De repente, férias escrita por H R Martins


Capítulo 2
Intimação de Férias - Parte 2


Notas iniciais do capítulo

"Eu tenho que traçar um destino
Encontrar onde eu pertenço
Desta vez, eu não tenho nenhuma hesitação
E eu estarei me movendo (para onde eu pertenço)"

— Destination, (Nickel Creek)



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2

Rafael queria esganar Renato até ver seus olhos castanhos se esbugalharem. Essa era a reação que seu irritante irmão mais velho normalmente provocava nele, mas naquele momento havia outros dois motivos:

O primeiro era que depois que inventou aquela viagem para aquele lugarzinho medíocre, Renato não parava de falar sobre isso um só dia durante toda a maldita semana. E o segundo motivo e o que realmente o irritara muito, a ponto de ter vontade de dar um soco na cara feliz de seu irmão, era que o grande idiota o acordou de manhã. Se havia uma coisa que Rafael Moreira realmente detestava era ser acordado pela manhã e principalmente daquele jeito.

Ele estava esparramado em sua cama dormindo tranquilamente em sono profundo. Aquele era um dos únicos momentos em que ele conseguia ter um pouco de paz. Um sono sem sonhos e sem interrupções, isso era tudo o que ele sempre pedia antes de dormir.

Infelizmente naquele dia seu pedido não foi respondido. A porta de seu quarto foi aberta num rompante e seus dois irmãos, Renato, o irritante, e Raul, o cúmplice, entraram no quarto abrindo as cortinas e escancarando as janelas.

– Acorda Rafa! – exclamou Renato terminando de abrir as janelas. O sol da manhã penetrou pelo quarto iluminando todo o ambiente. – Vamos lá Rafael, é hoje o grande dia!

Rafael murmurou um "sai daqui Renato" e tampou o rosto com o travesseiro. Por um momento ele teve esperanças de que seu irmão se mancasse e desse o fora dali. Mas é claro que não. Renato puxou suas cobertas e o travesseiro de seu rosto.

– Vamos Rafa, o avião sai daqui a duas horas! – disse ele, eufórico demais para tentar falar em voz baixa. – Vamos!

– Pelo amor de tudo que é mais sagrado, Renato – grunhiu Rafael se levantando de má vontade. – Saia já do meu quarto! AGORA!

Seu irmão permaneceu de pé ao seu lado, analisando a situação. Olhou para seu cabelo bagunçado que devia estar parecendo um monte de feno e para sua carranca mal-humorada.

– Tudo bem, tudo bem – disse ele por fim. – Mas não se esqueça de fazer as malas e se arrumar depressa, o avião...

Antes que ele continuasse a falar, Rafael pegou o travesseiro no chão e atirou na cabeça dele acertando em cheio. Ele se sentiu um pouco satisfeito, mas não o bastante.

– Ei, isso não foi muito gentil...

– SAIA DO MEU QUARTO!

Dessa vez seu irmão teve o bom senso de não discutir, saiu do quarto sem dizer mais nada, acompanhado por Raul que ria em voz baixa.

Rafael começou a resmungar um monte de palavrões, irritado. Praguejou contra aquela viagem e seu irmão. Ele foi para o banheiro se arrumar e escovar os dentes, pensando em várias formas de estrangular Renato.

Ele desceu para a cozinha onde a mesa estava posta e seus irmãos terminavam de tomar o café da manhã. Raul estava comendo sanduíches com suco de laranja e Renato dava goladas num copo de café com leite.

Rafael entrou na cozinha massageando as têmporas. Ótimo, agora ele estava com dor de cabeça e tudo por culpa de Renato. Esse era um dos motivos dele detestar ser acordado cedo, principalmente depois de ter ido dormir tarde.

