Avalanche escrita por Aarvyk


Capítulo 6
Reinos


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura, princesos



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Quando acordei no dia seguinte, minha cabeça latejava assim que se lembrou do momento íntimo que tive com Jasper Schmidt. Não queria me lembrar daquilo. Não queria me lembrar de nada.

            Tratei de não pensar muito no quanto queria apenas me esconder nas cobertas, levantando de uma vez para desligar o despertador na cabeceira. Assim que o fiz, notei um pequeno papel bege destacando-se entre algumas folhas de anotações do exército inglês, logo a peguei com as pontas dos dedos.

            “Escritório Real. Reunião com os reis. Venha assim que acordar.”

            Respirei fundo ao notar a caligrafia tão perfeita de Cameron. Agora aquilo? Quando virei o papel por garantia, notei que havia outra mensagem.

            “Eu te amo. Confie em mim.”

            Soltei um rugido interno ao ler as primeiras três palavras. No entanto, eu reconhecia a seriedade das palavras de meu gêmeo, ele nunca havia pedido tão claramente para confiarmos um no outro. Pensar que nos últimos meses estávamos distantes ainda me doía, enquanto pensei que Cam fazia seus avanços em nosso país sem pensar em quem assumiria o trono, havia apenas descoberto seu esquema de casamento e poder. Parecia ridículo demais para ser verdade.

            Eu nunca estaria protegida em Illéa. Nunca.

            Já com a mente bufando de ódio logo pela manhã, tratei de chamar Eli de uma vez. Arrumei-me em questão de minutos, novamente com um traje de inverno que cobria minhas costas inteiras, dessa vez da cor azul marinho. Pedi para a criada fazer uma trança em meu cabelo, em um dos poucos quadros que ainda restavam de minha mãe pelo Palácio de Buckingham ela usava uma trança única em seu cabelo castanho claro, os mesmos fios que Edwin tinha.

            Caminhei pelos corredores fingindo uma confiança que não possuía, meus coturnos pretos faziam um estalo cada vez que tocavam o chão. Quando finalmente me deparei com as grandes portas do Escritório Real, não consegui entrar de cara, fiquei perdida entre os arabescos dourados que a decoravam, escutando um burburinho de vozes que me fez tremer. O timbre era autoritário e, por um segundo, escutei meu nome dentre as palavras abafadas que não consegui distinguir direito.

            Era agora ou nunca. Empurrei as portas de uma vez só, no mesmo instante minhas íris doeram com a claridade da sala. Quando consegui focar nas silhuetas, notei que vários rostos me olharam. Fiquei envergonhada.

            — Irmã – ouvi a voz de Cam à minha direta, virando meu rosto em sua direção. – Chegou exatamente na hora em que eu previa. – Ele sorriu, mais pelas aparências do que de fato para mim.

            A minha esquerda, notei outros dois rostos. Rei Maxon e rainha América, ambos sentado em duas poltronas de couro, eu nunca havia os visto pessoalmente, apenas poucas vezes na televisão ou revistas. Ela era bela, mesmo com quase meia idade, possuía um olhar sereno e longos cabelos ruivos; já seu esposo, Rei Maxon, possuía um olhar cansado e sério, seus cabelos eram dourados como os de príncipe Alexander, porém um pouco grisalho. O monarca de Illéa fez um cumprimento de cabeça em minha direção, aquele era o nosso primeiro contato.

            Respirei fundo, um pequeno tremor percorreu minha espinha. No centro da sala, estava meu pai. Rei Desmond II, o olhar severo sempre em busca de me fazer sua vítima, estando ele bêbado ou não. Ao seu lado, de pé, havia a figura velha do conselheiro da Câmara dos Comuns, Archibald Schmidt, o pai de Jasper e Thomas. Em seu peito, carregava o mesmo leão prateado rugindo.

            Minhas bochechas coraram. Eu quis morrer.

            — Majestades – reverenciei meu pai e os pais de meu futuro marido, depois me direcionando ao pai do homem que havia me deixado sozinha na noite anterior. Cômico. – Conselheiro Schmidt.

            Notei que havia uma poltrona ao lado de meu irmão reservada para mim. Sentei-me de uma vez antes que perdesse o equilíbrio.

