Aisha lembrava-se perfeitamente da primeira vez que viu Ara. Ainda eram mais jovens, e não tão poderosas como hoje. A maga ainda era uma Dark Magician, que dependia totalmente de seus poderes sombrios para se garantir na batalha. A lanceira ainda era Little Devil, um título único seu, que movia-se rapidamente como um lobo, apesar de ainda não dominar perfeitamente o uso de suas esferas negras. Desde aquela época, Aisha já havia notado que as duas tinham mais em comum do que imaginava.

Mesmo nos dias atuais do grupo, a Void Princess não deixou de observar a Yama Raja de longe. As duas cresceram como mestras na arte das trevas, usando e abusando dos poderes sombrios para destruir seus inimigos. Não que Elsword e o restante do grupo se preocupassem muito com isso, afinal, a maioria deles também havia seguido um caminho sombrio e arriscado.

A Yama Raja quase nunca abria um sorriso, sua expressão na maioria das vezes era fria e indiferente. Parecia mais interessada em conversar com Eun do que com qualquer outro indivíduo. Estava sempre a treinar suas magias negras, em especial, a técnica secreta Rakshasa, a qual havia aprendido a pouco tempo. Observar Ara de longe fez Aisha perceber o quão atraída se sentia por ela e por seu poder. Era como se a lanceira fosse sua droga. Viciante e impossível de esquecer. Queria lutar contra ela, e também a queria para si.

Durante uma de suas noites mal dormidas em Hamel, Aisha foi à Tumba de Noé para respirar a brisa gelada. Ara era a culpada por causa de sua insônia. Corrompia os pensamentos da princesa das trevas, infiltrava-se em seu coração. Angkor pousou em seu ombro ao vê-la tão pensativa.

- Pensando na Yama Raja de novo, senhorita Aisha?

- É. – respondeu, indiferente como de costume.

O demônio não respondeu, sabia que a roxinha era cabeça dura demais para falar sobre Ara. Ambos ficaram no silêncio até Aisha perceber a presença da lanceira perto da tumba. O coração da princesa bateu forte e ela empurrou Angkor para longe de si. A Yama Raja estava com sua expressão fria de sempre, sem sorrisos ou sinais de felicidade.

- Ara... – sussurrou.

Ara logo ficou em posição de ataque após o sussurro. Aisha surpreendeu-se, a audição da morena era mais aguçada do que pensou.

- Quem está aí? – perguntou em voz alta, com as mãos firmes na lança. – Apareça!

O rosto da maga esquentou. Só estavam as duas na tumba de Noé, era sua chance de enfim lutar contra ela. Apertou Angkor na mão e o transformou no cajado, pulando de onde estava para cair na frente da maior.

- Boa noite, Ara! – sorriu malicioso.

- Ah, Aisha. – abaixou a lança. – Eu achei que era algum demônio.

- Serve esse? – apontou o cajado para ela, rindo. – Lembre-se que o Angkor sempre está comigo.

- Ele não é um inimigo, então não há problema. Mas me diga, o que faz acordada a essa hora, Aisha?

- Eu é que pergunto, Ara! Veio treinar?

- Na verdade, eu estava procurando rastros de Ran... É provável que ele esteja no Templo da Água. Iremos para lá logo mais.

Aisha sentiu um incômodo. Sempre ficava enciumada quando Ara mencionava o nome de seu irmão. Inflou as bochechas infantilmente.

- Não se preocupe, vamos encontrar logo logo o seu irmão, Ara.

- Assim eu espero. – fincou a lança no chão. – Aliás, Aisha... Aproveitando que estamos a sós, queria falar algo sério com você.

Um silêncio pairou. A maga não sabia o que dizer, só sabia que seu coração acelerou muito mais depois daquelas palavras. A morena, porém, continuava séria e indiferente. Apoiou-se na lança e olhou-a direto nos orbes.

- Venho percebendo que você me observa de longe quando estou treinando ou quando estou conversando sozinha com Eun. E isso me incomoda.

- O quê? Por que te incomoda?

- É como se você estivesse tentando se aproximar mais de mim, Aisha. Escute... Eu estou muito agradecida por vocês estarem me ajudando a encontrar Ran, mas eu não quero laços fortes com vocês, tudo bem? Se você estiver tentando ser minha amiga, eu quero que pare.

A Void Princess gelou no lugar. Sentindo seu coração acelerar novamente, falou com desespero:

- Mas Ara! Eu e você dominamos a mesma arte! A arte das trevas! Nós deveríamos nos dar bem, não acha?

Ara levantou a sobrancelha.

- Nós podemos ter seguido o caminho das trevas, Aisha, mas nossos potenciais são muito diferentes. Não é por causa disso que precisamos ser amigas. Apenas aceite isso.

- Como assim, nossos potenciais são muito diferentes? Está insinuando que você é mais forte que eu?

