Ravena escrita por Gabriel C Zinn


Capítulo 4
Em meio termo


Notas iniciais do capítulo

Quarto capítulo!! Corre que tem bomba!



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Meus pais, meu irmão ouvindo música ao meu lado. Era diferente aquilo. Me percorreu uma sensação de conforto, de paz, de alívio. Então eu abri os olhos. Mas tinha alguma coisa errada. Não estava mais no carro, estava fora, olhando bombeiros e médicos correndo para todos lados.

– Mãe? Pai? Derek? - gritei olhando para todos os lados.

Realmente está acontecendo alguma coisa aqui. Tem dois carros despedaçados, e um deles é o carro de papai. Me aproximo lentamente, em choque, e vejo que a neve está vermelha. Tem sangue na neve! Pessoas morreram aqui.

– Pai! Mãe! Derek! Pelo amor de Deus, apareçam. – eu comecei a enlouquecer.

Então cheguei mais perto e os vi. Eles estavam ali, deitados, com os olhinhos fechados. Derek não tinha mais seus fones no ouvido, mamãe estava calma e papai tinha um ar sério. Os chamei. Eles não responderam. Gritei várias e várias vezes, mas eles não responderam.

Mas, então, eu vi algo muito pior. Eu vi outra pessoa. Eu estava ali, deitada, também com os olhos fechados. Eu... estou morta? Mas, como estou aqui? Estou morrendo? O que está havendo comigo? Eu estou aqui, mas ao mesmo tempo não estou! E esta roupa que estou usando? Não é a mesma roupa a qual vesti antes de sair. Vestido de seda branco com um véu rosa bebê em cima. Se estou morta por que estou me vendo?

Me abaixei perto de mim mesma. Tentei tocar minha pele branca, que aparentemente está congelando, mas minha mão atravessou. Meus olhos lacrimejavam, minha mão tremia muito, e eu estava vivendo a morte.

Senti uma mão fria me tocando. Me virei assustada.

– Ravena – chamou uma mulher. Tia Clara? Fiquei apavorada por que tia Clara morreu a alguns cinco anos atrás, mas continua a mesma vívida mulher de sempre. Tentei abraça-la, sem chance.

– Escute, querida. A vontade de lutar está com você agora. Lute o quanto puder, ouviu?

– Mas...Mas... O que está havendo, tia? Por que tudo isso?

– Você está viva na alma, fisicamente está em coma. Tente de todas as formas voltar a si mesma. – e ela fez uma pausa - Ravena me escute, a vida te pregou uma peça. A vida te levou de repente, você vai ter a chance de retornar. Desvende esse enigma, você consegue minha flor.

– Mas... - uma lágrima escorreu do meu olho e pude sentir que aquilo era quase real.

– Sua família estará sempre aí, dentro do seu coração. Só que agora é com você, apenas você. Faça jus aos acontecimentos. Agora vá querida. E lute...

– Tia... tia... – e então ela foi se distanciando de mim. O que estaria ocorrendo?

Minha tia morta veio falar comigo? Enxuguei a lágrima que escorria do meu olho. Resumindo, eu podia me tocar, mas não podia me sentir.

Os médicos, todos pasmos com aquilo, começaram a tentar de tudo para que eu reagisse. Porém, não consegui voltar. Não sei o que está acontecendo! Mas acharei uma resposta para tudo. Não vai adiantar ficar aqui e observar, eu preciso agir. Acredito em mim. A vontade de lutar está comigo agora. Mesmo não sabendo para onde devo ir, ou por onde começar. Vamos Ravena, mostre pra você mesma que você é mais.

Me levantei, segurando o vestido, com os olhos borrados. Olhei para todos os lados. Foi como em câmera lenta, os médicos passando, os bombeiros, as pessoas desesperadas. E aquele cenário foi desaparecendo aos poucos, até que eu não estava mais no local do acidente.

Eu estava deitada, de olhos fechados, com vários equipamentos me rodeando. Estava num quarto fechado, porta fechada, médicos em volta de minha cama. A Ravena que sofreu o acidente está desacordada. Sim, eu estava no hospital. Parei para refletir uma coisa. Por que as pessoas me odiavam tanto? Eu não sou tão feia assim vendo de longe. Eu até que sou bonitinha. Porém, não sabia se eu estava ou não respirando. O que? Não estou ficando louca.

Chorei ao me ver daquele jeito. Cadê mamãe? Cadê papai? Cadê meu irmão? Chorei ainda mais. Fui em direção a porta, mas quando encostei na maçaneta, minha mão a atravessou. Eu gritei tão alto que até eu me assustei. Virei para os médicos para ter certeza de que não se assustaram com meu grito, mas tudo estava normal. Era como se eles não tivessem me ouvido. Lentamente, atravessei a porta. Eu podia passar paredes, portas, muros, e tudo o mais. Muitas pessoas sonham em ser invisível para atravessar uma parede, não sonhem mais com isso.

Corri pelos corredores atrás da minha família. Gritei, chorei, me desesperei. Então encontrei uma sala de cirurgia, várias pessoas em volta, e meu pai na maca. Enquanto a cirurgia era feita, eu gritava o nome do meu pai. Bati em várias pessoas, chutei vários armários, mas tudo estava como antes.

– E parece que a filha foi a mais prejudicada... - disse o cirurgião. Eles estavam falando de mim.

– Ouvi dizer que está em coma gravíssimo. - disse um médico.

