Quase. escrita por gmamarina


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

-O texto é de minha autoria e não permito cópias, retirar citações, nem nada do tipo.
—Plágio é crime.
—Não é um texto sensacional, é só um desabafo.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/569235/chapter/1

Torno a respirar fundo e me jogar contra o colchão velho que já está com o formato do meu corpo. “Preciso mudar algo aqui” falo em alto e bom som, como se houvesse alguém nesse cubículo para me ouvir. Não há. Nunca houve. O barulho dos carros lá fora não torna o barulho aqui de dentro mais baixo, muitíssimo pelo contrário, aumenta-o. Viro-me para o lado, fitando a geladeira velha e que já clama por um descongelamento e observo cada mísero colante de coração que nela coloquei, e a carinha feliz dos dois amantes que se comunicam por meio de um telefone de latas. “Que babaca” penso e viro-me para o outro lado, fitando agora a parede branca-encardida. As lágrimas já não caem mais, os soluços se tornam silenciosos, a respiração fica calma e compassada. Tudo se acalma, menos algo aqui dentro. Buraco, abismo, vazio, cavidade, chamem do que quiser. Ele queima. Queima, arde, machuca, enforca, tritura e esmaga. Torna qualquer mísera ideia de felicidade inalcançável e assustadoramente idiota. Desde quando meu peito ficou em brasa? “Sei lá” respondo pra parede, como se ela me ouvisse. Tento me lembrar de como era não sentir como se houvesse um nó no meio da minha garganta e uma fogueira de São João no meio do meu peito e as lembranças não chegam. Me esforço para me lembrar de algum dia feliz e me lembro de estar sentada na sala de casa, olhando pra ele enquanto ele olhava pra TV. Lembro-me também do meu peito queimando e do meu estômago se afundando. Mas não queimava de tristeza, nem de agonia, muito menos de ansiedade, nem desespero por não saber o que fazer. Era de felicidade. Aquela pequena alegria que a gente sente quando tem uma quase certeza de que tudo vai dar certo. De que vai tirar um seis na prova, ou de que o ano que vem vai ser um ano minimamente bom e você finalmente vai conseguir parar de virar noites tentando entender qualquer coisa sobre anatomia e vai poder viajar para qualquer lugar onde ninguém te conheça.

Mas não dá.

E você se afunda naquela certeza absoluta de que nada vai dar certo.

E realmente não dá.

Fecho meus olhos com força e tento me afundar cada vez mais naquela pequena cena. Não me lembro mais qual era a camisa dele, muito menos se usava calça ou bermuda-tactel-cinza-estranho. Nem me lembro se ele estava ou não de barba. Mas me lembro das cores. Do caramelo escuro dos olhos dele, do preto forte do cabelo encaracolado, do rosa avermelhado dos lábios.

Abro os olhos e quase estou feliz. O fogo em brasa no meu peito quase se apaga. Estranhamente percebo que o quase ronda toda minha vida por todos os lados. Quase estou feliz, quase tirei nota na prova, quase me matei, quase consegui não chorar, quase consegui melhorar minha vida, quase consegui pedir ajuda, quase acordei animada, quase gozei, quase sorri.

Abro os olhos e olho o teto. Fico pensando em como eu seria quase feliz se ele estivesse aqui. Como eu conseguiria fingir não estar tão mal assim, como conseguiria quase acreditar que as coisas iriam melhorar, como conseguiria quase esquecer de que quando ele fosse embora, eu voltaria a ficar assim. E eu acho que isso passa a ser algo além de amar e desejar, passa a ser dependência.

Olho o espaço vazio por todo lado e noto o óbvio: ele não está aqui.

E a única coisa que eu consigo desejar agora é conseguir dormir. Entrar em um estado de quase-morto, onde o tempo passa mais rápido, e a vida chega ao seu fim um pouco mais rápido.

A vida é breve.

Mas não tão breve quanto eu gostaria.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Quase." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.