Quero ouvir eu te amo escrita por Nara May


Capítulo 1
Essa sou eu


Notas iniciais do capítulo

Repetindo: eu escrevi essa história bem novinha e não fiz grandes alterações - apenas corrigi alguns errinhos ortográficos. Se acharam mais problemas do tipo, me avisem.Espero que apreciem a leitura. É uma história simples e meio doidinha que surgiu da cabeça de uma pré-adolescente cheia de tédio.



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Eu preciso ouvir. Três palavras doces, que mudariam o meu dia. Não seria a mesma. Como papai disse a mamãe, antes de me fabricarem. Como vovô disse a vovó, na sacada de uma janela no verão, quando namoravam escondidos.

A minha busca é insana, desesperadora. Sou a suposta rainha da desilusão, que internamente está afogada no seu antônimo: a ilusão. Trinta e dois anos de vida, uma procura desagradável e cheia de quedas. Apenas para ouvir três — só três — lindas palavras: eu te amo.

Em Duque de Caxias — onde moro — não encontrei ninguém que pudesse me fornecer essas três palavrinhas mágicas. Talvez seja culpa da minha aparência. Mulata, olhos amarronzados, cabelos extremamente cacheados que são considerados crespos. Alta, aparentemente magra e... carente. Não sei explicar corretamente se estou no padrão de beleza da sociedade, mas ainda posso escutar assovios maliciosos quando saio na rua. Bem, não é exatamente o que eu quero ouvir de um homem. Pelo menos faz com que eu me sinta desejada.

Simplesmente não gosto do lugar onde moro. É estranho. Ainda não posso comprovar. Acho que as pessoas é que são estranhas. Exemplo? Semana passada enquanto atravessava uma rua do bairro Jardim 25 de Agosto — calmamente, por sinal — um homem passou correndo na minha frente numa rua interditada por causa de uma obra feita pela prefeitura. Olhei para os lados, a fim de observar se a rua foi aberta no exato momento em que tomei essa decisão. Não. Estava do mesmo jeito anterior. Então, eu pensei: “ele deve estar atrasado para alguma coisa”. Erro meu. Pois quando ele alcançou a calçada do outro lado da rua, parou. Repito, ele parou de correr e seguiu andando normalmente. Conclusão? Aquilo não era um homem, era um doido.

Fora às vezes em que vejo pessoas usando cachecol em pleno calor ou meninas usando roupas inteiramente pretas no dia. Funeral? Não, um estilo. Posso dizer que estou desprovida de qualquer preconceito humano. O problema é que era dia e segundo os conceitos da moda isso é ruim. Muito ruim. Não que eu fosse uma pessoa viciada em modernidade. Jamais.

Enfim, já estou acostumada com a vida. Com o desamor da vida, sendo mais específica. O fato de que sempre fui deserdada pelo amor carnal provoca uma angústia interminável em mim mesma.

— Filha, por que está estressada? — perguntou minha mãe. É claro que eu não confessaria esse meu distúrbio pessoal nem para um psicólogo. Eles me dão medo. São intimidadores formados. Ah, mesmo assim eu precisava aproveitar da bondade particular da minha mãezinha.

— Sei lá. Desgosto, aflição. Uma lista sem fim — confessei pela metade.

O surpreendente foi a ideia da minha mamãe. Um antídoto que beirava a minha cura. Minha ansiada cura.

— Por que não escreve tudo o que sente num rascunho? Num caderno... ou até melhor, num diário. Isso! Um diário!

E no minuto seguinte eu estava com as chaves de casa na mão procurando uma papelaria ou um armazém aberto no domingo. Eu repito, no domingo. Encontrei fácil, afinal eu moro em Duque de Caxias. Lugar de grande comércio e pessoas estranhas...

Pouco tempo depois, parei em frente a um caderno de capa branca e folhas acinzentadas, devido ao meu ato de bondade ecológica. O meu querido — citando ironicamente — diário era reciclável. Sem cadeado, sem zíper ou afins. Mamãe não faz o tipo “mulher curiosa”. Ela só entra no assunto quando pedimos. Papai está no céu, tenho certeza. Morreu salvando a vida de pessoas num incêndio na Zona Norte. Ele era bombeiro.

