Avalanche escrita por Aarvyk


Capítulo 12
Passado


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura, meus caros! E Lauri, se você estiver a ler isso, saiba que lhe mando saudações brasileiras e um belíssimo HALA MADRID!



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Depois de pedir a Dallas que atirássemos com arco em outra tarde, corri para me trancar em meus aposentos. Minhas mãos tremiam ao segurar aquela carta, mesmo que eu não tivesse lido uma palavra sequer de seu conteúdo. Thomas não falava comigo há anos e, em um estalar dedos, havia voltado para ser o patriarca da família Schmidt e o Lorde conselheiro de meu irmão. Era tão suspeito que eu só podia imaginar que ele estava por trás das estratégias de Cam ao me tirar do trono. Só podia ser algo além de Desmond e de minha segurança como princesa, algo pessoal. Por mais que me sentisse livre em Illéa, dava para saber que a tensão daquele país crescia ao ler os jornais. Liberdade sem segurança não deixava de ser medo.

Pensar que meu gêmeo se renderia os impulsos de Thomas me fez querer vomitar, isso não combinava com ele. Foram quatro longos anos lidando com a Câmara dos Comuns, o peso da ausência de Desmond em suas bebedeiras havia recaído em meus ombros completamente após a morte de mamãe. Por mais que meu pai me controlasse das piores formas, a coroa era tão minha quanto de qualquer outro Black.

Por fim, quando minha cabeça quase colapsava de curiosidade e meu coração quase saltava do peito, rompi o lacre do envelope branco, os dedos trêmulos e frios sentiam com estranheza aquela textura gratinada. Havia cerca de dez folhas que pareciam documentos da Nova Inglaterra, cheios de informações que eu mal conseguia ler no estado de torpor, o que apenas me deixava mais confusa com o motivo da carta. No entanto, meus olhos ansiosos buscavam incansavelmente algo a mais no meio daquilo tudo, alguma simples mensagem ou explicação. Depois de alguns instantes, encontrei um pequeno bilhete de papel bege com a caligrafia de Thomas entre as folhas.

Minhas íris pareciam pegar fogo, eu lia cada palavra como se fosse uma sentença de morte.

            “Avery,

            Tomei a liberdade de buscar algumas informações sobre a situação de Illéa, as quais encaminho por meio desta carta. Para o bem de sua segurança, ande sempre acompanhada de seus guardas e fique alerta a todo momento.

            Imagino que o tempo a tenha trazido ainda mais altivez e inteligência do que já possuía em seus meros catorze anos. Confio em seu potencial acima de tudo. Caso haja qualquer urgência, me acalma saber que possui meu contato.

            Por favor, se cuide. E não hesite em pedir ajuda.

                                                                                                          — T. S.”

Reli algumas vezes para ver se tinha entendido os significados de cada premissa. Algumas lágrimas escorriam por minhas bochechas coradas sem ter um por quê. Mesmo depois de anos, Thomas continuava o mesmo, exceto por sua excessiva preocupação em me fazer pedir sua ajuda. Ele era distante e caloroso, o suficiente para falar muito com as poucas palavras que manejava. Eu repudiava aquilo, simplesmente repudiava.

Do que bastava ser contido e se preocupar comigo depois que minha mãe havia morrido? Do que adiantaria estar ajudando Cam sendo eu a próxima rainha? Do que seria útil me tirar de um trono que era meu por direito?

Lágrimas de fúria manchavam os documentos, eu estava em chamas. Passei os olhos superficialmente pelas folhas, jogando as no chão em um movimento desesperado. Não queria nada que viesse do homem que tinha ajudado a me destronar e me mover para o outro lado do mundo. Eu me sentia potente como a própria impulsividade, tão auspiciosa quanto uma imperatriz. Não daria a Thomas o luxo de implorar por sua ajuda.

E com esse pensamento em mente, andei furiosa até a escrivaninha, meus passos eram terremotos pelo castelo, mostrando que ninguém passava por cima de Avery Black. Procurei nas gavetas até encontrar o que desejava: o cartão amassado com o contato de Thomas. No mesmo instante, eu o rasguei em dois, jogando-o ao chão para se juntar com a sinfonia de caos que meu quarto emanava.

Não queria pensar em nenhum Schmidt, Jasper era confuso demais em seus sentimentos por mim, mas o irmão dele conseguia ser pior ainda.

Soltei um urro frustrado e bati na escrivaninha, amaldiçoando aquele jogo de poderes que só tirava tudo de mim.

No dia seguinte, fiz minhas refeições no quarto, mal havia conseguido dormir e estava com uma péssima aparência. Não queria que ninguém me visse daquela forma. No entanto, havia passado quase toda a noite em claro lendo e relendo os papéis de Thomas, por mais que eu odiasse admitir, as informações eram valiosas para Illéa, como estratégias de espionagem usadas pelo Exército Inglês e algumas artimanhas de táticas especiais.

