Avalanche escrita por Aarvyk


Capítulo 16
Planos




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Passei os dedos pela trança em meu cabelo, tentando ignorar os burburinhos ao meu redor, precisava analisar com minúcia cada parte do plano que se formava em minha mente. Os conselheiros de rei Maxon não eram muitos, havia apenas uma mulher entre eles, Brice Mannor, e ela valia tanto quanto cada um dos homens naquela sala. No entanto, mesmo que poucos, faziam um barulho bem irritante quando discutiam entre si.

Eu estava sentada entre Alexander e general Leger, que pareciam ser os mais agradáveis naquele recinto além do rei e de August Whitaker, o qual tinha um acento ao lado de sua silenciosa filha. Maia parecia uma garota muito inteligente mesmo que não fosse muito de se impor. Mason, por outro lado, tinha sido corajoso o suficiente para aparecer depois do que havia acontecido entre nós no escritório do rei.

Os príncipes se encaravam com certo incômodo, e eu estava certa que alguém já havia percebido aquilo além de mim.

— Alteza? – escutei a voz indagativa de August do outro lado da sala.

Quase dei um pulo da cadeira, notando o quão alheia estava para aquele ambiente todo.

— Perdão, senhor.

Escutei mais burburinhos na sala.

— Tudo bem, Alteza. Só estava querendo me certificar se a senhorita tem algo útil para opinar nesta reunião. – Ele disse da forma mais complacente possível, acalmando os ânimos da sala.

Minha expressão era controlada, mas eu sabia que os conselheiros haviam captado que eu estava distraída. Merda.

— Ah, de fato. – Ergui um pouco o queixo, tentando soar mais responsável e autoritária. – Por enquanto, não existe muito que eu possa dizer. Certifiquem-se da segurança do carregamento inglês com as armas para Illéa, é um longo trajeto entre os continentes e se trata de uma carga valiosa. Estou analisando tudo o que posso. No tempo certo, apresentarei algo digno aos senhores.

Alexander deu um meio-sorriso à minha direita, talvez contente com a neutralidade de minhas palavras. Ninguém desconfiaria que eu sabia demais. E assim como ele, o rei também parecia de acordo com minha resposta.

— Garantirei que tudo chegará a Illéa! – a voz grossa de Mason rompeu meus tímpanos, ele estava diferente desde o início da Seleção, talvez começando a sentir o peso das responsabilidades. – Obviamente para também honrar o casamento da princesa Kaya.

Me contive ao máximo. Era claro que uma alfinetada final viria, eu seria tola se não esperasse algo assim do príncipe-herdeiro. Como se apenas um casamento tivesse sido arranjado, como se Cameron não tivesse negociado as armas pela minha segurança.

Eu sentia ódio. Mason não sabia um quarto do panorama e julgava como se estivesse com todo o jogo em suas mãos.

O rei assentiu devagar, parecia um pouco receoso. No entanto, logo um dos conselheiros pôs-se a falar, e a reunião seguiu mais cansativa do que nunca. O tempo parecia não passar, apenas alguns poucos falavam em voz alta para que o monarca ouvisse. No fundo, sentia falta dos lordes ingleses, por mais velhos e irritantes que fossem, eles eram complacentes e autônomos.

Quando Mason começou a falar várias baboseiras sobre índices militares de recrutamento, eu não estava mais aguentando. Foi quando observei Alexander levantar-se de forma discreta ao meu lado, indo falar com o rei em seguida. O soberano me encarou por um breve segundo e então deu uma batidinha no ombro do filho, uma mania que eu considerava um grande ato de afeto da parte dele. Logo em seguida, entendi quase que instantaneamente o movimento de cabeça que o príncipe fez, apontando a saída com o queixo.

— Com licença – pedi em voz baixa para o general ao meu lado, levantando-me em um sobressalto com toda a elegância que eu conseguia ter.

Caminhei sem olhar para atrás, buscando o ar puro de uma janela aberta no corredor mais próximo. Sentia minha cabeça latejar por ter estado tantas horas em uma reunião tão repetitiva. Ao longe, nos jardins, avistei algumas Selecionadas caminhando, trajadas em vestidos floridos charmosos e saltos beirando ao ridículo.

— Você me salvou! – falei assim que Alexander se juntou a mim.

— Eu também não aguentava mais.

Ele moveu os lábios em um quase sorriso, voltando seus olhos para a mesma paisagem do jardim que eu encarava. O príncipe se perdia fácil em pensamentos. Mas eu conseguia entender um pouco do que observava naquele momento, as Selecionadas pareciam tão alheias aos problemas que era belo ver a forma ingênua que caminhavam sob o sol de Angeles.

— Sua irmã teria adorado conhecê-las. Ela parece muito sociável – comentei.