Ele suspirou e começou a preparar seu café da manhã. Partiu o pedaço de um bolo de fubá e serviu-se de suco de laranja. A cozinha estava com o cheiro de café quente no ar e ele franziu o nariz com desgosto, detestava café. Depois de comer o bolo, que como sempre estava delicioso – Ana era uma cozinheira de mão cheia –, ele empurrou o prato para o lado e apoiou a cabeça na mesa.

– Nós temos que sair algumas horas mais cedo para não perder o ônibus – tagarelou Renato. – Pois teremos que pegar um ônibus de viagem até Viladouro, já que lá não tem aeroporto...

– Excelente, um lugar onde não há aeroporto – resmungou Rafael. – Vamos para o fim do mundo. Excelente, Renato.

Ele fuzilou Renato com os olhos, só para deixar mais claro seu descontentamento. Raul terminou de tomar seu café da manhã e se retirou dizendo que iria pegar suas malas. Renato continuou tagarelando sobre a viagem mesmo sabendo que Rafael não estava ouvindo. Ele só parou de falar quando a campainha tocou.

– Devem ser a Amanda e a Camila – disse ele correndo para atender a porta. Um minuto depois ele voltou acompanhado de Amanda e Camila.

É claro que as duas iriam naquela viagem. Aquelas duas estavam sempre por perto, principalmente agora que Camila Freire e Raul estavam namorando. Amanda Gonçalves Freire era filha de um dos melhores amigos de seu pai e Camila era sua prima, consequentemente elas se tornaram próximas da família Moreira – eram como uma espécie de primas de segundo grau, com exceção de Camila que agora era namoradinha de seu irmão.

– E aí meninas, estão animadas? – perguntou Renato sorrindo para elas.

– Aham, claro – Amanda se virou para Rafael abrindo um enorme sorriso ao vê-lo. – Oi, Rafa.

Naquele momento ele decidiu ignorá-la da mesma forma que estava ignorando Renato. Talvez assim ele pudesse fingir que nada daquilo estava acontecendo. Não, ele não teria de viajar para lugar nenhum. Seu pai não cortaria sua mesada. Amanda Gonçalves não estava ali. Renato não encheria mais seu saco.

Raul surgiu na cozinha. Seu irmão mais novo abriu um enorme sorriso ao ver Camila e foi direto até ela lhe dar o habitual selinho rápido nos lábios.

– Nossas malas já estão no carro – anunciou ele.

Renato sorriu com a notícia.

– Excelente!

Amanda continuou sentada de frente para Rafael, olhando bem para ele com aqueles enormes olhos castanhos, que Rafael sempre achou grandes demais, arregalados demais e castanhos demais, e às vezes até um pouco assustador demais.

– O que você tem Rafa?

– Ele está aborrecido como sempre – respondeu Renato.

Rafael trincou os dentes, sentindo mais uma vez vontade de esganá-lo, mas não disse nada. Permaneceu de cabeça baixa massageando as têmporas.

– E o Renato o acordou do jeito mais sutil possível – comentou Raul. Se ele fosse um país seria a Suíça, pois seu irmão era sempre neutro quando o assunto envolvia Rafael e Renato. O jeito tranquilo e simpático de Raul sempre impediu que Rafael o tratasse mal como tratava a maioria das pessoas, ele era uma das poucas pessoas que Rafael não desgostava ou achava irritante. E uma das poucas que conseguia aturá-lo.

Amanda soltou uma exclamação de compreensão e ao mesmo tempo de irritação.

– Você também, hein, Renato – ralhou ela, fechando a cara para ele.

Renato piscou sem entender. Rafael revirou os olhos e decidiu se mandar dali. Não teria jeito mesmo, ele tinha que ir naquela viagem. Até mesmo seu pai o obrigara alguns dias atrás, ameaçando cortar sua mesada por dois meses caso ele não fosse. E agora suas malas estavam prontas. Ele não tinha mais escolha.