            — Estávamos negociando sua ida a Illéa, minha filha – meu pai foi o primeiro a dizer algo, os olhos fixados em mim de forma doentia, a mão ao queixo como se não se importasse com nada, nem com o próprio bem estar. Ao meu lado, vi que Cameron tremeu levemente suas mãos, parecia tão temeroso quanto eu. – Rainha América sugeriu que você fosse com eles para Angeles. Querem te conhecer melhor. Quem sabe até o casamento de seu irmão seja tempo o suficiente.

            Desmond fingiu um sorriso para os monarcas de Illéa, que apenas o olharam com delicadeza. Archibald Schmidt fez um leve menear de cabeça, indicando que falaria algo.

            — A princesa é bem versada em assuntos militares e de estratégia. Sua presença pode ser valiosa caso usada da forma correta, Vossa Majestade – o patriarca da família Schmidt se referia a rei Maxon com grande cautela. Eu sempre soube que ele me tinha em grande estima por conta do contato que tive com seus filhos, mas jamais esperaria tal posição defensiva da parte dele.

            — Tenho certeza que sim – o monarca sorriu genuinamente, rei Maxon parecia de fato ser alguém decente. Meu pai se irritou com aquilo, eu tinha certeza, mas não deixou transparecer.

            — Princesa Avery será bem recebida da mesma forma amável que a Nova Inglaterra nos recebeu – rainha America gesticulou, olhando de mim para o rei inglês com certa animação, tentando talvez garantir minha segurança para um pai que mal se importava com a filha. – Gostaríamos muito de fazer com que se sinta em casa ao estar em Angeles. Logo a Seleção de nosso filho herdeiro, príncipe Mason, irá se iniciar, será um momento muito interessante para ver de perto.

Ela me olhou de forma suave ao fim de sua fala, os olhos claros tentando passar uma boa impressão.

— Combinamos que você poderá escolher seus próprios guardas e criados para te acompanharem em Angeles, bem como a sua volta. – disse Cameron, notei que sua voz havia tremido bem no final.

Então eu poderia escolher a minha volta?

Olhei no mesmo instante para o meu pai. Ele parecia tão perigoso quanto uma arma apontada na minha cabeça. Não, eu não tinha escolhas. Se eu o fizesse, saberia muito bem o que iria acontecer, Desmond me dizia isso apenas com seus olhos. Seria surrada como um cão, espancada até dizer chega.

— Perfeito – foi tudo o que consegui dizer, meus sentimentos extasiados, com medo do meu futuro e da minha vida. Eu estava sendo exilada de meu próprio reino, sofrendo um golpe pela coroa de meu próprio irmão.

Como poderia confiar em Cameron?

            No meio de meu transe, notei que o conselheiro falava com os monarcas, mas não consegui prestar muita atenção. Só fui acordada minutos depois com a voz fina da rainha América, em especial voltando o olhar para mim.

            — A propósito, pedimos desculpa pela ausência de Alexander nessa reunião. Meu filho disse que não está se sentindo muito bem hoje e nos deu a liberdade de tomarmos as decisões em seu lugar, visando o melhor para todos, é claro. Espero que não se sintam ofendidos com essa situação.

            A rainha falava com suavidade, era óbvio que ninguém veria aquilo como uma afronta dada a sua extrema gentileza. No entanto, só pude me perguntar porque o príncipe havia dado uma desculpa tão esfarrapada para evitar mais um encontro entre nós dois.

            Alexander era um mistério. Mas eu não tinha nenhum interesse em desvendá-lo.

***

            No resto do que se passou da reunião, eu só pude concluir que tinha sido chamado apenas para escutar decisões já prontas, as quais só tinha a opção de acatar sob a beira do olhar vigilante de rei Desmon II. Ele fazia isso de forma tão sutil que os monarcas de Illéa sequer percebiam a situação a qual estavam postos. Ao fim daquele show de horrores, havia apenas a conclusão tosca de que eu iria pegar um voo para Angeles em dois dias.

            Precisava pensar cuidadosamente nos soldados ingleses que levaria comigo para aquele castelo desconhecido. Mesmo que não quisesse pensar em Jasper, não pude deixar de imaginar como seria se o escolhesse para ir comigo. Embora todos os nomes que vinham a minha mente fossem excelentes militares, não poderia deixar as defesas de Buckingham desfalcadas.

            Andei desorientada pelos corredores da ala norte do palácio, eles davam de cara para um jardim interno e eram bem iluminados pelo sol. Um dos meus lugares preferidos, sem sombra de dúvidas. Em uma das paredes, perto de um vaso de camélias brancas, havia um grande retrato de minha mãe. Rainha Miranda, conhecida por sua gentileza e morte trágica.

