Um cenário verdadeiramente gelado, mas nem assim, perdia a sua beleza delicada. Diversificadas flores de gelo distribuídas pelo relvado, decoravam a paisagem simplória.

O casal nem notara os pequenos flocos a pairarem sob eles, ou a beleza do cenário em que se encontravam. O calor de seus corpos juntos, assim como o movimento de seus peitos, devido à respiração calma e profunda, provocara-lhes uma distração aprazível.

Karin mantivera os olhos fechados, enquanto seus braços abraçavam fortemente o abdómen do capitão albino. Desde o falecimento de sua mãe, tornara-se fechada em demonstrar quaisquer atitudes afetuosas. De certa forma, ela também era fria como o albino. Pelo menos, aparentemente.  Seria o frio sentimental uma doença contagiosa?

Uma brisa cortante fez com que se arrepiasse, quebrando o calor reconfortante que sentia do corpo enroscado no seu. A temperatura estava a diminuir, e com ela, aumentava um péssimo pressentimento. Sua mente a alertava que não estavam sós. Apesar de ter optado por ignorar esse aviso.

A Kurosaki ergueu o rosto, percebendo de imediato sua situação constrangedora. Sua face a pouquíssimos centímetros de Toushirou, que também a encarava com as bochechas ligeiramente róseas.  

De supetão, ela apoia as mãos no peito do shinigami, tomando impulso para se levantar rapidamente. Porém, o seu indicador ficara preso na breve abertura do kimono negrume, abrindo por completo a veste. Tendo, consequentemente, a visão pecaminosa do tórax perfeitamente delineado. Seu rosto colorira-se do mais intenso escarlate.

Tropeçara nos joelhos de Hitsugaya, desabando de novo no relvado húmido, ficando com os pés colados aos dele. Perante sua incapacidade ao erguer-se, Karin evitava com todas as suas forças observar diretamente o albino. Tentava desculpar-se, no entanto só gaguejava, saindo somente sons impercetíveis.

— Karin, você está bem?

Em circunstâncias normais, fulminá-lo-ia por uma pergunta tão idiota, que parecia mais troçar de si do que esperar propriamente por uma resposta. Mas, ao deparar-se com o shinigami já ereto, com uma mão estendida em sua direção, percebeu que ele estava deveras preocupado. Sem nenhum toque de malícia.

Escondendo seu rubor percetível, não perdera a oportunidade de observar minuciosamente o corpo descoberto. Só com o cachecol verde cobrindo uma parte do peito desnudo.

Ele podia ao menos ter-se vestido… parece que está fazendo de propósito! Ele gosta de me ver nesse jeito, por acaso? Maldito!

Ao segurar a mão de Karin, por esta estar tão suada resultado dos excessivos nervos, quando ele a puxara, ela escorregara voltando a bater com as nádegas na terra molhada. Escutou um ligeiro resmungo da morena, prendendo o riso em sua garganta. Toushirou colocou suas mãos nos ombros da humana, utilizando sua força naquele local para a ajudar a recompor-se.

Karin sentiu alguma dificuldade em manter-se naquela posição. Suas pernas estavam trémulas, e discretamente cambaleavam um pouco. O capitão do décimo bantai não parecera notar essa característica. Ele assim que a socorrera desviara seu olhar para o alto, desfrutando da visão de um céu alaranjado. A morena sorriu discretamente ao detetar um singelo rubor em seu rosto.

Sentiu um desejo tremendo de bagunçar seus cabelos alvos rebeldes. Sempre usava sua baixa estatura como uma desculpa, mesmo ele sendo agora mais alto que ela. Na verdade, ela gostava da sensação. Sua pele se arrepiava com o contacto das madeixas suaves.

Gelo queimava, contudo era suave. Hitsugaya e seu elemento eram uma relação de paradoxos.

Com a mente perdida no branco da neve do capitão, assustou-se quando enxergara o mais denso escurso cobrir todos os seus sentidos. Ela não só deixara de enxergar Toushirou como não escutava a brisa suave a refrescar, nem sequer sentia o chão que pisava. A garganta dela encontrava-se seca, mesmo que conseguisse gritar pelo seu nome, duvidava que o albino a conseguisse escutar. Seu corpo pequeno parecia situar-se num buraco negro, em outra dimensão paralela.

O shinigami não estranhou de todo o súbito silêncio da Kurosaki persistente, porém a falta de reação da mesma o alertara. Discretamente, a encarou sob o ombro. Notou seus olhos opacos, e os lábios ligeiramente entreabertos.

— Capitão, não deveria ter brincado com a minha presa.

Aquela voz não era de Karin. Monótona e vazia. Parecia não ter vida sequer.

Assistira as pálpebras se fechando gradualmente, desmaiando. Instintivamente a ia segurar para evitar a inevitável queda. No entanto, a mesma brisa que perturbara a Kurosaki, atacara Hitsugaya cortando superficialmente seus braços. Não era o suficiente para o machucar, mas o que era preciso para este se afastar alguns passos.

Com o intuito de se proteger, colocara os braços em frente dos olhos. Resguardando seu rosto. Assim que os ventos se acalmaram, ele se recompôs notando o desaparecimento súbito da morena. Seu corpo esfriou drasticamente, à medida que as flores de gelo que cobriam o cenário iam descongelando, retomando ao formato aguado. Nuvens cinzentas e pesadas cobriram o pôr-do-sol elegante.

Mais aterrador que não a enxergar, era não sentir sua reiatsu.

— Karin! Onde você está? Responda!

Ao seu lado e mesmo assim não a conseguira proteger. Uma tempestade violenta se avistava…

xXx

Algo viscoso circulava seus pulsos. Mesmo sem saber do que se tratava já ficara enjoada.

Sentira falta de algo de imediato. Ou melhor, de alguém.

Perante esse vazio, abriu cautelosamente as pálpebras. Apesar da visão nublada, percebeu instintivamente que não conhecia aquele lugar. Tremeu ligeiramente, tinha a certeza que naquele instante cheirava a medo, apesar de não o transparecer em sua feição determinada.

— Onde estou?

— Oh! Acordou Karin-chan! Como se sente?

As íris negras finalmente conseguiram enxergar totalmente o individuo posicionado em seus joelhos. Não precisava de encarar seu sorriso largo, para constatar de quem se tratava.

— Que droga! O que você pensa que está fazendo Hakai?

Apanhando o rapaz desprevenido, o agarrou pela gola da camisa que usava. A adrenalina dominara e controlava o corpo da morena, a tal ponto que ela não reparara nas pequenas serpentes que rodeavam seus pulsos. Por sua vez, o jovem pouco conhecido ergueu as mãos no alto, num gesto de rendição, sorrindo. Um riso que não agradou em nada a Kurosaki.

— Explique-se, maldito! Por que me trata como se fossemos amigos? Quem é você, afinal?

— Karin-chan… Você não sabe? Eu sou seu dono, e você minha zanpakutou.

A humana odiava mistérios em sua vida. Irritava-lhe os absurdos romances, ou as comédias exageradas. E principalmente, detestava não compreender algo… Que estava diante de si.

Quem era Hakai?

Pior… O que ele queria consigo?