Rafael subiu até o quarto para pegar um de seus bens mais preciosos, seus queridos fones de ouvido. Encarou o quadro que ficava acima da sua cama. Ele adorava olhar para aquela pintura, comprara aquele quadro há dois anos quando passou as férias no Rio de Janeiro. Não havia nada de especial na pintura, era apenas o desenho de alguém de braços abertos em cima do Cristo Redentor. Era uma linda pintura, mas havia algo além da beleza que lhe chamava atenção. Rafael olhava para ela todos os dias, tentando descobrir o que era.

– Rafa, querido – A voz de Ana, a empregada da família, veio do corredor. Ela bateu na porta e pôs a cabeça para dentro. – Olá, meu bem, seus irmãos mandaram lhe chamar. Eles já estão partindo.

Rafael se retirou do quarto batendo a porta, desceu as escadas sem nenhuma pressa e caminhou lentamente até a garagem. Assim que chegou à porta ele parou ao ouvir seu nome.

–... Rafa vai me agradecer por essa viagem – dizia Renato. – E não se preocupe com o Rafael, você o conhece. Ele está sempre emburrado com alguma coisa, dessa vez é comigo. Mas logo isso vai passar e ele vai ficar aborrecido com qualquer outra coisa, como sempre.

Rafael grudou mais o ouvido na porta encostando-se à parede, tentando ouvir o que mais eles diziam sobre ele.

– O Rafa está sempre aborrecido mesmo, não é? – comentou Camila. – E quando não está aborrecido, está... Sei lá, entediado com tudo. Não faz nada. Quer dizer, nada mesmo.

– Ah, vocês estão paranoicos! – retrucou Amanda. – Não há nada de errado com Rafa, ele é e está perfeito.

– Vocês sabem que ele ficou pior depois que terminou com a Fernanda – disse Renato.

Rafael sentiu um nó se formar em sua garganta ao mesmo tempo em que seu rosto fervia. Fernanda era um assunto proibido. Ele não suportava nem mesmo ouvir aquele nome e Renato sabia disso.

– Talvez, quem sabe, ele conheça alguém que o faça feliz e faça com que ele volte sorrir outra vez – continuou Renato soando esperançoso, o que fez Rafael revirar os olhos. Aquele idiota não tinha jeito.

– Ah, sim, claro – comentou Raul, cético. Como sempre o mais racional e sábio dos irmãos. – Ele quer muito um compromisso sério. Se não percebeu Renato, o Rafa está se isolando em sua bolha particular. Ele está evitando as pessoas desde que... Você sabe, desde que a mamãe morreu. E está cada vez pior.

O nó em sua garganta apertou ainda mais, sufocando-o tanto que ele começou a soar frio sentindo falta de ar. Outro assunto proibido e o pior deles.

– É e eu sou o irmão mais velho, eu sei o que é melhor para ele – disse Renato convicto. – Sei que essa viagem vai mudá-lo muito, pra melhor eu espero. Vai fazer bem a ele, e a nós também. A alguns de nós pelo menos...

Dessa vez Rafael franziu a testa. Renato falara com tanta certeza que quase dava pra crer que ele sabia de alguma coisa, tipo, do futuro. O que seria um absurdo é claro. Ele não foi o único a ficar surpreso e desconfiado.

– O que você quer dizer com “a alguns de nós pelo menos”? – perguntou Amanda, sua voz um tom mais agudo que o normal.

– Quero dizer, que essa viagem vai fazer bem a alguns de nós – respondeu Renato simplesmente, mudando de assunto. – Então, eu espero que essa seja uma boa ideia... Quer dizer, viagem!

Rafael continuou de testa franzido e ainda mais emburrado que antes quando abriu a porta da garagem e entrou no Land Rover vermelho da família Moreira. Mais uma vez decidiu ignorá-los e dessa vez não se sentiu nenhum pouco mal. Eles estavam falando dele pelas costas, por tanto, Rafael tinha todo o direito de ignorá-los e o faria durante toda a viagem se fosse preciso.

Definitivamente aquela seria uma viagem e tanto.


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