Um raio de sol indesejado penetra a janela do meu quarto. O sono se recusa a me abandonar e eu pisco pra tentar espantar a letargia. Levando-me e sinto uma leve dor de cabeça, mas ignoro-a. Meu corpo se recupera preguiçosamente das dores de uma noite mal dormida.  Ouço batidas gentis na porta.

—Zoo, ta acordada? - ouço a voz de Elizabeth me chamar. Solto um murmúrio de reclamação, mas me levanto e abro a porta.

Minha irmã me olha um pouco sem jeito. Ela esta vestindo jeans e uma camiseta escura, em suas mãos têm uma bandeja com uns pop-tarts e uma xícara de chá. Cheira maravilhosamente bem e me lembra do quanto estou faminta! Estranho, Liz nunca fora de acordar tão cedo.

Com uma expressão confusa eu me afasto e ela passa por mim, entra no quarto e coloca a comida na mesinha do lado da cama. Liz se demora esquadrinhando meu quarto inteiro. Suas mãos tocam os lençóis da cama, os livros recém postos na prateleira. Seus dedos caminham gentilmente sobre a mesinha. Ela procura por alguma coisa e  parece não se importar que eu saiba disso. Finalmente seus pés a levam até um canto. Seus olhos param sobre uma cadeira. Ela se vira e me encara.

—Aonde você foi ontem a noite? - Diz, sem rodeio nenhum, apontando pra minha roupa ainda úmida pousada nas costas da cadeira. Eu a encaro de volta e sei que não há a possibilidade de eu conseguir mentir. Respiro fundo e encaro seus olhos verdes inquisidores. Ela cruza os braços e não desvia o olhar - Não vá mentir pra mim, eu ouvi quando saiu e esperei até que você chegasse. Onde, Zoey?

Droga! Tinha me esquecido das roupas! Liz sempre tão direta! Ela se senta na cama e me indica o espaço ao lado dela. Sem ter para onde ir e sentindo um pouco de culpa me dirijo até seu lado e sento sobre minhas pernas no colchão.

— Eu me assustei - começo - tava chovendo e eu... eu não conseguia dormir e então eu ouvi o grito e você sabe.

Descido não contar pra ela sobre a visita aos nossos vizinhos durante a tarde com a esperança de que ela não saiba desse detalhe. A garota assustadora não sai da minha cabeça, muito menos o garoto.

Essa é sua deixa. Elizabeth levanta da cama exasperada.

—Zoey! Você não tem um pingo de juízo??? - ela quase grita - Tava chovendo pra caralho lá fora e você decide sair por causa de um grito! Um grito, Zoey! Você nem sabia de onde vinha!!! Meu Deus, você não tem ideia do quanto eu fiquei preocupada?!

— Desculpa - choramingo.

— Desculpa? Só vai me dizer isso??? - ela bate os pés no chão imitando involuntariamente o gesto que mamãe faz quando esta nervosa. Rio sem querer e ela me encara profundamente, como se quisesse me esfaquear com os olhos. Por um momento parece até que sou eu a irmã mais nova. - Você ta achando graça nisso Zoey Marie Likens!? - Diz com a voz assustadoramente controlada.

— Desculpa - contenho o riso - é só você se parecendo com a mamãe agora.

Ela me encara séria e se senta de volta ao meu lado e pega o prato da bandeja e o estende pra mim. Agradeço e pego um dos bolinhos e o coloco inteiro na boca. O sabor doce é bem vindo.

—Você sabe, eu me preocupo com você - diz calmamente medindo as palavras - quero que me fale o que aconteceu quando você saiu. Você demorou uma boa meia hora pra voltar e eu já tava quase indo acordar o papai pra te procurar - completa.

— Eu não percebi que demorei tanto... - digo me lembrando imediatamente de Caleb. Não sei se quero falar sobre ele. O resto de noite que eu conseguira ter fora com sonhos conturbados que o envolviam e a garota sinistra - Sabe, eu só sai correndo por que eu me assustei e eu fui pro jardim e tava chovendo muito e eu cai e fiquei lá. Comecei a chorar de medo e não consegui tomar uma atitude, só... chorei.

Ela me olha com os olhos quase marejados e subitamente me envolve num abraço apertado e sem jeito que só Elizabeth Likens sabe dar. Jesus, ela esta mesmo preocupada. Se afasta e fita meus olhos.

— Você sabe que isso não fez o menor sentido, Né? Sair por ai por causa de um susto – diz com um tom se censura.