— Com certeza! – pude ver um brilho em seus olhos, os dois pareciam se dar muito bem pelo visto. – Mas o que importa é Kaya estar feliz. E ela parece muito contente com o seu irmão, se me permite dizer.

Senti a tensão me inundar. Era estranho a forma como meu gêmeo teve seu coração roubado por uma garota que não passava dos dezessete anos. Era estranho e patético.

— Não estamos mais nos falando. Eu e Cameron. É bom saber que sua irmã está sendo bem tratada. – Suprimi tudo o que queria sair e não podia, me perguntando se Kaya já havia vislumbrado a outra parte de meu pai.

Alexander tocou uma de minhas mãos, pegando-a gentilmente enquanto sorria. Seus olhos, por outro lado, pareciam se martirizar por dentro.

— Se for por conta do que ele fez, saiba que irei desfazer tudo assim que der.

Casamento. A palavra ecoava estranho quando eu pensava naquilo e as capas das revistas com os noivos do momento só faziam com que tudo piorasse.

— Esqueça isso por enquanto – encarei o chafariz do jardim, não queria me deparar com a sinceridade estampada em seu rosto. – É só um detalhe. Ninguém vai controlar meu destino, muito menos o meu pai, meu irmão ou você.

A última frase soara mais como um rugido do que qualquer outra coisa, e por um longo momento agarrei o pingente do leão em meu peito. A raiva e meu desconforto eram visíveis, e eu sabia que àquele ponto Alexander já havia entendido tudo. Ele era bom em notar coisas, seus lábios contraídos apenas evidenciavam sua compreensão.

 — De todos ao seu redor, acho que sou seu menor inimigo, princesa. E também o mais fraco. Você poderia muito bem me delatar ao meu próprio pai... Ou até mesmo me matar. – Alexander colocou uma de suas mãos ao queixo, como se pensasse de forma debochada.

Eu podia ter certeza que minha expressão de ódio havia se quebrado em milhares de pedacinhos dentro de mim, tomada pela calmaria que o príncipe fazia o mundo ao seu redor girar.

— Não quis ser rude. E não vou matar você – confessei por fim, olhando fixamente um ponto qualquer nos jardins.

Sentia-me tão infantil perto dele, que estava quase rindo alto de como eu me portava. Minhas bochechas esquentavam à medida que os segundos se tornavam mais lentos ao lado do príncipe.

— Fico feliz com isso. Ainda tenho sonhos pela frente...

— Que sonhos? – perguntei instintivamente, quase querendo olhar em seu rosto, mas com medo da vergonha que me atingia.

— Você não tem sonhos? – ele riu, sarcástico como um idiota. – Se formar na Universidade? Fazer uma determinada viagem? Escrever um livro?

Meus sentimentos pareciam travar. Não havia como sonhar sendo uma princesa herdeira que perdeu quase tudo.

Quais eram os meus sonhos? Proteger meus irmãos? Ser a rainha da Nova Inglaterra? Ver meu pai no inferno?

— Acho que todos foram frustrados – eu disse, ainda não conseguindo levantar meu queixo para encará-lo. – E os seus?

— Queria estudar em uma grande Universidade, fazer amigos e viver uma vida medíocre.

Em questão de milésimos, virei meu rosto na direção do dele e consegui captar o brilho de seus olhos ao falar aquelas palavras. A conversa com as Selecionadas finalmente fazia sentido, Alexander queria mesmo sair da família real pelo que parecia, algo quase impossível dada a sua condição em um país de conflitos variados.

— Acha mesmo que conseguiria ter uma vida medíocre? – indaguei. Era óbvio que não.

Pude ver a tristeza se formar em seu semblante, e me arrependi profundamente de ter dito aquilo.

— Sou tão frustrado quanto você. – Suspirou, remexendo as mechas loiras que caiam sobre seus olhos. – Sem contar no fato de ter um péssimo irmão e futuro rei.

Por mais sério que fosse, ambos rimos com o comentário. Me senti um pouco melhor comparando Mason a Cameron, seriam reis diferentes, completamente opostos. Cam era paciente, dócil e muito inteligente, além de ótimo em esconder coisas. Por mais que eu odiasse admitir, as realezas eram podres desde sempre, haviam rastros que deviam ser sempre escondidos.

— Não posso reclamar. – Contraí meus lábios, quase querendo sorrir. – Tenho ótimos irmãos. Porém, acredito que Kaya seja tão boa quanto parece. E Mason pode melhorar com o tempo, nunca se sabe.

Tinha nojo de como havia conhecido a princesa de Illéa. Mas as outras garotas que já haviam estado com meu irmão eram ainda mais nojentas. Ser um pouco pueril era um defeito mais do que bem-vindo.

