Avalanche escrita por Aarvyk


Capítulo 28
Casa


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura. Este é o capítulo que todos esperavam kkk



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Marian Kodak sorriu com os olhos cheios de lágrimas quando se despediu de mim no salão principal, dizendo que sentiria minha falta. Vi os olhos de Mason brilharem naquele instante, mas não soube dizer se havia sido por Marian ou pela vergonha que ainda sentia em minha presença.

August Whitaker – ou Illéa – também estava lá. Sua esposa, Georgia, acenava sorridente para mim como se pedisse minha aproximação, ela disfarçava muito bem o fato de saber que eu guardava o segredo por trás dos sobrenomes. Andei na direção de ambos, não vendo Maia em lugar algum.

— Princesa, espero que faça uma ótima viagem! – disse a madrinha de Alexander, abraçando-me com cuidado para não tocar em meu ombro machucado. Ela lançou um olhar enigmático ao marido. – Vou deixá-los a sós e me despedir de meu afilhado. Foi um prazer imenso conhecê-la, Alteza. Se precisar de algo, sabe que tem ótimos amigos aqui em Illéa, e não falo só por mim.

Georgia deu um último sorriso e logo se retirou. August parecia desconcertado ainda, mas seu semblante era calmo. Ele olhou para o colar em meu peito.

— Diga ao nosso amigo em comum que sinto muito por não ter te protegido durante o ataque, princesa. – falou, sorrindo ironicamente ao se lembrar de minhas palavras no dia anterior.

— Vou dizer, senhor. E saiba que seu segredo está a salvo comigo.

August estendeu sua mão para um aperto. Por mais que ele fosse aliado de Thomas, eu sentia que havia feito um bom amigo na figura dele.

— Faça uma boa viagem, Avery Black. – Por um segundo, achei que sua voz fora sarcástica ao proferir meu sobrenome, mas aquilo não faria nenhum sentido. – Lembre-se que Thomas se preocupa com você mais do que pensa.

Soltei um suspiro meio descrente, mas logo dei as costas para o homem. O príncipe, meu acompanhante, vinha na direção do padrinho para se despedir.

— Estou falando sério, princesa. – August disse, mesmo que eu já nem o encarasse mais.

Não olhei para trás. Não queria saber de Thomas naquele instante. Algo havia me mudado. Algo tão íntimo que eu não sabia mais dizer se as memórias de minha mãe e seu guarda-costas eram mesmo tão pueris como eu me lembrava.

Mais minutos se passaram e já me sentia sufocada por aquilo tudo. Alexander dava um último abraço na rainha, que segurava as lágrimas enquanto se apoiava no rei. Em contrapartida, eu me mantinha distante, apenas com os ingleses ao meu lado como se fossem uma barricada entre mim e o resto do mundo.

— Alteza, está tudo bem? – O soldado Dallas sussurrou.

— Estou preocupada. – respondi, havia uma certa confiança nele. – Não sei o que pensar da Nova Inglaterra com Thomas nas sombras...

— Nada mudou, Alteza. Não importa como o rei morreu, apenas que está morto. – Garantiu, me interrompendo com um pouco de receio em sua voz. – Mas temo que exista uma coisa que a senhorita não sabe.

Eu o olhei intrigada, vendo que Alexander logo voltaria para perto de mim. Os monarcas já haviam se despedido respeitosamente de mim, se desculpando mais uma vez e mandando presentes para a princesa Kaya.

— Diga antes que o príncipe volte. – Pedi. – E saiba que o espião de Thomas aqui no palácio é... August Whitaker. Acho que podemos confiar nele.

Dallas não pareceu surpreso, mas respirou fundo por um instante, assimilando a informação. Talvez ele mesmo já tivesse descoberto.

— Eu tinha minhas dúvidas... – disse, tomando fôlego para continuar. Seus olhos pareceram ter mais rugas quando me encarou. – Jasper renegou seu sobrenome. Após o enterro do rei, ele pretende deixar o exército e partir da Nova Inglaterra.

Pus a mão ao peito, agarrando o leão de prata. Parecia que eu tinha levado uma facada no coração.

