TOC. Mas pra o meu 30º capítulo dar certo, eu preciso que vocês entendam a relação Belle e Pedro, que nem eles mesmo entendem.
#ProjetoTerminarAFicEm2017 continua
Deixa seu review aqui pra mostrar que a fic ainda tem leitores (eu acho?), e pra me motivar a continuar a história.
Ah. O último capítulo foi agendado, mas eu agradeço à Viúva -sua linda, OswinOswald1 -seu comentário me deixou sorrindo por um longo tempo, e à Baloney Speaker, que me lembrou que a história existia e tinha gente lendo ela ainda.



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