Mira escrita por annacrônica


Capítulo 1
Capítulo 1




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Tem alguém dentro de mim.

Literalmente.

Meu corpo continua sendo meu, mas não é como se eu o controlasse. Meus braços se mexem conforme o intruso manda. Minhas pernas correm com a força que ele manda correrem. Eu vejo seus pensamentos. Vejo o que ele vê, sinto o que ele sente, escuto o que ele escuta e tenho o que ele tem.

Estou possuída.

Estou possuída?

Não creio em Deus. Seria isso uma punição por minha falta de devoção ou fé? Mas, se Ele é realmente bom como todos dizem, por que me puniria por algo que milhões de seres humanos fazem? Afinal, somos humanos. Nascemos para errar. Pensamos para errar. Morremos para errar. Talvez a própria ação de viver, pensar e morrer seja um erro; quem sabe? Bem, Deus deveria saber, já que Ele nos criou como essa forma mortal que somos.

O que leva a questão final: o que está dentro de mim? E por quê?

Certo, talvez sejam duas perguntas.

O fato é que, num belo dia qualquer da minha vida, eu acordei. Na verdade, ele acordou. Daí em diante, ele me controlou. E eu nada podia fazer, senão observar de dentro. Eu era uma prisioneira dentro do meu próprio corpo. Onde estava o livre arbítrio?

Lutei mais que o inferno para conseguir tirar essa coisa de dentro de mim. Berrei, esperneei, me concentrei num mínimo movimento de mindinho, para mostrar que eu ainda estava ali. Mas acontece que o ser dentro de mim não parecia nem notar que tinha algo ou alguém se remexendo por perto.

Ele, quem apelidei carinhosamente de Mira – “estranho”, em latim, viveu minha vida como se fosse eu. De alguma forma, conseguia acessar minhas memórias e conversar com meus amigos normalmente. Tentei criar um muro ou algo qualquer para impedi-lo de entrar no meu inconsciente, mas era inútil. Ele simplesmente entrava na cabeça e se divertia com minhas memórias e sensações.

Eu era uma prisioneira dentro do meu próprio corpo, dentro de minha própria mente. Uma inútil.

Mira às vezes conversava comigo. Falava coisas do tipo “veja, não é tão ruim ficar trancada ai dentro, eu consigo melhorar algumas coisa para você.” Não, não conseguia, amigo. Não sabe como é estar preso. Muito menos, muito menos dentro de seu próprio corpo. E isso só me deixava mais brava do que alguma vez já estive. Ele parecia querer melhorar minha vida, de alguma forma. Parecia se importar comigo. Mas eu realmente não me interessava com o motivo de estar dentro de mim, e sim o porquê de estar me controlando. Como isso era meramente possível? Sei que nada sabemos desse mundo e dessa vida, mas não é como se isso fosse, bem, comum.

Na verdade, Mira era uma garota. Ou pelo o menos tinha sido uma garota alguma vez na vida, por que a forma que ela observava os garotos era quase obscena. Eu tinha vontade de virar a cara toda vez que um menino passava, mas, bem, não dava para controlar minha cabeça. E, por incrível que pareça, os garotos gostavam da forma que eram observados. Com os hormônios a flor da doce pele de seus 17 ou 18 anos, eles se sentiam privilegiados por uma garota como eu olha-los com tanta frequência.

Uma garota como eu é algo do tipo de uma modelo internacional que ainda estuda numa escola para tentar ter um pouco de normalidade na vida.

Como dá para perceber, não era exatamente normal naquela escola.

Cansava de espantar bajuladores e interesseiros, mas sempre novos criavam e voltavam a encher meu saco. Aos poucos, acabei me tornando... esnobe. Não exatamente esnobe, mas acabei ficando seca e fria com relação as novas pessoas que chegavam na escola e que logo tentavam colar no grupinho que normalmente me seguia pelos corredores, me dando a fama de patricinha metida só por que é famosa. Não. As pessoas precisam entender que não exatamente isso que acontecia. Tudo tem um motivo.

Menos essa coisa me possuindo. Isso, eu realmente não conseguia encontrar nada que pudesse ser levando em conta para meu desastre atual. E ela também não parecia se importar por estar tomando preciosos dias da minha vida, como qualquer ser humano comum faria, se estivesse no lugar dela.

Mas desde nunca eu fui um ser humano comum, o que pode ser um dos fatores para estar presa nesse lugar.

Portanto, a culpa é devidamente aplicada a mim mesma.

Por que exatamente esse demônio tinha que se apossar de mim? Deus não podia, sei lá, matar alguém próximo meu para me fazer sofrer de culpa? Provavelmente não. Ele deve saber o quão pior que morrer isso deve ser.

Oh, merda.


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