Aquilo era perfeito para a posição a qual eu estava, poderia oferecer os segredos militares da Nova Inglaterra em troca da confiança de Alexander. Nossa aliança era clara, e se eu oferecesse as informações para ele deixaria ainda mais visível que daria um jeito na situação de Illéa, aprofundaria nossos laços. Aquele casamento precisava ser desfeito a qualquer custo, e meu cérebro queria pensar na melhor alternativa.

— Princesa – a voz de Lina me preencheu, tirando-me de uma só vez de minha mente. – O príncipe deseja vê-la.

Eu havia esquecido completamente o nosso encontro. Íamos andar a cavalo. Levantei da cama em um solavanco, constatando que precisava com urgência melhorar as olheiras e achar o boné de Dallas para andar sob o sol.

— Peça para que ele espere alguns minutos – falei para a criada, vendo que Eli também estava presente, se apressando em pegar algumas maquiagens.

Em alguns poucos minutos, ela havia conseguido diminuir um pouco minhas olheiras e fazer uma trança simples em meu cabelo. Vesti o boné por último, e saí imediatamente para ver Alexander.

O príncipe parecia impaciente, olhando um relógio em seu pulso com frequência. Quando seus olhos cor de mel se chocaram com os meus, notei que algo incompreensível nele havia mudado. Alexander usava calças um pouco gastas de jeans e uma camiseta branca como sempre. Por mais que as calças me impressionassem, fingi que não havia nada demais naquilo.

Ele sorriu, não estava irritado apesar de tudo.

— Você é uma péssima inglesa, Avery – disse, referindo-se a minha pontualidade.

— Obrigada? 

Sorri com um pouco de ironia nos lábios, ainda era estranho vê-lo me chamando apenas pelo nome.

Alexander me ofereceu seu braço, o qual aceitei sem pestanejar, e então caminhamos silenciosamente pelo castelo até a área dos estábulos. Quando andamos no sol, o boné se provou um grande aliado, eu conseguia enxergar quase perfeitamente as belas árvores que formavam quase uma floresta em um canto do terreno.

Havia um senhor de quase meia idade segurando as rédeas dos dois cavalos que iríamos usar. Ele acenou animado para Alexander com a mão livre, pareciam grandes amigos. Era estranho vê-lo descontraído.

— Então essa é a famosa princesa? – o pequeno bigode do homem se mexia a cada palavra que pronunciava, era cômico.

— Sim, senhor Woodwork – Alexander respondeu entre algumas risadas. – Mas deixe-nos por hoje. Prometo que em outro dia viremos aqui para passar a tarde com o senhor e a senhorita Marlee.

O príncipe piscou um de seus olhos para mim. Uma parte de minha mente desconfiava daquilo, porém eu me sentia melhor quando não existia mais tensão e nervosismo entre nós. Dava para ver que ele se esforçava, tudo em favor de seu país.

Alexander rapidamente pegou as rédeas dos cavalos, um deles era marrom e branco, mas o outro possuía uma coloração de preto que chegava a machucar meus olhos de tão brilhante.

— Sabia que iria adorar o Átila – disse, estendendo as rédeas do cavalo escuro, encarando-me de forma tão profunda que eu quis sumir. – Você não parece bem. Foi aquela carta?

Contraí meus olhos. Minhas emoções eram claras, e o motivo delas também. Não havia como escapar, talvez ele só estivesse preocupado como um aliado deveria estar, talvez apenas quisesse se certificar de que eu estava apta para ajudar Illéa.

— Sim, mas resolverei em breve – trisquei em seus dedos quando peguei as rédeas, era incrível como a pele dele tinha tanto calor. – E como andam seus planos diabólicos?

Montamos em nossos cavalos ao mesmo tempo, enquanto ele fazia uma expressão icônica ao erguer o queixo anguloso. O orgulho existia em Alexander Schreave da melhor forma possível, não parecia ser destrutivo, mas poderia levá-lo a uma vida trágica mesmo que tivesse boas intenções.

— Consegui recolher algumas coisas importantes que gostaria de saber sua análise – disse, enquanto vislumbrava a beleza de sua própria casa. – Mas temos mais assuntos para conversar.

A pelagem do cavalo refletia o sol de uma forma linda, por mais que meus olhos doessem um pouco, eu estava fascinada com Átila.

— Quais assuntos, Alexander? – chamá-lo pelo nome era igualmente estranho, nossa proximidade começava a me parecer com a que eu tinha com poucas pessoas.

Sem delongas, ele olhou em meus olhos com a mesma sinceridade de antes, desarmando as partes racionais de mim que queria desconfiar dele. Eu não podia me render tão facilmente, mas queria muito ter um confidente naquele lugar.