Todos os sentimentos que eu sentia, todas as emoções de anos atrás... Tudo queimava dentro de mim. O último beijo que havíamos dado era uma memória tão dolorosa que parei por um segundo apenas para sentir meus lábios ardendo.

Mais uma dor para sentir. Era tudo uma avalanche de eventos me sufocando.

— Alteza...

— Não! – Dei um passo para trás, me afastando do soldado como se me afastasse da notícia. – Vamos embora logo. Diga ao príncipe que já estou esperando lá fora.

Caminhei para os portões levantando vários olhares. Quando os fotógrafos tiraram fotos, eu apenas ergui o queixo e continuei caminhando com meu semblante frio e os olhos doendo pelos flashs. Todo o país falava sobre o ataque ao castelo e o fim do meu noivado. Era tudo patético.

O batalhão inglês se retirou ao meu encalço, com exceção de Dallas que ficou para acompanhar Alexander. Só de pensar nele, eu já sentia meu coração doer ainda mais.

O que eu estava fazendo comigo mesma? Jasper simplesmente era inalcançável e havia me mostrado isso antes de eu ir embora. Agora, no entanto, eu voltava para um lugar muito similar a minha casa e que na verdade não tinha nada a ver com o palácio de Buckingham que eu havia deixado poucas semanas atrás.

A única pessoa que eu tinha era mesmo Alexander, mas eu só queria afastá-lo de mim antes que minha complexidade consumisse todo o Sol que habitava nele.

— Quer um pouco de café?

— Não. Estou bem com meu chá. – Bebi mais um pouco da hortelã na xícara.

O príncipe encarava as nuvens com um olhar intenso, seus lábios sorriam minimamente. Tudo parecia mudado desde a última vez que andamos de avião juntos, e ele não vestia mais uma máscara desinteressada, apenas uma expressão de puro contentamento ao ver a paisagem da janela.

— Fiz alguma coisa errada, Avery? – Alexander voltou seu olhar para mim, suas íris eram como o mar me puxando para o oceano.

— Só não quero te importunar com meus pensamentos. – Desviei o rosto, tentando achar algo tão interessante nas nuvens como ele conseguia.

— Sabe muito bem que não ligo para isso. – disse, forçando uma gentileza ao invés de mostrar sua preocupação. – Diga o que está pensando, deixe eu te ajudar.

Respirei fundo, um pouco de irritação me tomava. O peso da notícia sobre Jasper ainda fazia meu coração doer. Mas ainda havia algo que eu podia pedir a Alexander...

— Você é bom em ser furtivo e roubar as informações de seu pai, não é? – Mordi meus lábios, quase incerta de meu plano.

— Sim, justamente porque se trata do meu pai e da minha casa.

Alexander pareceu nervoso, já devia ter notado o que eu iria pedir. Nós estávamos a sós na cabine, não havia porque esconder segredos.

— Meu gêmeo está mentindo para mim. – Olhei em seu rosto, a seriedade tomando conta de nós dois. – Não tenho notícias do meu outro irmão, Edwin. O rei está morto. E o lorde Archibald Schmidt que sempre me ajudou foi substituído por Thomas Schmidt, seu filho mais velho e irmão de Jasper.

O príncipe pareceu nervoso com a última parte, mas continuou em um silêncio mortal tentando analisar a situação. Eu não tinha muitos aliados, aquilo era óbvio. E a situação beirava a um regicídio.

— Kaya deve saber de alguma coisa, Alexander. – Continuei a dizer, vendo a expressão pensativa tomar seu rosto a cada segundo. – Pelo menos sobre Edwin, ele parecia animado falando de sua irmã...

— Ela disse que Edwin foi para uma Universidade. Meu pai já te disse...

— E o quanto você acredita nisso? – Elevei meu tom de voz, captando o olhar de relance de uma das aeromoças ao fim da cabine. A encarei com tanto ódio que a mulher se virou rapidamente para continuar seus afazeres.

Alexander fechou os olhos por um curto instante. Parecíamos irritados um com o outro.