A dor de perdê-lo? Como posso descrever... É absurda. Diferente de mim, mãezinha aceitou bem o fato de que ele perdeu a vida para salvar pessoas. Nenhum ferido. Nenhum morto. Com exceção de um amabilíssimo pai. Patético e cruel.

Em um momento de recaída espiritual eu peguei um tipo de revolta. Se não acredito mais em Deus? Nunca faria isso. Isso não é ser Vívian. Felizmente — na minha humilde opinião — sou protestante. Não do tipo que frequenta uma igrejinha numa avenida movimentada e que promove escândalos que tiram o sossego alheio. Também estou livre da máfia “ajude os pobres e sustente a minha mansão no centro do Rio de Janeiro”. Ou seja, roubo e obrigação de renda para com os fiéis. Minha igreja é tão boa que não ouso citar seu nome.

Na primeira linha do diário, pulei as apresentações e o dia em que nasci. Meu diário era puro o suficiente para escapar do modo como fui feita. E vai ser privado de qualquer dor. Por isto não falo como meu chorinho ao nascer foi escandaloso e normal. Resolvi escrever sobre o meu primeiro relacionamento. O relacionamento que não teve as palavrinhas mágicas. Porém, teve muita amizade envolvida.

Ano de 1982. Eu estava no Jardim III. Naquela época ninguém dava importância à beleza exterior. Odiava acordar cedo, mas era necessário. Meus cabelos num coque mal feito. Os olhos semicerrados devido ao sono. Uma única professora para nos ensinar muitas coisas. Um único melhor amigo. Na opinião dele eu não passava de uma amiga. Eu rio toda vez que me lembro do dia em que Michael disse que havia apenas amizade no nosso relacionamento. Amizade colorida.

No dia 13 de março — um dia de aula comum — eu já estava apaixonada. É o que minha mente infantil achava naqueles tempos. Bastou um primeiro olhar para Michael, o moreninho com lindas covinhas e cabelo raspado. Fiquei inerte quando olhei naqueles olhos marrons, bem mais expressivos que os meus.

— Ei Vivi! Tá me ouvindo, querida? — a professora chamou a minha atenção.

Erro meu. Eu, que nunca deixei de prestar atenção nas aulas de Português. Poxa, mas ele era tão lindinho...

— Hã? Tô escutando sim, tia!

Na hora os meus coleguinhas de turma riram de mim. Óbvio que eu fiquei magoada com a situação. Também percebi que Michael deslocou seus olhos concentrados em um desenho na minha direção. E não riu.

— Ok, diga qual é a sexta letra do alfabeto? — perguntou de novo a professora.

Fácil. Eu já tinha decorado o alfabeto inteiro. Suspirei e mandei um meio sorriso para Michael. Ele sorriu de volta.

— F. A letra f, tia — murmurei vitoriosa.

O fato de que mamãe sentava toda tarde para estudar comigo — já que até hoje é dona de casa — fazia com que eu fosse umas das melhores alunas de todas as quatro escolas em que estudei.

— Muito bem, Vívian — parabenizou-me.

Os próximos meses foram só alegria. Eu e Michael começamos uma amizade. Passeávamos pelo pátio de mãos dadas, brincávamos juntos e até houve um beijinho estalado na bochecha. Roubado. Mas real. O mais divertido era a nossa inocência. Coisa de criança que espera príncipe encantado. Coisa de criança que acredita em papai Noel. Coisa de criança que acredita em coelhinho da Páscoa.

Quase no fim do ano, resolvi me declarar para ele. Declaração mal sucedida, lógico.

— Michael, quero falar com tu — iniciei. Mãos trêmulas, pernas bambas e todos esses sintomas idiotas...

— Fala, Vivi.

Ele não tinha a menor noção de como meu apelido saia bem nos seus lábios. Dava taquicardia, juro.

Mexi nos meus cabelos, nervosa. Até pedi para São Longuinho me ajudar, apesar de não ser católica. Ele tratou de manter seu olhar no meu. Aquilo não era justo.

Tu ama eu? — questionei. A resposta de Michael foi abominável, decepcionante. Preferia mil vezes que ele respondesse que não me amava do que soltar essa bomba.