            Eu a olhei como se fosse devota de uma deusa. Aquela era a imagem da inspiração que ainda me preenchia, a pele alva e lisa, os olhos azuis cristalinos que emanavam a doçura de mil rainhas grandiosas em seus tempos; por fim, seus cabelos cor de mel, trançados e afivelados por joias, mesmo que nenhuma delas fosse necessária para o seu brilho. Minha mãe sorria vívida e feliz. Era fácil lembrar dela, era tão fácil que foram longos anos treinando para só pensar algumas vezes ao dia, não o tempo todo, me arrependendo por não ter feito nada por ela.

            Eu estava lá quando minha mãe deu seus últimos gritos, tão próxima que podia sentir suas emoções, a vida e a dignidade sendo extraídas dela. Com doze anos, vi mais tragédias sobre a guerra do que muitos soldados dentro daquele castelo. Ao mesmo tempo, o que mais doía era me lembrar de quando mamãe estava viva, sorrindo pelos corredores.

Por um segundo, eu podia quase visualizar aquela cena: ela andava com vestidos floridos aos sábados, me pegava no colo e fazia cócegas na barriga; Cam sempre ficava no colo de Thomas Schmidt, o fiel escudeiro de minha mãe, que esteve com ela por todos os momentos possíveis, menos em sua morte como eu tinha estado. Haviam sido anos felizes na Nova Inglaterra, até os nórdicos nos atacarem por puro orgulho. Motivos bestas levavam a conflitos tão insanos que eu só podia imaginar o que se passava na cabeça de muitos reis e rainhas por aí. Eu esperava que não fosse o mesmo em Illéa.

            Com o semblante fechado, lutando contra o turbilhão de lágrimas, encarei mais uma vez aquele quadro. Cerrei os punhos, como se pudesse mostrar minha falta de aceitação por uma morte que havia acontecido sete anos atrás. Quando eu estava quase resoluta a sair daquele corredor, avistei Jasper a minha esquerda, andando decidido em minha direção.

            Pisquei algumas vezes, tentando assimilar o que estava vendo. O rosto dele parecia triste e preocupado, as expressões eram confusas, talvez um misto de vergonha por ontem. Ele parou a uma distância considerável de mim, notando avidamente que eu estava diante do quadro de minha mãe. Jasper a olhou por alguns segundos, sorrindo gentilmente quando voltou seus olhares para mim. Eu ainda não conseguia dizer uma palavra sequer, minhas bochechas estavam quentes como se fosse uma criança perto daquele homem mais velho.

            — Avery, sinto muito – engoliu em seco, as frases travavam-se em sua garganta, mas eu tinha certeza que ele se referia ao nosso episódio em meu quarto. – Por favor, escute com atenção o que tenho a dizer.

            Jasper passou uma mão no cabelo, sempre fazia isso quando estava tomado pelo nervosismo e ansiosa. Seus olhos tentavam evitar os meus com certo desespero, mas ele não conseguia.

            — Diga – meu timbre saiu como um pedido dócil, eu odiava vê-lo naquela situação.

            — Thomas me pediu para lhe entregar algo antes de você partir para Illéa. E eu também gostaria de me despedir propriamente. – disse, a voz consternada em um sofrimento que eu não entendia direito.

            Jasper se aproximou um pouco mais de mim, outro momento em que nossos rostos estavam próximos, mas dessa vez, sóbria e sem dores nas costas, consegui sentir um pouco mais dos sentimentos dele. Tristeza. Em um ato inesperado, colocou suas mãos no colar que carregava, o leão da família Schmidt. Ele o retirou de seu pescoço e o estendeu sobre mim, vestindo-me com aquela joia que reluzia no sol da antiga Grã-Bretanha.

            — Por que... – tentei dizer, mas não conseguia, estava absorta demais nos movimentos do homem a minha frente, com suas mãos roçando em minha pele enquanto ajeitava meu cabelo e o presente que havia me dado.

            — Meu pai deixará o cargo de conselheiro e patriarca para Thomas daqui três meses, quando Cameron for coroado – explicou, checando uma última vez se o símbolo do leão estava posto de forma adequada. – Essa joia mostra que você carrega a lealdade da família Schmidt com você em qualquer lugar do mundo. Meu irmão gostaria de ter feito isso pessoalmente, mas está ocupado com alguns assuntos.

