Morte Imposta escrita por Lyn


Capítulo 1
Capítulo 1




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Antes de qualquer outra coisa, senti o tecido fino acalentando a porção nua de meu pescoço. Não abri os olhos de imediato. Atordoada, confusa e sonolenta, apenas apurei meus sentidos, tentando compreender onde estava. Uma superfície macia e acolchoada sustentava meu corpo dolorido e fraco. Estava tão quente! Por que as criadas não abriam logo as janelas de meu suntuoso quarto?


Não pude mais suportar e abri os olhos, mas foi o mesmo que não tê-lo feito. Encontrei-me envolta num breu absoluto e desconcertante. Desorientada em meio àquela escuridão acalorada e a sensação dormente de meu corpo, tentei sentar-me para acender uma vela, mas bati a testa em uma superfície dura, logo acima de mim. A dor fez com que minhas têmporas latejassem e meu corpo se retesasse. Mas ora já se viu...! Que brincadeira era aquela?


Com a sensação de minha testa estar em chamas pela pancada, tateei a minha volta e minhas pequenas mãos encontraram apenas superfícies rígidas e lisas ao meu redor. Eu não podia me sentar ou me esquivar daquelas paredes. O desespero – puramente primitivo, de um pavor inato – me impeliu a esmurrar, estapear e chutar as superficies de madeira a minha volta. Um grito, que traduzia meu horror quase papável, rasgou minha garganta, logo sendo abafado dentro daquelas paredes que me encarceravam. Meus olhos, que começavam a adaptar-se a escuridão, vasculhavam a volta, mas isso só fazia com que eu me agitasse ainda mais dentro daquele pequeno espaço. Não haviam duvidas – eu fora enterrada viva.


Catalepsia.Já sofria com a doença há anos, sempre amedrontada com o momento em que acabaria dada como morta erroneamente. Meus sonhos eram povoados por pesadelos similares ao que estava vivenciando naquele exato momento. Encerrada em um lindo caixão de mármore, acolchoado como a cama de uma boneca, trajando a vestimenta de uma princesa – e condenada a morrer cruelmente, jogada no fundo de uma cova fria, onde ninguém poderia ouvir minhas suplicas por socorro.


          Arranhei o tampo a minha frente até que meus dedos sangrassem. Quanto mais ofegante minha respiração, mais quente o lugar se tornava. Com lágrimas de agonia banhando meu rosto, levei minhas mãos a minha cabeça, impotente. Há quanto tempo já estava ali? Horas? Dias?

Meses?

Possivelmente os vermes não demorariam a reivindicar sua porção de minha tenra carne. Os soluços inevitáveis escapavam por meus lábios trêmulos, sacudindo meu debilitado corpo e roubando meu precioso e pequeno estoque de oxigênio. Minhas mãos sangrentas tingiam de rubro minha face e minha linda indumentária. Já tinha a voz rouca, mas ainda assim gritava, desvairada, inconformada com minha sina. Eu não queria morrer. Não estava morta!


Ouviu isso, Frank? - o homem gorducho, com barba amarelada, parou com sua pá em pleno ar, os olhos arregalados enquanto um arrepio lhe sacudia o corpo.

É só o vento, paspalhão. - resmungou o velho de feição ranzinza, ajeitando a gola do guarda-pó puído que trajava. - Não sei por que diabos inventaram de construir esse cemitério em uma colina. Não suporto esse frio!

Vamos... Logo com isso. - o homenzarrão voltou ao trabalho, olhando sobressaltado a sua volta.

Enxugando o suor da testa com a manga do casaco, Frank jogou a última pá de terra, acertando as saliências da cova.

Que descanse em paz. E o que for! - murmurou espreguiçando suas costas mal tratadas. - Vamos logo tomar algo na taverna.

Lá embaixo, no fundo da cova recém coberta, um grito rouco e horrorizado soou uma vez mais, enquanto os homens se afastavam calmamente, levando suas pás apoiadas ao ombro.


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