— Avery, estou tão preocupada com minha irmã quanto você com seus irmãos. – falou em voz baixa, em contraste com o quase berro que eu havia dado. – Não podemos desfazer o casamento dela como desfizemos o nosso. Kaya está noiva de um príncipe-herdeiro...

— Não! – Quase gritei mais uma vez, revirando os olhos e prestes a contar uma informação que poucos ingleses sabiam. Aquilo tudo me irritava demais para não me deixar guiar pelos meus impulsos. – Eu nasci primeiro. Eu sou a herdeira da Nova Inglaterra. Mas é claro que ninguém me quer naquele maldito trono...

Os olhos do príncipe me encararam surpresos, tanto pela minha fúria quanto pelas minhas palavras. Nunca havia sido tão ríspida e odiável com ele, não daquela forma. E ainda precisava pedir ajuda.

Talvez eu tivesse estragado tudo. Talvez realmente não combinássemos. Se ele era o Sol, eu só poderia ser as trevas da noite.

— Desculpe. – Senti meus olhos lutarem contra as lágrimas. Era uma pressão crescente dentro de mim, me dizendo que havia algo sombrio rodeando a Nova Inglaterra.

Alexander suspirou profundamente, parecia ser mais complacente do que eu previa.

— Você está sobrecarregada e precisa de ajuda. – Ele acariciou minha mão, que estava em cima da mesa entre as poltronas. Um nervosismo diferente correu por minha espinha com aquele ato. – Me diga o que eu devo fazer, além de extrair informações da minha própria irmã.

Olhei em seus olhos, tão avassaladores quanto as ondas do Atlântico abaixo do avião. Em algum canto de mim, eu sentia vontade de beijá-lo, de consumir aquele fogo entre nós mais uma vez.

Suspirei, sabendo que tudo o que eu queria era errado. Logo estaríamos cada um em nossos respectivos países, com obrigações diferentes e o laço de confiança rompido.

Jasper iria embora, mas Alexander eventualmente iria.

— Não me deixe sozinha. – Pedi, minha voz soava tão baixa e fraca que duvidei que fosse mesmo minha.

— Jamais.

Desviei o olhar para a janela enquanto continha um sorriso. Por um segundo, a claridade do sol adentrou a cabine do avião, meus olhos doeram, mas pude notar a pulseira dourada e fina reluzir no pulso de Alexander, a mesma pulseira que eu também usava. Os presentes de Yekaterina apenas mostravam o tanto de situações inusitadas que havíamos passados juntos.

Um ataque rebelde, uma aliança com os russos, a notícia de morte de um rei... No entanto, sentia que mais estava por vir.

Respirei fundo.

— Cameron jamais arriscaria a segurança de Kaya. Eu garanto que ela vai estar bem, mesmo se ela se casar com um... – A palavra não saiu de minha boca, mas sabia que era o suficiente para Alexander entender o recado.

Assassino. Meu gêmeo era um assassino.

— Confio em você, Avery. Não sei o que pensar de seu irmão... – O príncipe acariciou minha mão mais uma vez, entrelaçando nossos dedos. – Mas não é como se seu pai não merecesse morrer...

O calafrio foi inevitável, as cicatrizes pareciam ser reabertas toda vez que eu me lembrava do momento em que Alexander as viu.

— Obrigada pelo apoio. – Apertei seus dedos juntos aos meus, seu calor me confortava mais do que eu poderia prever. – Quando chegarmos a Nova Inglaterra, lembre-se de ficar de olhos bem abertos, principalmente se ver o Lorde Thomas Schmidt.

Ele não escondeu o nervosismo quando proferi aquela maldito sobrenome inglês.

— O que tem de tão especial na família Schmidt? – perguntou, encarando a costa inglesa ao mar, fazendo-se de desinteressado. Parecia uma criança incomodada com algum assunto.

As memórias confusas de minha mãe e seu guarda-costas retornaram a minha mente. Tinha sido uma infância tão valiosa quanto um diamante, mesmo que eu não estivesse mais certa dos significados das lembranças.

