Ethereal escrita por Ninsa Stringfield


Capítulo 6
Quinto




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— Dá pra você ficar parada?

— O que você acha que eu estou tentando fazer?

— Ficar quieta que não é. Se você não parar de se mexer eu vou quebrar pelo menos mais uma dúzia de costelas, aí eu quero ver você saindo para sabotar a máfica chinesa.

— Em minha defesa não estou indo sabotá-los, vai ser só um aviso amigável.

— Com certeza. Vai ser muito amigável assistir você arrancar a cabeça deles com sua foice só para mandar um recado.

— Ai! - reclamou Diane quando Quinn apertou a faixa ao redor de sua barriga com força.

— Oh, me desculpe. Te machuquei, querida?

Diane lançou um olhar mortal, mas Quinn apenas sorriu e se virou para arrumar os equipamentos que espalhara. Elas estavam na enfermaria tentando dar um jeito na dor que insistia em consumir a força restante no corpo de Diane. Quinn pareceu surpresa quando viu o ferimento de perto, não sabendo exatamente como a garota suportara tanto tempo sem fazer uma careta de dor sequer; já era uma surpresa o fato de ela conseguir andar com os próprios pés sem a ajuda de ninguém.

— Teimosa - dissera Quinn assim que elas chegaram na enfermaria e empurrou o corpo de Diane para uma das macas - É isso que você é. Teimosa. Qualquer dia desses isso vai acabar te matando.

— Sabe - começou Diane abaixando sua camiseta que agora cobria seu abdômen enfaixado - Você age como se tivéssemos alguma outra opção.

— Não acho que temos outra opção - se defendeu ela sem se virar - Mas não vejo que bem trará massacrar uma máfia inteira.

— Não vamos massacrá-la. Eu já disse, não podemos arriscar um ataque.

— Então o que você pretende fazer? - perguntou ela finalmente se virando. Ela parecia com raiva, mas havia a sombra de alguma outra coisa em seus olhos, alguma outra sensação que Diane não compreendia.

— Vou contar o plano pro grupo todo, reúna seus soldados que eu reúno os meus. E peça pra Sebastian chamar a tropa dele da última missão. Vamos precisar deles.

— Você está reunindo os melhores assassinos dessa instituição e não está planejando um massacre?

Mas Diane foi poupada de dar uma resposta quando Sebastian entrou na sala com um grande sorriso no rosto e carregando várias espadas no cinto. Era essa sua especialidade: lâminas. Qualquer tipo delas. É verdade que ele se sentia muito mais confortável com espadas no estilo persa da coisa, mas Sebastian parecia ser o único naquele buraco com o talento especial de manusear com equivalente capacidade qualquer tipo de instrumento que fosse considerado uma arma - letal ou não.

Um garoto mais baixo e levemente menos musculoso que seu companheiro veio logo atrás. Seu rosto parecia uma rocha que fora há muito corroída pelo tempo, cortado ao meio por uma longa cicatriz que passava a poucos centímetros de seu nariz mas que não deixava de afetar o canto de seus lábios. Ela se lembrava de quando ele ganhara aquela cicatriz, estivera bem ao lado dele quando aconteceu. Tinha sido uma de suas primeiras missões, e ela sempre soube que não estava preparada, mas mesmo assim se recusou a ficar para trás; e agora Evans pagaria para sempre o preço daquela decisão. Diane engoliu em seco com a lembrança, mas o garoto já havia se acostumado com a marca, por isso sorria para elas enquanto entrava com uma sacola abraçada junto ao peito.

— Meu esquadrão acabou de voltar - anunciou Sebastian - E trouxeram novos brinquedos para gente - ele, surpreendentemente, não parava de sorrir. O que não era muito comum apesar de sempre deixar seu rosto radiante de uma forma que parecia perfeita demais até para um deles - Acho que você vai gostar especialmente de um desses, Quinn.

A garota fez um resmungo com a garganta. Ela cruzava os braços para mostrar sua indiferença.

— Se não for ervas medicinais milagrosas da Tasmânia não estou interessada.

— Tem certeza? - perguntou ele com uma sobrancelha erguida - Por que eu jurava que esse conjunto seria a sua cara.

Sebastian retirou um par de adagas detalhadamente encrustadas por pedras preciosas e banhadas em ouro da parte de trás de seu cinto, e Quinn deu um gritinho. Ela pulou para o par de facas, as arrancando das mãos dele, seus olhos grandes arregalados e brilhando de emoção.

Pelos deuses - falou ela em um sussurro - Me diga que essas não são adagas Janbiya tradicionais do Império Persa.

