O vento fustigava meu rosto. Meu corpo estava tremendo com o esforço e eu ia pouco a pouco perdendo altitude. A mochila que eu carregava fazia meus braços ficarem totalmente dormentes, sem contar que parecia que a qualquer momento uma tempestade iria começar.

As lágrimas em meu rosto já haviam secado, mas era só lembrar as últimas frases que a qualquer momento tudo poderia começar novamente.

"Você é uma praga na minha vida Julieta. Eu te criei para ser perfeita. Pra ser útil. Você não passa de uma inútil para minha família. Somente minha, porque você não faz mais parte dela."

As últimas palavras de meu pai se repetiam em minha mente e tudo que eu sei é que no momento seguinte eu estava subindo correndo as escadas e colocando tudo que eu havia conquistado nos meus 18 anos naquele sítio: meu celular simples, algumas roupas, o dinheiro que eu consegui pegar da carteira da minha ex-madrasta, o porta retrato de minha foto com minha mãe e uma pulseira de asas que ela me deu.

Não pensei em nada ao sair do sítio sem rumo e com pouco dinheiro. Tudo que eu conseguia pensar era em sair daquela droga de lugar, me afastar daquela droga de gente que não era mais nada para mim.

Estava sobrevoando um campo. Mas a minha altitude estava caindo drasticamente. Isso seria um problema, claro. À noite nem a roupa preta que eu usava esconderia meus cabelos ruivos (presente da minha mãe) e as asas brancas (não tão presente assim do meu ex-pai).

"Quando eu pude amar a desgraçada da sua mãe? Ela acabou com minha vida. Me mudei da cidade por ela, porque ela gostava da natureza. Acabei me ferrando Julieta. Você é a cópia exata dela sabia? "

Decidi naquela hora que com os olhos embaçados, era perigoso demais ficar voando assim. Foi quando eu avistei um casebre de madeira em frente uma estrada e optei por pousar e ficar na casa até amanhecer. Estava forçando minhas asas ao máximo.

" Você seria famosa Julieta. Trabalhei toda a minha vida pra fazer essa droga de fórmula para te dar asas. Dá pra acreditar? E na oportunidade que você tinha pra ficar famosa, - nos fazer famosos - você me fez de idiota. Agora você me pergunta o porquê de eu não gostar de você? Estúpida. "

Pousei na estrada para observar o casebre. Tarde do jeito que estava não parecia que passaria um carro por ali tão cedo. Ao observar o ambiente descobri que era apenas um barraco de ferramentas, mas que serviria para mim até amanhecer.

Eu havia apenas começado a atravessar a estrada quando eu vi um carro com as lanternas apagadas vindo extremamente rápido em minha direção. Eu vi que o motorista não conseguiria freiar. Vi que ele me acertaria em cheio e só tive tempo de recolher as asas antes de sentir a pancada.

Já no chão, vi um par de tênis correr em minha direção. E senti uma sensação refrescante no rosto. Finalmente havia começado a chover.

"Suma da nossa vida. Não te considero mais minha filha."