— Sim. Ela nasceu com tudo de bom que eu e Mason não nascemos. Em compensação vai estar do outro lado do oceano. – Alexander mexia sem parar na parte de trás de seu cabelo, parecia nervoso.

Caso tudo desse certo, nosso noivado iria terminar. Eu voltaria para meus irmãos, mas Kaya não voltaria para ele.

Suspirei. Tentava pensar em algo para apaziguar a tensão

— Talvez... Depois que Illéa melhorar, você consiga...

— Não, Avery! – Vi Alexander morder os lábios com força demais. – Sei que não vai acontecer, não terei muitas escolhas. Mason precisa de alguém para ajudá-lo, e meus pais contam comigo para isso.

Eu sabia o que era aquele sentimento. Ser forçado a algo que não queria, uma vida inteira pela frente com planos já traçados por um destino injusto, o qual você teria que viver sem recusar.

Alexander deu as costas pra mim. Ele parecia tão consternado que eu mal podia aguentar vê-lo daquela forma. De todos, o que menos merecia sofrer era o príncipe a minha frente

— Tente Glasgow! – as palavras saíram de minha garganta como um pedido de socorro, o que o fez se virar no me instante para me encarar.

— Perdão?

Seus olhos doces me fitavam com uma confusão mental maior do que eu poderia prever.

— Foi onde minha mãe estudou. Universidade de Glasgow. Acabou abandonando para se casar, mas ainda é a melhor Universidade da Europa. Illéa entenderia se você fosse para um lugar renomado.

O ímpeto das falas era mais forte que meu próprio coração. Eu podia sentir as memórias retornarem. Podia quase relembrar o cheiro dela e o modo como contava histórias para eu dormir, sempre diplomática, sempre de queixo erguido. As palavras saíam com tanta facilidade que era quase como se minha mãe nunca tivesse morrido.

No entanto, meus olhos marejaram no último instante. Dei as costas para não me sentir ainda mais envergonhada com tudo, limpando as lágrimas fujonas que eu amaldiçoava.

— Vou me lembrar disso. Quem sabe o que destino me reserva? – pude sentir seu corpo aproximar-se de mim, uma de suas mãos tocou meu ombro com delicadeza e pude sentir o irradiar do calor pelo meu corpo. A respiração em meu cabelo só mostrava o quão perto tínhamos chegado um do outro. – Sua mãe parece ter sido uma mulher fascinante, ainda mais por ter ido para Glasgow.

Sorri enquanto limpava mais e mais lágrimas. Alexander parecia me conhecer mais do que eu o conhecia, ou somente era menos egoísta a ponto de ser pacífico demais para esse mundo com aquela empatia.

As palavras doces eram tão singelas quanto sua polidez.

— Não sei exatamente o que devo dizer para te confortar – continuou, puxando-me um pouco mais para perto de seu corpo. – No entanto, pode contar comigo. Por mais que nossos países sejam aliados por circunstâncias um pouco ruins, é difícil fazer amizades em um mundo tão fechado como o nosso.

Por um segundo achei que Alexander chegava ainda mais perto de mim, como se seu rosto estivesse atraído para o meu como que por encanto. Eu sentia o calor de sua pele mais ardente do que nunca, e fechei os olhos como se aquilo pudesse me ajudar em algo. Mesmo com tanta proximidade, eu só conseguia estar envolvida em um conforto surreal.

Senti o roçar de seus lábios em minha testa. Um curto beijo e ele se afastou, tornando meu corpo tão gelado com sua ausência que eu quase quis agarrá-lo de volta. Quase.

Abri meus olhos um pouco consternada, voltando-me mais uma vez para a vista da janela. De um segundo para o outro, havia um incômodo maior do que podíamos lidar entre nós dois.

— Obrigada pelas palavras. Significa muito vindo de você. – Cada vogal saía tão relutante de meus lábios que eu quis gritar.

Pude escutar Alexander se mover atrás de mim.

— Avery, você sabe que não precisa agradecer. – Sua voz era distante, assim como os suspiros que soltava.

Apertei o pingente do leão em meu peito, como se aquilo fosse apaziguar o meu coração quebrado em mil cacos, que batia mais forte a cada passo que o príncipe dava para longe de mim.

Eu pensava em Jasper eventualmente, em como ele era tão gentil em cada pequeno ato que fazia por mim. E logo em seguida, eu me perguntava se Alexander era tão genuíno comigo pelo bem de seu país ou se havia algo a mais em suas intenções misteriosas.


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Notas finais do capítulo

Olá! Um capítulo um pouco mais suave para hoje :D mas espero que mostre o quanto os personagens estão se aproximando, e também foquem nos detalhes.... Surpresas estão por vir
Críticas e elogios são sempre bem vindos ♥