Diane observou o conjunto de facas. Mesmo ambas tendo a lâmina curvada na ponta, que era a características principal daquele tipo de adaga, uma era bem diferente da outra. Enquanto uma possuía um cabo num tom de mármore claramente feita de ossos humanos, a outra era incrustada por pequenas pedras de rubi e safira, a lâmina parecendo que fora bordada em ouro, e o cabo - também feito de ossos humanos - com uma ponta na forma de uma cabeça de cavalo, os olhos outro par de rubis.

Quinn observou com mais atenção a de cabeça de cavalo.

— Acho que essa foi usada para algum tipo de cerimônia, parece com uma Janbiya original mas acho que foi modificada para propósitos religiosos.

Quinn foi para um canto estudar suas armas com mais cuidado murmurando consigo mesma palavras que nenhum deles conseguia compreender.

— Parabéns, agora que ela nunca mais vai largar aquilo - Diane reclamou com um tom reprovador na voz.

— Evans também tem um presente pra você.

— Tem, é? - ela perguntou agitada. Não que ela fosse ingrata nem nada, mas se sentia confortável demais com sua foice para querer qualquer outra arma.

— Na verdade - começou Evans - Essa fui eu mesmo que fiz - o garoto sorria com alegria enquanto remexia no saco em seus braços - Lembra, eu te falei que estava trabalhando em uma surpresa especial pra você?

Ele retirou duas pequenas foices da sacola, presas uma a outra por uma corrente de ferro. Diane viu seus braços se descruzarem contra sua vontade, surpresa demais para demonstrar outra reação. Ela avançou em direção a arma. Sentiu o peso dela contra seus dedos, o modo como era perfeitamente feita para ser manuseada com agilidade; seus olhos arregalados se ergueram para Evan. Ele sorria.

— E isso não é tudo - ele retirou as foices da mão dela e juntou as duas, em um cabo só, então pegou uma das lâminas e também empurrou em direção ao cabo, esta sumindo no processo. Diane piscou.

Olhando para ela assim, a arma quase se comparava a própria foice da garota, com pequenas diferenças quase imperceptíveis.

— Ambas as lâminas podem ser guardadas, caso você precise. E... - ele empurrou a lâmina restante para junto do cabo, e então pressionou as duas extremidades, o cabo se encurtando até não parecer nada mais do que um simples bastão de ferro - É móvel.

Diane estava realmente surpresa com o objeto, mas não deixou a emoção transparecer em seu rosto enquanto pegava a arma novamente e se virava de costas para os garotos.

— Obrigada - ela presumiu que falava com sinceridade. Esperava que sim, enquanto guardava sua nova munição no bolso - Mas acho que esse estilo de arma não será efetivo nessa missão, vamos precisar de poder de fogo.

— Pensei que não houveria derramamento de sangue - comentou Sebastian, com cuidado.

— Não vai - garantiu Diane, ainda de costas para eles - Mas não podemos ir desarmados.

— Qual é o plano afinal?

— Reúna nossos esquadrões na sala de planejamento, em breve todos saberão.

E então saiu de perto deles enquanto começavam a trocar opiniões. Não estava interessada no que pensavam, já tinha se decidido, nada a faria mudar de ideia. Foi até o canto da enfermaria, passando por Quinn, que continuava a murmurar para si mesma, e entrou no banheiro, trancando a porta atrás de si.

Todas as cabines estavam vazias, e isso a tranquilizou enquanto se apoiava na pia do banheiro. Sentiu toda a dor que segurara a manhã inteira pesar enquanto sucumbia. Ela ergueu sua camiseta novamente e tocou em um dos hematomas no abdômen com a ponta dos dedos. Ela conseguia sentir a dor diminuindo aos poucos, mas isso não fazia com que ela fosse mais suportável. Uma onda de vertigem cruzou sua cabeça e suas pernas falharam, fazendo com que ela usasse toda a força restante em seus braços para se manter de pé. No processo, sua cabeça foi jogada involuntariamente para trás, e ela foi obrigada a encarar o próprio reflexo no espelho.

Se não tivesse certeza da existência do espelho na sua frente, nunca poderia dizer que aquela imagem que a encarava era ela mesma.

Não eram os hematomas, nem o corte novo de cabelo que a delatavam, mas aquele olhar penetrante, que antigamente não existia. Era muito difícil encarar aquele reflexo, encarar a consequência de uma única escolha errada, uma única decisão que a fizera cometer os mais terríveis dos crimes. Escolha essa que a faria sequestrar oito guardas apenas para provar que nunca estava errada.

***

— Posso saber por que exatamente nós tivemos que ser os primeiros a chegar? - perguntou Cléo enquanto lixava suas unhas.