Não ouso responde-la. Ela continua:

— E então, vai me contar o que aconteceu ontem a tarde de verdade? - pergunta - eu não sou a mamãe. Não cai nessa sua conversa de corrida noturna.

Eu sustento seu olhar, agora entendo todo o lance do café da manhã. É claro. Ela quer saber a verdade. Eu deveria saber que ela desconfiaria. Descido lhe contar tudo. Conto do jardim, da casa, da música sinistra, da garota. Tudo que acontecera na tarde anterior

— Você sabe que não deveria fazer isso, a casa não é sua - diz por fim.

— Eu sei, mas eu achei que estava vazia.

Desvio do seu olhar e olho pras minhas mãos torcidas e repousadas em cima da minha perna.

Minha irmã se levanta de novo e me oferece o chá frio. Eu aceito. Ela me serve e se coloca na minha frente. Séria.

—Me promete que nunca mais vai voltar lá?

— Ta bem.

— Prometa - diz impacientemente.

— Okay, eu prometo.

— Você voltou lá na casa ontem a noite, não foi?

Ela me pega de surpresa, Liz é a única pessoa no mundo que me conhece totalmente, todos os meus segredos e todos os meus sentimentos. É totalmente impossível mentir pra ela.

— Zoey, vamos, me responda. - ela pressiona.

— Fui.

Ela me olha profundamente, decifrando minha mente e minha alma.

— Você entrou lá outra vez?

— Não.

— Okay Zoo, eu confio em você, mas ainda tem alguma coisa que queira me contar?

Meu coração dispara. Caleb. Por algum motivo eu descido não contar a ela sobre o garoto. Talvez por que ele ainda não pareça tão real. Preciso de um tempo ainda pra pensar em tudo o que acontecera naquela madrugada.

— Zoey... - é um aviso.

— Não - digo, do jeito mais sincero que consigo - mais nada.

Ela pondera um pouco e ela me da um pequeno sorriso.

— Okay então - ela sabe que estou mentindo. Seu meio sorriso desaparece dando lugar a uma carranca séria - Mas quero que me prometa mais uma coisa, okay. Se algo mais acontecer, não tente me esconder. Quero que confie em mim.

Ela espera uma resposta.

— Okay - prometo.

— Okay - ela me puxa da cama e me da
outro abraço - Eu amo você e você sabe disso.

Depois que me solta pega a bandeja, recolhe a xícara, me da um último sorriso e se retira do meu quarto.

Caio na cama exausta. A conversa fora quase unilateral como geralmente as conversas são com Liz. Ela me deixou mais confusa ainda, por que não consegui contar a ela sobre Caleb, por que a simples lembrança dele me atordoa, me desconcerta? E o grito... Poderia jurar que veio da garota da casa, mas como ter certeza? Veria Caleb outra vez? Percebo que meu coração acelera novamente com a ideia. Olho o relógio na cabeceira e vejo os ponteiros marcando que ainda é muito cedo. Aconchego-me nos lençóis e aperto meu travesseiro em um abraço. Deixo os pensamentos fluírem e lentamente vou pregando no sono novamente.

Assusto-me com minha mãe batendo na porta do quarto. Percebo que a luz proveniente da janela esta muito mais clara, deve ser já o meio da manhã.

— Zoey, eu to indo pra cidade. Levanta, não tem ninguém em casa.

— Já vai, mãe - esfrego meus olhos e torço para que não estejam inchados.

— Onde está Liz - pergunto quando abro a porta. Mamãe esta de vestido e sandálias baixas e carrega uma bolsa simples de coro marrom na lateral do corpo. Ela me abraça e deposita um beijo no topo da minha cabeça.

—Não sei, não vi ela desde que acordei. - Diz em tom casual - eu voltarei logo, beijos.

 Ela desce as escadas rapidamente e eu ouço a porta da frente ser fechada. Decido procurar minha irmã. Bato na porta do seu quarto e ela não responde e então eu entro e nada. A cama está desarrumada, o que não é do costume da impecável, odiadora de bagunça, Liz. Chamo seu nome e não obtenho resposta. Talvez esteja lá fora cuidando das plantas da mamãe. Volto para meu quarto e troco de roupas e desço para o café.

Liz também não está em lugar nenhum na parte de baixo da casa. Olho pela janela da entrada e não vejo ninguém na horta. A porta da cozinha esta escancarada. O casaco e as botas de Elizabeth não estão no lugar que deveriam. Consigo avistar a entrada do jardim de onde estou.

A percepção me atinge como uma bofetada: Ela está na casa dos nossos vizinhos.