            Não consegui absorver nem metade de suas palavras quando Jasper pegou uma de minhas mãos, posicionando um bilhete ali. Olhando os olhos daquele soldado, eu só podia ver a intensidade dos sentimentos confusos que ele possuía.

            — Avery – disse, mordendo o lábio inferior, mas uma vez ele fazia o mesmo movimento de arrumas as mechas soltas de meu cabelo para detrás da orelha. – Se algo acontecer... Qualquer coisa... Prometa que vai entrar em contato com Thomas. Não possuo autoridade necessária para mover os oceanos como ele consegue.

            A intensidade que Jasper emanava era demais para mim, eu o abracei com toda a força que tinha, não me importando com nada do que havia acontecido na noite anterior.

            — Jasper, eu... – só consegui despejar lágrimas em seu ombro, um choro silencioso e coberto de dor, como se eu fosse uma garotinha indefesa.

            — Vai ficar tudo bem – falou, afagando a trança em meu cabelo. – Faça o que eu disse. Por razões militares, adie seu casamento o máximo que der. Confie nas pessoas certas. E no fim, você vai ver que tudo estará em seu devido lugar.

            Depois de alguns momentos, limpei minhas lágrimas com cuidado, afastando-me dos braços musculosos de Jasper. Ele parecia tão aliviado quanto eu. Consegui ver de forma clara e resoluta o laço que se firmava entre a família Schmidt e Avery Black, por mais que eu não entendesse o que eu havia feito para conquista-lo. Não me surpreendia mais o posicionamento de Archibald na reunião com rei Maxon.

            Talvez, somente talvez, as coisas estivessem começando a melhorar. No entanto, eu tinha que salvar Illéa antes de tentar parar aquele casamento estúpido. A missão seria longa e difícil.

            — Obrigada, Jasper. – Em muito tempo, eu não dava um sorriso como aquele que saiu pelos meus lábios. Ainda que estivesse um pouco esperançosa, me incomodava a distância forçada que ele punha entre nós, mesmo que estivesse se aproximando de mim com o voto de lealdade dos Schmidt.

            — Prometa – pediu, soltando um suspiro.

            A ideia de que Thomas era o novo patriarca da família Schmidt, que devia lealdade ao rei acima de tudo, parecia não fazer sentido dentro de minha cabeça. Por que juravam a mim antes de jurarem ao novo rei? Achar uma resposta para aquilo era impossível com a intensidade de Jasper a minha frente.

            Eu me aproximei um pouco mais de seu rosto bronzeado, não nos veríamos em um bom tempo, com a mão livre, toquei o leão prateado, rugindo a todos a revolução que se instalava em meu espírito. De certa forma, senti que minha mãe estava ali comigo também.

            Encostei minha testa com a de Jasper, ele fechou os olhos. Mais uma vez parecia ter levado um golpe fatal, sangrando e à beira da morte.

            — Não faça isso – sussurrou, tentando manter suas mãos longe de meu rosto, exigindo um autocontrole que eu sabia que ele queria quebrar, só não entendia o porquê. O que poderíamos perder com aquilo?

            Fechei meus olhos também. Senti seus lábios roçando minha bochecha, me dando um beijo tão cálido que o ar entre nós ficou mais leve por alguns segundos. Eu suspirei.

            — Vou sentir sua falta – eu disse baixinho.

            — Eu também vou sentir a sua, mas não faça isso comigo de novo – ele também sussurrava, seu hálito quente em meu ouvido me trazia calafrios. Pude sentir que Jasper se afastava, então abri meus olhos para encará-lo. – Isso dói mais em mim do que em você...

            Apressado em me deixar sozinha e à deriva, ele me deu outro beijo na bochecha, dessa vez rápido e menos intenso, continuando a andar em linha reta pelo corredor. Minha pele formigou onde havia tido o toque dele, por um instante coloquei meus dedos que seguravam o bilhete ali. Sem pensar muito bem, li o número do contato pessoal da família Schmidt e o amassei em seguida com o resto de forças que ainda tinha em mim.

            Por mais que eu tivesse formado aliados que se importavam comigo, só conseguia sentir que os odiava. Talvez eu fosse uma péssima princesa.

 


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Notas finais do capítulo

Estamos em ritmo de avalanche de eventos hahahaha :)