— É um pouco confuso. – expliquei. – A família Schmidt serve o trono há gerações por meio da Câmara dos Comuns. Thomas, inclusive, era o guarda-costas de minha mãe até ela morrer. Às vezes ele costumava cuidar de mim e de Cameron também, ensinando xadrez ou nos acompanhando até os jardins para brincar. Mas... Depois que minha mãe se foi...  – Suspirei, sentindo um pouco da dor interna me abater. – Thomas foi julgado pelos outros Lordes da Câmara e se exilou na Rússia, onde serviu ao Igor para erradicar os rebeldes nórdicos que mataram minha mãe.

Alexander estreitou os olhos.

— Tudo faz sentido agora. – Mordiscou os lábios, pensativo e sério. – Ele deixou você sozinha para lidar com seu pai...

Assenti com a cabeça.

 — E também tirou meu trono de mim.

Quando meus olhos estavam quase embargando em lágrimas mais uma vez, escutei os passos da aeromoça vindo em nossa direção.

Iriamos pousar.

Londres parecia a mesma, fria e de nuvens acinzentadas. Os prédios continuavam charmosos, tão antigos quanto a dinastia Black. Era incrível como a Europa se conservava mesmo depois de quatro guerras mundiais, enquanto continentes inteiros emergiam em novos países, como a nação de Illéa.

Alexander parecia contemplar as torres de Westminster à medida que nos aproximávamos de minha casa.

— Eu moraria aqui facilmente para beber café nessa paisagem todo dia. – disse o príncipe ao me encarar, sorrindo de canto.

— É, eu também moraria. – Concordei ironicamente.

Nosso veículo adentrou com rapidez os muros do palácio de Buckingham, parando bem em frente à entrada para que eu e Alexander descêssemos. Em sinal de luto, não haviam fotógrafos a nossa espera. Também notei que os jardins da frente pareciam mais sem vida desde a última vez que eu estivera ali, as bromélias murchas fariam o coração de minha mãe se partir caso as visse.

Suspirei, sentindo o ar gélido em minhas narinas. Os portões estavam a minha espera, assim como uma dúzia de problemas.

Dei alguns passos pretensiosos com Alexander a poucos metros de mim, mas logo isso morreu em meu espírito. Quando os soldados abriram o caminho, só senti um tremor cobrir meu corpo como se fosse uma capa.

De um momento para o outro, era como se meus pulmões não conseguissem mais puxar o ar para dentro de mim.

Logo no saguão de entrada havia um homem alto vestindo trajes militares, os cabelos escuros contrastavam com sua pele branca como a neve. Ele se virou em minha direção ao notar minha chegada, revelando seu olhar intenso e esverdeado, que tanto se assemelhava as minhas íris.

Gelei. Meus lábios se entreabriram em surpresa, e minhas pernas não conseguiam correr para longe.

Em uma única pessoa havia mil segredos diferentes, ocultos em uma expressão calma, mas cujos olhos diziam o contrário. 

Aquele era Thomas Schmidt. E ele vinha em minha direção, não parando de me encarar por um segundo. O verde de suas íris brilhava de uma forma que eu nunca havia notado que podia brilhar, seu rosto apenas parecia um pouco envelhecido desde a última vez que o vira, a quatro anos atrás.

Thomas era quase o mesmo, mas olhar para ele era como reviver mil vezes a cena de morte de minha mãe, na qual ela sussurrava algo incompreensível nos ouvidos do guarda-costas.

— Avery! – Ele disse, a voz cansada ecoando por meus ouvidos como um alarme.

Dei um passo para trás, quase tropeçando nos meus próprios pés.

Não podia deixa-lo se aproximar. Era doloroso demais.

— Saia de perto de mim. – Vociferei com os olhos cheios de lágrimas.

Thomas congelou tanto quanto eu, e pude ver a mistura de dor e tristeza se alastrar pelo rosto dele. No fundo, quis abraça-lo como fazia quando era criança, mas aquilo era um sonho que não cabia mais na pessoa quebrada que eu era.


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Notas finais do capítulo

Postando no meio das férias, pois este capítulo já estava feito há uns tempos kkkk
O que acharam de Thomas?