— Pô, Vivi. Nós somos amigos. Amiga num se ama, se adora.

Como cantava Maysa Matarazzo: “meu mundo caiu”. As flores murcharam, os passarinhos pararam de cantar e eu chorei. Chorei por três longos dias. Nas férias eu já tinha esquecido meu suposto amigo.

Dizem que o primeiro amor é o mais inocente que temos. Quem disse isso não mentiu. Pena que o indivíduo esqueceu-se de completar a frase. Deixe-me fazer uma adaptação: “O primeiro amor é o mais puro amor. Depois que acaba, você se acaba”. Minha versão com toda a certeza ficou melhor que a do indivíduo. Mãezinha diz que a vida é bela e nós que estraga ela. Concordo plenamente. Apesar da frase não ter concordância.

É incrível a rapidez que o tempo passa. As feridas ficam. Todo ser humano tem danificação emocional nas veias. Eu faço parto dessa associação sofredora. Não me arrependo de fazer aquela declaração ridícula. O problema não estava comigo e sim com Michael. Talvez a família do coitadinho cortasse a parte do amor na vida dele. Ou talvez aquela não fosse a hora certa. E não era mesmo. A primeira decepção é aceita melhor do que as secundárias. É impossível namorar alguém durante toda a infância, crescer, casar, ter filhos e serem felizes para sempre. Essa é a teoria que eu criei com o passar dos anos. Com tanto tempo de vida e aprendizado que eu iria ter pela frente, os três dias de choro bastaram para mim.

Foi impossível disfarçar meu sofrimento infantil naqueles dias.

— O que aconteceu querida? — perguntou mamãe. Estava parada na escada, chorando baixinho para ninguém escutar. Mas mãe é mãe. É da natureza maternal acalentar seus filhos nessas circunstâncias.

— Ah, mamã. Eu gosto de um nininho tão bonitinho... Hoje perguntei pra ele se ele me amava. Sabe o que ele disse?

— O que ele disse filha? — mamãe fez papel de ingênua.

Ela sabia que eu tinha levado um belo fora. Abaixou-se em minha direção com os cachos escuros caindo sobre o rosto. Acarinhou meus cabelos emaranhados e sorriu tristemente. A minha dor foi a sua dor. E é assim até hoje.

— Falou que não ama eu. Falou que somos amigos. — Funguei. Provavelmente, se ela não fosse dona de casa teria uma sincronizada habilidade para ser psicóloga. E não trabalharia igual um intimidador formado. Seria amigável, como só ela é.

— Ele é bobo. Você é uma menina linda — deu uma injeção de entusiasmo. – Agora, vem almoçar, já é uma da tarde.

Melhor conselheira não existe. Eu ainda não possuía um nível de inteligência grande o bastante pra compreender o amor e receber um conselho de nível maior. Porém, aquelas palavras bastaram para eu colocar um sorriso tímido em minha face e continuar a viver.

Tive outros relacionamentos depois desse. Em todos eles o significado de compromisso e amor significou mais pra mim do que para os meus companheiros. Sabe o amor carnal? Acho que ninguém nunca sentiu isso por mim. Confesso que menti inventando que fui criada para a desilusão. Creio que não nasci neste mundo difícil para desistir de encontrar o grande amor. Queria ter a sorte da mamãe e do papai. Queria ter a sorte do vovô e da vovó. Só Deus deve compreender o que é estar... sozinha. O que é se sentir abandonada, como uma sacola de lixo dependurada num cesto plástico.

Lágrimas? Lágrimas secas, talvez. Não tenho tempo o suficiente para chorar. Não dou esse luxo a minha pessoa. Tudo coisa de menina sonhadora, mareada de sonhos quase impossíveis. A rejeição passa despercebida por mim. E continuo buscando, ansiando e sonhando com o tal amor verdadeiro. Será que vou conhecê-lo no trabalho? Será que vou precisar andar pelo Brasil ou pelo mundo? Não sei. Mas estou entupida de uma doce esperança que chega a me fazer sorrir. Às vezes.

