O estranho eremita escrita por 0 Ilimitado


Capítulo 10
Ato 10 - A mariposa




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“Felizmente, alegar ignorância me deixa frio e devo persistir assim, em eterno luto pelos meus irmãos.”


Após sair para minha caçada matinal, no retorno, junto aos pensamentos rodopiados, abri a porta de casa, e rotineiramente, fui acender a brasa, sentei na poltrona inflada, e levei as mãos a testa, franzindo-a, o confronto das chamas foi a minha única melodia, os pássaros pareciam ter fugido, queria ser como eles, não apenas por voar, e nem ser despreocupado, sendo franco, para poder cantar mesmo estando em um camarote vendo o mundo vazio, pregos nas estradas, brisa quente entre escapamentos que nunca mais serão usados.
Antigamente, oriundo da cidade grande, as buzinas, os sinos, o bulício e o borbotão de pessoas eram fatores primordiais para meu desejo insaciável de me afastar de toda essa humanidade, voltando ao centro desse mundo, conscientizo-me com todo o encarecimento: trocaria milhões de lembranças por um pingo de vigor, o calor proporcionado pelo fogo intencional nunca substituirá o coquetel eufórico humanoide, esses sentimentos a flor da pele, a necessidade exacerbada de nos conectar a algo, o brilho dos olhos mais importante que as cores da pele.
Quando sai as primeiras vezes para meu passeio solo, gostava de estar só porque sabia que mesmo com o meu exílio ainda haveria vida fora do meu cubículo. Não tenha tanta certeza.
Fitei o infinito encarando o torso de uma mariposa que repousava na parede do quarto, chamei-a de Dorneles. Pensei em diversos nomes, e foi este que escolhi. Sua cor: Roxo purpúreo, intenso e invasor de olhos, acarretou uma reflexão cortante e ácida, transformando meu corpo em papel para um álbum de fotos.
A fluidez dos fatos nos remete déjà vu’s, rebobinando nossas construções, trocamos nossas lentes e vemos por outro ângulo, somos infelizmente mais demolidores do que obreiros construtores, em tempos remotos, balas, bombas e impactos ressoando por terras, sobrevoando inimigos e parceiros. Edifícios reduzidos as cinzas de um sonho nunca tido.
O vírus começou com uma lentidão assustadora, em pequenos focos no planeta, mortes começaram a ocorrer, todavia no início não havia nada a se preocupar, pessoas morrem e renascem diariamente, a vida simplesmente seguiu, os motoristas continuaram abruptos e a Lua repousou no seu mesmíssimo lugar.
Quando as organizações internacionais que zelavam pelos direitos humanos abriram seus péssimos olhos, a pandemia derrubava o mundo muito melhor que guerras mundiais. A melhor arma biológica foi enviada pela natureza ou talvez pela nanotecnologia, o tempos são de estranhos prazeres e pensamentos misantrópicos, cultuou-nos com todos os seus aspectos positivos, quando alguém deu sinal verde, iniciou-se a operação proscrição.
A praça movimentada, o banco do Seu Alcides foi substituído por pombas mortas, e mosquitos sobrevoando a carne podre. As ruas ficaram desertas, feito o Saara, um jardim formado por cadáveres, cigarros em seus bolsos, flores nos bancos do carro, bebidas diversas se misturando ao esgoto.
É intrigante essa doença, primeiro inicia-se as coceiras, sensação de seres estranhos rastejando sobre a pele, insetos, besouros e afins... Diante das crateras realizadas pelos adoentados com suas próprias unhas, percebe-se a formação de longos filamentos com cores diversas, que beiram o vermelho, preto e o branco. Confio-te a informação, a Doença de Morgellons não é mental, os transtornos psíquicos vieram com toda a avalanche societária, os físicos com a doença. Que absurdo pensarmos na época que tudo era originário de nossa mente doentia, estava incrustado na nossa face, mesmo com toda a população dizimada, não consigo afirmar-te corretamente nada sobre a doença. Alimentos transgênicos. Chemtrails. Vírus adormecido. Redução populacional endireitada. Realmente não sei, e isso enlouquece-me.
Retornando ao meu pensamento, tenho uma única certeza nessa vida inteira, morrerei sem saber do que meus irmãos morreram. Não pense que já tive irmãos, mesmo sem ter o meu sangue e nem eu ter o deles, não é necessário transfusão para perceber que nascemos para viver em sociedade igualando-nos as diferenças que devem ressoar como particularidades em um bolo formigueiro.
O povo da ilha correu para o foco, sem saber que estariam a salvo longe de tudo que se disseminava em grande escala nas metrópoles. A economia já estava à beira do colapso por longos séculos, bastou um cumprimento funesto e tudo se desmoronou quanto um castelo de cartas muito bem estruturado.
Indago-me se a melhor atitude que tomei foi exilar-me, não seria muito mais fácil morrer como o resto? Pensando bem, ainda tenho a chance. Felizmente, alegar ignorância me deixa frio e devo persistir assim, em eterno luto pelos meus irmãos.


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