Ainda tonta, e sentindo o corpo pesar tento me apoiar em um dos braços e rastejar, e o observo se debatendo contra a parede, até que finalmente ele para. Ele está chorando, mas os gritos param. Ele olha ao redor – como se tentando entender o que aconteceu – e fita os olhos em mim, depois olha para suas mãos, assustado.

– Eu … eu – ele chora e vai andando para trás

Não consigo dizer nada, o medo me torna uma Avox.

– Katniss eu... - ele olha novamente para suas mãos – você … Oh! - ele grita – Não! Me perdoa, por favor, eu não quis... - ele sai do quarto correndo e vai embora.

Antes que eu termine de dizer seu nome, ele me deixa.

Já deitada na cama abro e fecho meus olhos, desejando que tenha sido mais um pesadelo. Mas não acontece, foi real.

Sento na cama. Atônita. E flashes de todo o lixo que minha vida já não muito boa se tornou. A lista de perdas é tão grande que não cabe em minhas mãos contá-los. Sempre procurei pagar as dívidas que tive, mas como poderia retribuir Finnick? Boggs? E outras milhares de vidas perdidas em nome da revolução que eu incitei? Eu só queria salvar minha irmã, poupar Prim de uma morte cruel e exposta nos Jogos e não atingi meu objetivo. Meu objetivo era pagar a Peeta a maldita dívida do pão, mante-lo vivo, e agora ele vive em um inferno constante por minha culpa. Eu só deveria alimentar minha mãe, e hoje estamos mais distantes do que nunca. “Mas você livrou Panem, Katniss Everdeen – nosso tordo”, livrei pessoas desconhecidas de um futuro aterrorizante e no fim das contas destruí quem amava. Não há vencedores – apenas sobreviventes.

Consigo dormir novamente, sem sonhos ou pesadelos, e o dia se passa lentamente sem a presença de Peeta. Decido não ir até sua casa, aposto que o último rosto que ele queira ver agora é o meu. Eu não como nada- apenas penso nele e em tudo – passo o dia na cama, me levanto apenas para tomar banho e beber água. Sinto falta dele, sinto tanta saudade que dói. Aquelas malditas imagens dos Jogos me perseguem, a voz, o toque e até sua comida se tornaram necessários pra mim. Queria tanto o garoto do pão de volta, mas ele não vai voltar, nunca mais. Snow tirou o amor de Peeta por mim, ele conseguiu destruir a única coisa sincera que poderíamos um dia ter juntos.

Escuto sons vindo da cozinha, corro até a escada desejando desesperadamente vê-lo, e encontro Grease Say

– Oh! Eu não queria te acordar.

– Oi Greasy – me aproximo da mesa, sentindo o aroma de café fresco

– Como está?

– Bem – minto

– Com fome?

Dou de ombros.

– Café? - me estende uma xícara que eu aceito – Cheguei hoje pela manhã, na verdade no primeiro trem.

Pode parecer egoísta da minha parte, mas não quero lhe perguntar nada, não me interessa o que Greasy fez, então nada digo.

– Passou bem esses dias? - ela se movimenta na cozinha

– Passei – tomo um gole do café – e você?

– Ah foi ótimo lá, na verdade...

Meu cérebro desliga e não escuto uma palavra do que ela diz, meus olhos procuram na mesa algum pão, croissant, rosquinhas, qualquer coisa que poderia ter sido feita por ele, mas encontro apenas biscoitos industrializados.

– Katniss? - ela passa a mãos sobre meus olhos como se certificando que eu enxergasse

– Ah! Oi... eu só estava

Greasy suspira:

– Eu realmente acreditei que poderia te encontrar melhor – ela murmura tão baixo que quase não a ouço – Preciso ir, tchau querida – ela pega sua bolsa, destranca a porta e sai

Ele não mandou pães, não cozinhou, ele cozinha todos os dias. Será que foi só pra mim que ele não mandou nada? Será que Haymitch ganhou pães? Preciso saber. Troco de roupa e vou até a casa de Haymitch.

– Haymitch! - bato na porta já gritando – Haymitch! Haymitch abre a porta!

Escuto um barulho e alguns xingamentos – ele caiu. A porta e abre, e junto com ela chega a mim o cheiro forte de bebida e casa suja, me fazendo enjoar.

– Você recebeu pães hoje?

– O que? - ele mantém os olhos fechados

– Pães Haymitch! Peeta lhe mandou pães?

– O que você tem na cabeça, garota! Grita na minha porta pra me perguntar se eu tenho pão? Pelo amor de Deus Katniss – ele ameaça fecha a porta, então eu bato com força e entro em sua podre casa em busca dos pães - Não – ele bebe um gole – ele não me mandou nada hoje

– Haymitch – o medo toma conta de mim – aconteceu alguma coisa, ele não mandou os pães, mas ele cozinha todos os dias, eu não consigo ir até a casa dele e...

– Cala essa boca! - ele me interrompe – Ele não está aqui. Deixou esse bilhete na minha porta ainda hoje – ele me entrega um papel.

Haymitch,

Estou no Quatro por alguns dias, com o Dr. Aurelius.

Precisei vê-lo, não se preocupe.

Avise Katniss por mim.

Peeta