Formei-me em Ciências da Computação há uns dois anos. Eu sei, é um pouco tarde para chegar a uma profissão central. Aposto que estão imaginando que o motivo é mais um relacionamento desastroso. Pois acertaram. O relacionamento que tive durante o último ano escolar deixou-me... Quebrada. Sim, quebrada no sentido de magoada, aflita, confusa, degenerada e sofredora. Uma onda de melancolia conseguiu me atingir durante esses anos. Até que ergui meu queixo miúdo e segui com outros relacionamentos e com uma profissão. Também tem outros motivos.

Não queria que mamãe e eu sobrevivêssemos apenas com a pensão de papai e encomendas festivas. Hoje estamos bem melhor economicamente. A minha primeira atitude foi juntarmos dinheiro para dar entrada numa casa bonita. Não queríamos ficar afogada nas lembranças. Cada pedaço da nossa antiga casa tem um pouco de suor dele. E quando as lembranças veem a tona, choramos. O que não é digno de justiça.

Mamãe sempre diz para mim que papai é a única pessoa que ela amou. E que vai amar. Ela não quer se envolver em outros relacionamentos. É lindo o jeito que mãezinha se expressa para me contar isto.

— Seu pai foi e sempre será meu único amante. Morreu fazendo o bem ao próximo. Algo divino.

Eu abria um sorriso enorme toda vez que ela me contava aquilo. Eles se amavam profundamente. E se amam mesmo estando separados de corpo, mas não de alma. Eu rezo todos os dias para obter o mesmo. Tinha tempos em que dobrava, triplicava minhas horas de orações só para clamar a Deus um amor. Desisti, mesmo que não tivesse perdido a fé e orado menos.

É divertido dar aulas de Informática para pré-adolescentes em fase de ebulição, transtornos e complexos infinitos. Penso sim em avançar para algo maior como trabalhar numa empresa, criar um lugar para que eu possa fazer meus consertos. Estou com três computadores no meu quarto agora. Vírus, vírus e mais vírus. Eu gosto de fazer esses “favores”. E meus vizinhos não se esquecem da parte do pagamento. Isso me deixa feliz e realizada. De qualquer forma, o lugar onde trabalho agora é um bom curso, de mensalidade um tanto salgada. O que dá pra ter um bom salário no fim do mês.

Minhas mãos já se encontram anestesiadas de tanto escrever. Porém, ainda tenho detalhes a anotar. Um hobby.

O shopping tornou-se minha salvação particular. Não é o vício em roupas. Casualmente, quando penso no abandono me dirijo ao shopping mais perto de casa. Duque de Caxias não é a cidade onde posso encontrar shoppings enormes. Por outro lado existe uma diversidade boa. Adoro o Shopping Unigranrio, nem sei por quê. É que tem umas poucas lojinhas legais lá. Inauguraram há pouco tempo o Caxias Shopping — que me informaram ter uma grande praça de alimentação — e ainda não tive a oportunidade de passear por lá. O shopping é um local feito para as mulheres e como sou uma amarro-me.

Certamente, não tenho uma personalidade exclusiva. Sou igual a muitas mulheres. E também podia ser igual nos relacionamentos, não é? Hmm, faz bem para a autoestima enterrar um pouco essa minha obsessão amorosa. Poxa, eu só quero ouvir “eu te amo”.

Concluindo minha primeira “relação” com Michael, posso confirmar que foi a mais inocente de todas. A única que envolveu amizade antes de... Amor. Imagine duas criancinhas inocentes que andavam de mãos dadas. Um menininho com covinhas tão despropositais sorrindo pra mim enquanto empurrava-me suavemente num balanço. Naquele tempo, a mágoa e a tristeza desapareciam rápido. Mas não agora. Agora eu sinto culpa. Acho que se eu não tivesse pedido aquilo, hoje poderíamos ser amigos. Ou talvez com o tempo o sentimento — que eu não sei o nome — crescesse e poderíamos estar juntos. Tá, é ilusão demais. E de qualquer forma eu nunca mais o vi, pois mamãe me trocou de escola.

— Bons tempos... — Sussurrei.

E realmente foi uma boa época.


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Notas finais do capítulo

N/A: Gostaram? Adoraria um review. :)
A protagonista não tem nada a ver comigo, o que é interessante.



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