— É falta de educação aparecer sem ser convidado, senhor capitão.

— Tire a Karin daquele mundo. -O olhar austero de Toushirou foi um festejo para o pecador, que riu de lado, apoiando o queixo na mão, sentindo a lâmina acompanhar o percurso do pescoço perante seus movimentos.

— Percebo. Tem medo que a sua namorada pense que gosta de outra?

Hakai alargou o sorriso, revelando seus dentes pontiagudos. Porém, sua diversão modificou-se ao tremer de frio. Notou o gelo subindo pelas paredes, enquanto pequenos flocos pousavam na pouca mobília que decorava sua habitação. Ao mover a boca para falar, entendeu também que tinha os cantos da boca congelados.

— Oh, vejo que não está brincando. Quer assim tanto uma garota humana?

P.O.V Toushirou On

Este jogo de manipulação não me estava agradando. Certamente, ele escondia algo e usava esse mistério como trunfo.

Não sabia como salvar Karin, e mesmo descobrindo poderia não ser capaz de fazê-lo… Não duvidava que ele criaria uma estratégia para apenas ele poder retirar Karin e a arrancar de um universo paralelo que o próprio criou.

— Parece preocupado, capitão.

Mesmo gelando parcialmente seu rosto, seu sorriso ainda me irritava. Matá-lo era uma boa maneira de me acalmar. Mas isso poderia condená-la… estalei a língua no céu na boca, evitando usar palavreado que manchava minha reputação de membro do Gotei 13.

— A família Kurosaki só sabe arranjar sarilhos…

— Como posso trazer a Karin de volta?

— Não espera que o diga, pois não?

A ponta de Hyourinmaru perfurou seu ombro, escutei-o gemer pela dor e surpreso com meus gestos, encontrando a falha na sua tranquilidade que tanto procurei.

— Maldito, quer que ela morra!?

— Acredito que se pudesse salvar Karin já o teria dito, isso me obrigaria a mantê-lo vivo.

— Senhor capitão, você é ingénuo ou tolo? Se eu não a pudesse trazer de volta, deixaria minha presa escapar. Isso seria estúpido e…- Por descuido, ri seco, interrompendo o pecador. Fechei os olhos, concentrando minha reaitsu, mantendo-a minimamente estável.

— Percebeu errado. Sei que há um jeito de a trazer de volta, mas pode ser feito por qualquer um. Por isso não pode dizer como salvarei Karin, dizê-lo seria perder a vantagem e já não teria motivos para deixá-lo viver.

Orgulhoso, notei seus olhos arregalarem-se pela surpresa e seguidamente o ranger de seus dentes, irritado.

— Azar seu pecador, por me ter subestimado. Enquanto eu estiver aqui, não terá hipóteses de fazer mal à Karin.

— Tão seguro está de descobrir como trazê-la? E se estiver errado?

Encarei-o por um segundo, ele estava certo. Ainda assim não abalou minha confiança.

— Não errarei, essa hipótese não existe.

— Pensamento um tanto arrogante…

— Talvez, se bem que não me interessa a sua opinião.

P.O.V Toushirou Off

Ironia contra sarcasmo. Em um movimento rápido, Hitsugaya empurrou a zanpakutou pronta a atingir o pecador. Hakai, prevendo o início da luta, segurou com a palma a lâmina. O ferimento aberto na sua mão manchou Hyourinmaru com o denso sangue. Indiferente à dor, ele pulou para o outro canto da divisão, sorrindo jocoso.

— Senhor capitão, você será minha nova presa.

— Não esteja tão certo disso.

Nitidamente, o albino não se deixava influenciar pelas provocações de Hakai, algo que irritava o adversário. Odiava não estar no controlo, de não conseguir entrar na mente de suas presas, ver o desespero em seu olhar... estava certo que ele teria um ponto débil, só que este era camuflado por uma armadura de gelo.

O pecador roubou a kantana que perfurava o peito de um hollow morto, defendendo-se de um ataque directo e previsível do shinigami. Buscou no olhar esmeralda indícios de receio, mas sua indiferença mantivera-se.

 Hakai distraiu-se ao observar outra imagem do lago de enxofre, e como louco sádico que era, sorriu para o nada. O único instante que enxergara uma mudança, uma perturbação no espírito do shinigami foi perante o sofrimento de Karin.

Numa estratégia ilusionista, evocando palavras que Toushirou não conseguiu decifrar, Hakai foi circulado por pequenas nuvens densas, que demonstravam o universo que Hakai criou e que Karin vivenciava. Mais propriamente à vida de Toushirou com a sua amiga de infância.

Por uns segundos, o capitão do décimo bantai perdeu o foco no combate encarando imagens suas, casado com Hinamori. Seu estômago embrulhou-se provocando um mau estar. Era visível a façanha em seu rosto, mesmo num mundo em que Karin não existisse, ele não seria verdadeiramente feliz com Momo. Ele percebera isso antes mesmo de reencontrar a humana que o forçava a participar em jogos de futebol.

Sim, apesar da culpa que corroía o seu peito por isso, ele esqueceu Karin. Ainda assim, ele não era feliz, mesmo que ela não estivesse presente em sua mente ou lembranças, ele notava sua ausência. Seria sempre assim.

— Desgraçado, pagará caro por tentar manipular meus sentimentos!

xXx

— Karin-chan, tem a certeza que este é o caminho certo?

— Sim, estamos quase chegando. Minha casa é ali…

Karin parou abrutadamente, no meio da calçada. Se não fossem os reflexos rápidos de espada, Nelliel teria ido contra o corpo da jovem. Esta notou o olhar ónix perdido, e acompanhou o alcance de sua visão. Distinguindo imediatamente vários rostos felizes, nomeadamente do conhecido Ichigo Kurosaki. Percebeu que havia uma outra mulher com feições suaves, enquanto um homem moreno parecido com Karin sorria em sua direcção; e outro elemento mais pequeno, perto da estrutura física da humana que salvara em Hueco Mundo, porém com traços semelhantes aos da mulher mais velha.

A ex espada compadeceu-se pela garota ao seu lado, era nítida a felicidade em seus rostos. Mas não deveria ser assim. Agiam como uma família completa, no entanto faltava um dos membros. Era como se Karin, na verdade, não fizesse falta.

— Algo está errado. – Nelliel ergueu a sobrancelha claramente confusa com essa declaração. Karin, virou seu rosto para ela, e esta pode contemplar a expressão determinada e inflexível numa simples criança humana. A espada sorriu discreta por poder ter conhecido alguém assim.

— Esta não é a minha família.

A morena desviou seu olhar de novo para o agregado familiar e tristemente constatou em seus pensamentos, cerrando os punhos.

P.O.V Karin On

Quando a oka-san era viva, todos nós andávamos em sua volta. Corríamos em direcção a ela, seu sorriso iluminava nossa família.

Mas este bastardo do Hakai não pode compreender isso… Com certeza isto é obra dele, ninguém mais ousaria criar uma imagem em que oka estivesse de mãos dadas com o velho, deixando nós os três mais afastados deles, sorrindo. Ela era o sol, o nosso lar era em torno dela.

Aquela não era a imagem da nossa família.

P.O.V Karin Off

O maior erro do pecador foi ter subestimado um Kurosaki. Era impossível prever todas as acções de Karin.