— Porque eu sou a líder do esquadrão de vocês, e vocês têm que me obedecer - respondeu Diane.

— Ok - a garota deu de ombros - Pode acreditar nisso se te faz dormir melhor a noite.

— Cléo - chamou Irene em aviso.

Diane assentiu agradecendo, então respirou fundo antes de continuar:

— Como vocês bem sabem, hoje a noite iremos invadir uma das mansões mais bem vigiadas desse mundo - ela encarou o grupo, que permaneceu em silêncio enquanto sua líder discursava - E isso, obviamente, não será o problema. Mas a questão é que eu os chamei aqui para discutir o que vai acontecer depois...

Eles ouviram tudo o que ela tinha que dizer, a boca fechada e os olhos arregalados enquanto digeriam tudo e encaravam uns aos outros para terem certezas de que ouviram realmente o que ela acabara de dizer.

Cléo, como sempre, foi a primeira a explodir em gargalhada.

— Essa é a parte do dia que você dia Feliz Primeiro de Abril e manda cada um de nós para seu devido posto de onde claramente não deveríamos ter saído?

— Espera um minuto - interrompeu Irene antes que Diane pudesse responder a altura - Diane, você tem noção do que acabou de dizer? - ela enrugava a testa com veemência - Eu nunca pensei que diria isso, mas concordo com Cléo.

— Ha! Muito obrigada pela consideração, meu amor...

— Eu sei que você tem todos os méritos necessários para ter o direito de fazer o que bem entender por aqui, mas isso? — ela deu uma risada curta - Acho que nem você tem a permissão de fazer.

— Desculpe, Diane, mas isso é verdade - a voz de Nolan saía baixa enquanto ele encolhia os ombros -  Cora te estrangularia se soubesse disso. Nem mesmo Sebastian concordaria com um plano desse.

Michael, parado ao fundo calado como sempre, concordou com a cabeça enquanto batia os pés e mantinha as mãos na cintura.

— E é exatamente por isso que nenhum deles vai saber de nada - ela deu um passo a frente e apontou o dedo para eles - Vocês me ouviram, é de vital importância que isso fique apenas entre a gente, ou tudo vai para água abaixo.

Todos os integrantes da sala se entreolharam novamente. Ainda estavam usando as mesmas roupas amassadas e manchadas de sangue da simulação, por isso pareciam muito cansados e derrotados.

— O que exatamente você planeja que façamos, Diane? - pergunta Irene. A única corajosa o suficiente para falar.

— Vou precisar de oito guardas, vivos ou mortos, vocês decidem. Só me tragam os corpos até o ponto de encontro que será estabelecido, entenderam?

Outro onda de entreolhadas. Pareciam questionar sua sanidade, como se não soubesse se ela estava falando sério.

— Pensei que não haveria derramamento de sangue - pronunciou Nolan, quase tão inaudível quanto antes. Ele era o mais novo da equipe, e certamente o único ainda com dúvidas. Eram as mesmas palavras de Sebastian, percebeu ela.

— Temos que garantir a nossa segurança e essa é a única saída.

Cléo se desencostou da mesa onde se apoiava e guardou sua lixa no mesmo cinto que carregava sua katana ainda manchada com o sangue de Diane. Sua expressão agora estava séria.

— Isso trará consequências, Diane. Cedo ou tarde eles virão por vingança.

— Sei disso - concordou ela - Não é uma medida permanente, mas preventiva. E, como eu disse, nossa única saída - ela cruzou os braços - Seja quais forem as consequências, arcarei com todas sem envolvê-los - eles deram indícios de que iriam protestar, mas Diane ergueu uma mão e eles se calaram novamente - Chega. Encontrem Sebastian e Quinn na Sala de Planejamento, estarei logo atrás de vocês.

Cléo ergueu os braços para o alto enquanto mexia a cabeça negativamente e saía da sala primeiro. Irene encarou Diane por mais alguns segundos antes de soltar o ar e seguir sua namorada. Nolan, olhando para os próprios pés, foi logo em seguida. Michael, depois de segurar por alguns segundos no ombro dela e dar um sorriso torto em solidariedade, acompanhou o resto.

Diane esperou a porta se fechar para massagear o novo machucado enquanto encarava um ponto longe demais; os olhos inertes enquanto pressionava a ferida com força e pontos negros surgiam em sua visão. 

Somente quando sua cabeça estava a ponto de explodir com a dor foi que ela soltou a própria pele e seguiu o grupo porta afora, tentando ajeitar os cabelos enquanto se concentrava em manter a postura reta e inabalável.


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