Avalanche escrita por Aarvyk


Capítulo 14
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Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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O quarto de Alexander ficava a pouco metros do meu. E, por incrível que pareça, eu mal havia me tocado sobre isso antes, finalmente fazia sentido ele sempre ser tão pontual em nossos compromissos.

Mordisquei os lábios ao notar que a porta dele era de madeira em tons claros, parecíamos ter algo em comum, o amor pelo rústico. De certa forma, aquela coloração também combinava com ele.

— Não ligue para a bagunça, por favor. Os empregados não entram aqui.

E em um passe de mágica, Alexander girou a maçaneta, abrindo a porta devagar. Uma quantidade absurda de luz se chocou com minhas íris, o que me fez cobrir a região dos olhos para conseguir enxergar com mais facilidade.

— Sinto muito! Esqueci a sacada aberta – disse, correndo para dentro do cômodo.

Logo depois de alguns instantes, minha visão foi voltando aos poucos. A primeira coisa que fiz, foi analisar com minúcia os poucos elementos daquele quarto. Além de uma cama simples com lençóis brancos e bagunçados, haviam diversos quadros de paisagens nas paredes beges do cômodo, os detalhes das molduras e da entrada da sacada eram todos na mesma madeira da porta. Notei que as persianas estavam quase todas abertas, mas as cortinas de um amarelo muito claro barravam a entrada massiva da luz, deixando o ar um tanto angelical.

 Perto de um pequeno guarda-roupas, havia uma escrivaninha cheia de papéis e mapas rabiscados, Alexander tentava organizá-los enquanto eu passava os olhos curiosos pelo cômodo. No entanto, meu coração se acelerou de vez quando notei um piano branco à minha direita, cheio de partituras e poeira acumulada.

— Você toca? – indaguei. A ansiedade presente em cada letra.

De forma distraída, o príncipe murmurou em afirmativo, deixando-me ainda mais eufórica com aquilo. Eu sorri como há muito tempo não sorria e me aproximei a passos lentos do instrumento. As partituras estavam jogadas pelas teclas, algumas caídas no chão. Peguei uma a uma, notando que estavam cheias de anotações a lápis sobre cada melodia. No meio de todos aqueles papeis, achei a música que eu mais amava no mundo todo, a música que minha mãe sempre tocava para mim quando era criança.

Uma lágrima solitária escorreu pela minha bochecha. Era uma lembrança preciosa e feliz demais que não cabia em sorrisos.

— Clair de Lune. – Alexander sussurrou, lendo o título da partitura que eu segurava.

Senti um arrepio na nuca. Ele estava a poucos segundos atrás do outro lado do cômodo, mas agora simplesmente parecia um muro atrás de mim, alto e grande. Quando virei meu rosto em sua direção percebi que estávamos próximos demais, eu sentia o calor que seu rosto bronzeado emanava e também o ar de sua respiração um tanto profunda.

Prendi o fôlego por alguns instantes, dando um passo para trás instintivo. Meus pés acabaram batendo sem querer no banco do piano, o que fez Alexander acordar de seus pensamentos, desviando seus olhos de mim.

— Desculpe por isso – eu pedi, minha voz era tão instável quanto os meus batimentos. – Minha mãe tocava essa música para mim.

Larguei as partituras de uma vez só em cima do piano, me afastando tanto do instrumento quanto de Alexander, que parecia um pouco aéreo com minha última fala. Segui em direção a escrivaninha, ignorando tudo o que havia acontecido desde que havíamos entrado ali. Não era o momento certo de me distrair.

— O que você precisa que eu analise?

Ao observar melhor, notei pelo menos três pilhas de papeis organizadas com algum princípio. Eu teria muito trabalho pela frente.

Alexander veio em minha direção com o olhar um pouco cabisbaixo, mas se resignou a fitar meu rosto mais uma vez.

— Dê uma lida no que achar útil e separe – sua voz detinha um certo desânimo, o mesmo de quando nos conhecemos. – Eu dividi por assuntos: rebeldes, exército e outras informações de Illéa. Faça o que achar melhor. Lembre-se de que quando for aconselhar o meu pai precisa fingir que não sabe tanto.

Assenti com a cabeça.

— Preciso que me diga sobre o meu irmão também. – Minha voz soava fria e distante, mas não tão longínqua quanta a expressão do príncipe.

— Eu já disse que não sei muito. Apenas tenho informações sobre os armamentos. – Alexander suspirou, mostrando um cansaço que eu ainda não havia notado em seu rosto, talvez não fosse bom insistir em uma conversa. – Não saia daqui com essas coisas. Se precisar de algo, peça para que me chamem.

E como se fosse um vulto, ele apenas deu passos rápidos para fora de seu próprio quarto, ainda estranho e misterioso, deixando-me sozinha com uma confusão mental e pilhas de trabalhos para serem feitas.

Passei horas no quarto de Alexander. À medida que eu lia cada folha no meio de tantos relatórios, sentia o peso sobre minhas costas crescer. Não era como se fosse um fardo que eu devesse carregar, mas precisava conquistar minha liberdade por meio daquilo, e cada informação nova me levava a traçar outros mil planos que me doíam a mente.