— Minha mãe está preocupada – seu timbre rouco se misturava com uma certa melancolia, era claro como o dia o quanto ele amava a rainha. – Ela não queria que as coisas chegassem a esse ponto... Nem ela e nem meu pai...

Eu o olhava confusa, não conseguia entender o sentido daquelas palavras.

— Você diz sobre uma possível guerra?

— Também! – Alexander acelerou o passo com seu cavalo, ele estava visivelmente frustrado ao se expressar. Tentei acompanha-lo. – Talvez eu deva ser sincero com você depois de ter feito com que viajasse para outro continente.

Suspirei, acariciando o cavalo.

— Pelo menos alguém no meio disso tudo parece compreensivo – Soava sarcástico, mas o príncipe pareceu levar como um elogio.

— Eu tento – revirou os ombros de forma infantil. – Bom, confesso que foi ideia de Kaya mandar uma carta secreta para o seu irmão. Só que eu não fazia ideia de que ele responderia daquela forma... E que eventualmente os dois iriam...

— Se apaixonar – completei, minha garganta doía só em falar aquelas palavras.

Alexander semicerrou os olhos ao me encarar, parecia envergonhado ao estar sendo tão aberto em seus pensamentos. Ele era tão fechado e sério que eu quase não conseguia engolir as informações.

— Também não imaginei que príncipe Cameron iria propor nosso casamento, o que acho que envolve questões políticas entre vocês dois – disse, parando de andar com seu cavalo. – Não quero me envolver nas brigas do trono inglês, mas me parece que rei Desmond teve gêmeos extremamente capazes de assumir o trono, seja você ou o seu gêmeo. Por outro lado, Mason ainda irá demorar muito para sequer conseguir ajudar meu pai nas questões que nosso país precisa.

Ao escutar o nome do meu genitor, um calafrio subiu por minha espinha. Parecia que mesmo depois de semanas as cicatrizes nas costas ainda doíam. Abaixei o olhar por um momento, constatando que tudo o que Alexander dizia parecia verdade. Famílias reais faziam sacrifícios enormes por suas nações, seja matar ou vender as próprias liberdades, e eu sabia que Cameron tinha esse perfil, assim como eu. Éramos gêmeos, a inteligência de um complementava a do outro, tinham a mesma raiz.

— Admiro sua preocupação pelas pessoas que ama – falei, meus olhos lutavam contra emoções reprimidas. – A Nova Inglaterra também possui seus desafios, por mais que os tempos sejam de paz. Isso não se restringe somente a Illéa.

— Eu sei. – Ele alterou o tom de voz, falando um pouco mais alto do que sua voz costumava ser. – Só consigo odiar isso tudo, a falta de escolhas em uma vida privilegiada. Minha mãe não queria que nos casássemos dessa forma...

Algo em mim parecia se conectar diretamente com aquelas palavras.       

Os batimentos de meu coração se aceleraram um pouco. Eu mal conseguia me lembrar se meus pais haviam casado porque se amavam ou não. Parando para analisar, somente tinha a informação de que minha mãe provinha de uma família tão nobre quanto os Schmidt. Ela era uma Johnson, que aconselhavam o rei Desmond I, mas sofreram um embargo econômico e faliram miseravelmente. Meus avós maternos eram um mistério, diziam que eles foram assassinados durante a última guerra inglesa, na qual mamãe também havia sido morta. Nunca conheci nenhum deles, sequer fizeram falta.

Suspirei.

— Eu compreendo bem – consegui ser verdadeira em minha fala, o que deixou Alexander surpreso e de olhos desconcertados.

— Vou fazer o possível para reverter isso tudo, assim como combinamos. Mas quero me prometa uma coisa, Avery.

— Sou toda ouvidos.

Ambos encostamos nossas pernas, um ao lado do outro se encarando intensamente, parecíamos tentar ler a expressão facial que emanávamos. Éramos completos desconhecidos, apesar dos apesares. E meus olhos esverdeados eram amargos demais para aquele doce olhar desinteressado de Alexander. Ele parecia puro demais sob o sol de Angeles, bom demais para esse país à beira do caos. Minha alma era suja em sua presença e eu me sentia apenas disposta a manter distância.

— Prometa que vai ser sincera comigo, como está sendo agora, Avery. – Sua voz soava brilhante como o ouro. –  Você terá o mesmo de mim. Estou cansado das meias-verdades que todos mantém.

SIM.

Não queria dar o braço a torcer, mas estava esgotada. Precisava de alguém, mas não tinha ninguém. Era uma coisa tão simples que eu não podia negar, mas nem meu próprio irmão conseguiu me dar. Fechei os olhos por alguns instantes.

E com o máximo de minha insanidade, me rendi sem questionar à guerra silenciosa que travávamos com olhares.

— Prometo.


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Notas finais do capítulo

Bom, esse Thomas é um mistério e Alexander é um bipolar????? Não sei... Veremos...
Obrigada pela leitura, amados!