- Eu não estou insinuando, eu sou mais forte que você.

- Ah, mas não é mesmo! Nós temos o mesmo potencial, Ara! Somos duas mestras das trevas, nós somos iguais!

A Yama Raja suspirou.

- Algo me diz que você quer lutar comigo.

- Sim, eu quero! E se eu vencer, quero que você deixe eu me aproximar! Eu estou cansada de ter insônia por sua causa, Ara! Toda noite, sonhando acordada com você... É uma obsessão mais forte do que eu!

Ela tampou a própria boca depois de perceber o que tinha dito. Surpresa, a morena brandiu a lança e seus cabelos tornaram-se brancos, as nove caudas logo surgiram em suas costas.

- Então, parece que você me ama... Não é, Aisha?

- Q-Quieta! Lute comigo, eu vou mostrar pra você que nós somos iguais!

Aisha correu para cima da adversária, já sussurrando palavras em outra língua. Uma nuvem de gás tóxico surgiu em volta das duas, fazendo Ara tossir um pouco. A roxinha sorriu maldosa, mas a Yama Raja logo pulou para fora da nuvem com a ajuda de sua arma, lançando várias esferas negras na direção da menor, que permanecia lá dentro. Aisha desviou da maioria, mas eram muitas para conseguir evitar todas.

Quando a nuvem cessou, Ara pulou na direção da maga, tentando acertá-la com a lança. A princesa foi mais rápida e teleportou-se para uma distância segura, mas foi atingida por várias esferas negras logo depois. Olhou com raiva para a morena que lançava as esferas de onde estava. Aisha teleportou-se para trás dela e acertou-a com o cajado na cabeça, porém Ara bloqueou o ataque com a lança no último instante. A maga sorriu e balançou a outra mão.

- Hell Stone!

A Yama Raja arregalou os olhos ao ver uma enorme pedra surgindo abaixo de si, que girava e lhe feria constantemente, até desaparecer. Acabou por ser jogada longe, mas conseguiu se apoiar na lança antes de cair. Aisha riu.

- Eu disse, Ara, nós somos iguais! E é por isso que eu amo tanto você e quero te conquistar! – bradou ela, sem se preocupar mais em esconder seus sentimentos.

Ara suspirou outra vez e apontou a lança para a menor.

- Então, você realmente acredita que temos o mesmo potencial.

- Eu não acredito, nós temos o mesmo potencial!

A morena lançou uma pequena esfera em sua direção, a qual foi fácil para Aisha desviar. Ela já ia começar a rir de novo, mas uma enxurrada de esferas surgiu logo após. Teve que se teleportar para poder fugir. De repente, a princesa viu várias lanças negras encurralando-a no lugar. Arregalou os olhos ao ver a Yama Raja em sua frente, fora da prisão de lanças, atravessando-a e parecendo arrancar-lhe algo.

- Purgatory.

Aisha caiu inconsciente no chão, sequer respirava. A lanceira caminhou até o corpo da maga e depositou sobre ele, uma pequena luz violeta. Após tal feito, a princesa respirou fortemente e abriu os olhos, confusa. Olhou para os lados um tanto amedrontada, até ver Ara em sua frente, séria.

- O que foi isso, Ara?!

- O que foi isso? – repetiu. – Essa é a nossa diferença de potencial, Aisha.

- O quê? Como assim?

- Essa é a técnica secreta Rakshasa. – fincou a lança no chão. – Não sei se você percebeu, mas eu roubei a sua alma com essa técnica.

- M-Minha alma? – seu coração bateu forte contra o peito.

- Sim. Onde quero chegar é que, mesmo que nós duas sejamos mestras na arte das trevas, você nunca perdeu nada de importante além dos seus poderes, Aisha. Você nunca perdeu coisas como família e amigos. Eu perdi tudo o que eu tinha, e diante dos meus olhos. O pior é saber que quem me tirou tudo foi meu próprio irmão, e que ele foi o único que me restou. A minha arte das trevas é mais forte que a sua por causa disso. Eu tenho desespero, angústia e agonia dentro de mim me perturbando a cada dia, por isso pude desenvolver este poder. Já você... Você mesma resolveu procurar por poder, até fez um contrato demoníaco de bom grado. Entenda, Aisha... Você nunca será capaz de alcançar meu coração.

Ara cancelou a fusão com a Eun, retornando à sua forma normal. Ofereceu a mão para ajudar Aisha a se levantar. Teria levado uma cajadada se não tivesse recuado a mão. A maga escondeu o rosto com o cajado, parecia estar em prantos. Teleportou-se para longe enquanto deixava a Yama Raja para trás.

Isso foi cruel, senhorita Ara. – ecoou uma voz na mente da morena.

- É melhor tacar logo a realidade na cara das pessoas do que iludi-las, Eun. – respondeu, indiferente.