A Sociedade do Sul, a organização rebelde que queria tomar o poder de Illéa, era muito maior do que se podia prever, e contava com famílias extremamente ricas do antigo sistema do país. Até onde eu sabia a divisão de castas consistia em oito tipos diferentes, os Um eram a realeza, os Dois e Três eram aristocratas e pessoas famosas, o resto dividia-se entre o que sobrava das profissões necessárias para a base de uma nação. Rainha América era uma Cinco, pelo que ouvi dizer, da casta dos artistas e dançarinos, e a rainha Amberly, a antiga monarca, era uma Quatro, uma fazendeira do Sul, o que talvez tivesse aplacado os ânimos daquela região por um bom tempo.

Mesmo assim, era patético como esse antigo regime havia funcionado por tanto tempo em um país tão grande como Illéa, que se autodenominavam Estados Unidos antes da Terceira e Quarta Guerra Mundial, as quais foram fundamentais para as monarquias voltarem como forma de governo. Rei Maxon foi forte o suficiente para ser o monarca mais razoável de sua linhagem, desfazendo não somente as castas aos poucos, como também se preparando para possíveis revoltas e problemas sociais. Parecia tudo perfeito até os levantes mais violentos começarem.

As complicações somavam-se uma a uma. E as respostas a curto prazo pareciam quase escassas. Eu tinha menos de três meses, isso se meu pai não exigisse o meu casamento antes do de Cameron.

Alexander havia deixado alguns jornais e recortes de revistas para que eu lesse, o panorama não foi difícil de traçar, mas parecia quase impossível de resolver. Os cidadãos de Illéa viam-se livres do dever das castas, porém as antigas gerações ainda clamavam aos seus números para se sentirem superiores uns aos outros. Daí nascia a Sociedade do Sul, um impulso de ganância e ódio pela monarquia. Era tolo como as pessoas se voltavam contra o status quo, mas era ainda mais tolo o fato de Mason talvez não ser forte o suficiente para lidar com aquilo durante seu reinado.

Quando terminei de ler a pilha de relatórios militares, só conclui que a saída para aquilo era óbvia por um lado: Illéa precisava de fortes aliados com poder bélico. Mesmo assim, os números do exército eram muito abaixo do ideal para as estratégias militares que seriam necessárias. Pelo menos um quarto de todos os soldados encontravam-se protegendo o castelo ou as famílias das Selecionadas. Nenhuma monarquia do mundo poderia ceder esse tipo de ajuda, nenhum líder emprestaria as vidas de seus cidadãos para conter uma guerra de outra nação, era algo até mesmo além da Nova Inglaterra. E aí estava o ponto chave de tudo.

Grifei bem os números que precisava, eu estava quase terminando o último relatório. Meus olhos cansados sentiam o mesmo peso que talvez rei Maxon carregasse consigo, e mesmo que eu quisesse dormir, apenas ansiava por achar pelo menos um fio de esperança no meio daquilo tudo.

Quando posicionei cada pilha de papel em seu devido lugar, escutei o ranger da porta se abrindo atrás de mim. Alexander entrou devagar, observando cada movimento que eu fazia. Meus coturnos estavam jogados no canto de uma parede e, curiosamente, as meias estavam largadas do outro lado do quarto. Fazia horas que havia me desfeito de meus calçados, meus pés descalços me deixavam mais confortável naquele piso que me lembrava minha casa.

— Você não dormiu esse tempo todo? – ele disse, sua voz rouca parecia estar em um misto de espanto e admiração.

Pisquei, tentando racionar, mas tudo o que senti foi raiva. Eu estava exausta, meus neurônios haviam sido derretidos. Talvez por ódio ao mundo ainda conseguia me manter em pé.

— Achei que você tivesse sido bem claro em dizer que eu não podia sair daqui com essas folhas na mão – gesticulei para a escrivaninha. – Sem contar que me deixou sozinha esse tempo todo.

Ele se aproximou de mim com um leve sorriso de canto, como se simplesmente não temesse a irritação de minhas palavras, ignorando meu mau-humor por completo. Notei que em suas mãos haviam duas canecas vermelhas de porcelana. O príncipe estendeu uma em minha direção, a qual peguei ainda com um pouco de raiva.

— Sinto muito, eu não estava bem antes. E também não queria te atrapalhar. – Alexander tinha voltado com seu semblante calmo e sincero, o que me fazia desistir de minha própria raiva. – Mas saiba que eu levei dias para ler tudo isso, jamais cobraria que fizesse tudo em uma noite.

O acordo prevalecia entre nós, e eu sentia que suas palavras eram verdadeiras, bem como suas desculpas. No entanto, Illéa e minha liberdade não tinham tempo a perder. Precisava forjar estratégias logo.

— Avery?

Chacoalhei a cabeça ao notar que estava olhando fixamente a bebida escura dentro da caneca, em um transe de sono e raciocínio lento. Café.

— Escutei o que disse – olhei em seus olhos, ele também aparentava não ter dormido naquela noite. – Depois conversamos melhor sobre isso.