– Não! Eu estou aqui! Bem aqui! - gritei, sem retorno.

– Ela pode acordar hoje, pode acordar amanhã, pode acordar daqui trinta anos... Ou pode nunca mais acordar! - complementou o cirurgião.

Eu estou em coma definitivamente. Sofri um acidente, entrei em coma, mas minha alma saiu do meu corpo para viver um meio termo. E esse meio termo sou eu, aqui, agora.

Passou-se um dia, agora já é sexta feira. Ouvi uma pessoa dizer que daria a notícia do meu coma no colégio para todos saberem. Era um homem, encaminhado do próprio hospital, que levaria a notícia bombástica. Acredito pouco que eles ainda não saibam, por que já devo ser manchete na TV. Quer dizer, só eu não, minha família toda.

Segui o cara até o colégio. Revivi tudo aquilo. Vi Amber, Anna, Fleur... Brad! Brad estava sentado, estudando no refeitório. Amber e as outras meninas estavam rindo e falando de garotos na sala de aula. Dei uma rápida andada no colégio para saber o que estava acontecendo.

O homem que daria a notícia entrou na sala da direção e avisou a diretora, que caiu como pedra na cadeira. Ficou intacta, calada, tentando pegar um ar. Saí da direção e tomei a decência de esperar lá fora. Alguns minutos se passaram e os dois saíram da sala. O sino bateu e a movimentação nos corredores aumentou. Alguns segundos depois os alunos já estavam nas salas. A diretora seguiu rumo a minha sala em primeiro lugar e avisou que tinha um comunicado urgente.

Não vi Jenni. Droga! Faltou justo hoje. Deve ter me ligado várias vezes, deve ter deixado mensagens na minha caixa várias vezes, mas eu não estou mais lá para responde-la. Quando ela souber...

Enfim, a diretora começou calmamente para não assustar ninguém. Depois ouvi meu nome e o discurso alongou ainda mais. Fiquei tensa. Quando ela disse “e ela infelizmente está em coma gravíssimo”, vi a tensão e o desespero no olho de cada aluno. No olho de Amber, no olho de Anna, no olho de Brad, e de todos os outros. Todos assustados. Brad deixou sua cabeça pender na carteira e eu não resisti. Chorei. Saí correndo da sala deixando as lágrimas escorrerem selvagemente pelos meus olhos. Corri, mesmo sabendo que ninguém mais correria atrás de mim, como por exemplo o Brad. Não queria mais ver isso.

Tardou, mas cheguei de volta ao hospital. Descobri que objetos que não se alteram com a movimentação humana são tocáveis. Por exemplo, a cadeira do meu quarto do hospital, consigo senti-la quando não há ninguém nela. Fiquei sentada ao lado da minha cama, refletindo. Já estava anoitecendo. Meus dias parecem passar mais rápidos do que nunca.

Ouvi passos lentos e então a porta se abriu. Ninguém menos que Brad entrou.

Pulei da cadeira e o abracei. Eu o abracei muito forte, senti o cheiro dele, o beijei muito. Ele continuou andando como se eu não estivesse ali, e eu não estava. Ele não pode me ver, não pode me sentir. Quando viu a Ravena em coma, chorou, e deixou algumas flores num vaso com água na cabeceira.

Pegou na minha mão e chorou. Chorou muito.

– Eu sinto tanto! - ele chorava. Eu chorei com ele – Rav, minha Ravena, eu sinto tanto mesmo! Eu devia ter pegado você só pra mim, devia ter te raptado só para mim.

Quando eu disse que ele só estava comigo por sexo, me enganei. Se fosse verdade, ele nem teria vindo me ver. Ele sempre foi transparente comigo. Do jeito que era comigo, era longe de mim. O julguei mal.

Ele recostou sua testa na costa da minha mão e chorou inconsolavelmente. Arduamente. Eu não conseguia presenciar aquilo, ver que eu tinha tudo e perdi. Eu finalmente tinha alguém para dizer “te amo” e ser retribuída. O Brad me amava, sei disso. Mas o perdi.

Quando deu 19:00 da noite o relógio do quarto fez três sons estranhos, como três badaladas de sino. Era um som alto, não sei como Brad não ouviu. Observei atentamente Brad, mas de repente eu já não estava mais ali. De repente tudo sumiu, o quarto de hospital sumiu, o Brad e a Ravena não estavam mais lá. Como aconteceu daquela vez, eu estava já em outro lugar.

Eu estava sentada no vaso sanitário do banheiro do hospital, a tampa do vaso fechada. Encarei a porta do sanitário. Olhei em volta, não tinha nada para ser visto a não ser o real banheiro. Estranhei de cara. Por que estou aqui?

Então eu percebi e me desespero. Primeiro olhei para mim, depois para minhas mãos, e vi que meu corpo estava ali. Toquei a maçaneta, e a senti. Eu estava sentindo tudo. Abri a porta e bati o olho no espelho. Tinha uma pessoa lá, e essa pessoa era eu. Mas não eu de verdade, não o rosto da Ravena. Eu tinha outro rosto, outro corpo. Como se eu tivesse pegado um corpo qualquer e entrado nele para viver isso. É isso! Minha alma emprestou um corpo para viver de novo. Quer dizer, como viver de novo?

A verdade absoluta era que eu não estava ali, mas, de certa forma, estava.


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Notas finais do capítulo

Isso aí! "A nova Ravena" é o próximo capítulo, não percam!!



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