Beberiquei a caneca, sentindo o amargor preencher toda a minha boca. Dobrei os lábios de tão delicioso.

— Sei que meu café é ótimo – Alexander fez uma expressão convencida, seu rosto cansado o tornava ainda mais atraente.

Dei de ombros, bebendo mais um pouco a fim de ignorá-lo. Logo fui atrás de meus coturnos e meias, enquanto ele dava uma olhada nas anotações que eu havia feito.

— Por Deus, você fez um ótimo trabalho, Avery!

O príncipe me encarou admirado, seu sorriso desmanchava completamente o cansaço de seus olhos, substituindo tudo por algo que parecia ser orgulho por mim ou esperança pelo próprio país. Fiz uma expressão convencida de volta, engolindo o resto de café que ainda tinha na caneca. A bebida era maravilhosa.

— Eu tento – falei ao tentar conter um bocejo.

— Estou em eterna dívida com você. – Posicionou a caneca na escrivaninha e arregaçou as mangas de sua camiseta. – Talvez eu possa começar a te recompensar de alguma forma...

Meu raciocínio era lento. No entanto, acompanhei bem os passos de Alexander até o piano, assim como vi de forma clara o momento em que ele colocou uma partitura em específico a sua frente, dando uma olhada rápida e arregaçando as mangas de sua camiseta fina. Quando a melodia de “Clair de Lune” começou a preencher o quarto, meu coração palpitou em cada nota que saía do instrumento. Eu podia facilmente esquecer meu cansaço e os problemas de antes, meu cérebro estava anestesiado.

E como se fosse um truque de mágica, os primeiros raios de sol da manhã começaram a penetrar as cortinas das venezianas, deixando o ambiente em tons dourados. A simplicidade da melodia e os poucos móveis dos aposentos ajudavam os sons a ecoarem diretamente em minha alma, que parecia se resplandecer pela primeira vez desde a morte de minha mãe. Uma lágrima escapou, e nem me contentei em limpá-la, estava de volta nos tempos da minha infância em que eu era amada e querida. Era cálido como uma lareira no inverno.

Eu olhava quase que por encanto as costas largas e musculosas do príncipe, tocando com maestria e foco em cada tecla com o máximo de seu esplendor. Seu perfeccionismo era tão grande que a música se tornava divina para meus tímpanos. Quando ele finalmente terminou o último acorde, eu ainda podia escutar com clareza o reverberar dos sons em tudo ao meu redor e dentro de mim.

Depois de alguns segundos, Alexander se virou com uma expressão receosa, mas tudo o que pude fazer foi ficar boquiaberta em um estado de profunda maravilha.

— Faz tempo que não toco, pode não ter sido...

— Foi perfeito! – eu o interrompi, mexendo a cabeça para confirmar ainda mais minha sentença. – Você é mais talentoso que minha mãe.

Por mais que nunca comparasse a rainha Miranda com ninguém, talvez aquele fosse o momento para uma primeira vez. Sentia-me com oito anos novamente, uma nação em paz e um amor materno infinito.

— Isso é um elogio e tanto – Alexander sorriu e fez uma mesura para mostrar o quão lisonjeado se sentia. – Sempre que quiser, posso tocar para você.

Desviei nossos olhares, tentando conter minhas emoções. Ele conseguia ser tão agradável, tão incrível em alguns instantes, mal se parecia com o príncipe preguiçoso e antipático que às vezes teimava em ser. Talvez as preocupações dele fossem puramente por interesse, caso me agradasse eu me tornaria ainda mais produtiva em ajudar Illéa. No entanto, o respeito que Alexander demonstrava pela memória de minha mãe era algo que poucos conseguiam atingir de forma tão genuína, ele sabia exatamente o que ela significava para mim, e não ousava ir contra isso.

Com tantos pensamentos me rondando, senti o cansaço pesar em meus olhos. Ler todos aqueles relatórios enfadonhos havia sido um sacrifício, mas no fundo eu só conseguia me sentir feliz por tê-lo feito. Ele havia me confiado informações cruciais de Illéa, e sentia que se desse mais do que Alexander esperava de mim, talvez conseguisse sua confiança de forma definitiva, o que me faria ganhar tempo.

Então, lembrei-me da carta de Thomas, das táticas de espionagem secretas de meu país que ele me enviara. Meu cérebro estava em cacos, porém aquilo não parecia má ideia no fim das contas.

O príncipe me encarava atentamente, tentando descobrir o que quer que se passasse em minha cabeça. Eu estava insana, só podia ser.

— Tenho algo que pode ajudar Illéa. Talvez isso me garanta mais algumas músicas no piano. – falei, um sorriso cansado e bobo se formava em meus lábios.

Lancei um último olhar para Alexander antes de sair pela porta. E, por um segundo, achei que suas íris brilharam.


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Notas finais do capítulo

Alex e Avery estão se dando bem. Mas será mesmo que esse 'casamento arranjado' ainda está mesmo de pé?
Bom, fica aí o questionamento para vocês...
Obrigada por todos os leitores e comentários até agora ♥