Digitei o endereço de Honolulu no painel e selecionei o Modo Avião.

Percy estava branco, mas eu nunca tive medo de avião antes de descobrir que era semideusa. Então não era tão ruim assim.

A máquina levantou vôo e foi bem rápido. Percy já parecia ter se acostumado com a altitude. Annabeth estava sentada no banco de trás folheando livros e mapas. O clima era gélido. Ninguém se falava. Eu por estar morrendo de medo da missão, Percy por estar quase infartando por seu medo de voar e Annabeth por estar concentrada.

Olhei pela janela. Estávamos sobrevando, provavelmente Las Vegas ou Nova Yorque. No escuro, milhares de cartazes de neon estavam acesos em restaurantes, hotéis e bares, sendo que milhões de prédios estavam acesos. O acampamento já havia ficado para trás há muito tempo.

Ouvi um livro se fechar com força no banco traseiro, quebrando o silêncio.

– Bom - disse Annabeth -, temos que ter um plano.

– Achei que tínhamos um plano. - Percy virou a cadeira (sim, as poltronas giravam também como cadeiras de escritório). Fiz o mesmo.

– Com mais detalhes. - Annabeth acendeu a lâmpada. - Carol, quanto tempo levaremos para chegar em Honolulu?

Percy deu uma risada, e fez Annabeth suspirar com impaciência. Virei para o painel e chequei as informações.

– Devemos chegar de manhã. - falei.

– Pousamos perto da praia. - sugeriu Percy. - Então vamos de submarino até o palácio do meu pai.

Annabeth fez uma careta.

– Será que é mesmo necessário interromper os afazeres do deus dos mares? Ele é o responsável por todas as ondas do mundo todo, se ele parar os surfistas vão ficar revoltados... Sem falar de que, se ele não gostar da nossa visita inesperada, é só ele estalar o dedos e pronto; nos afogamos.

– Annabeth, ele não afogaria seus filhos. - Acalmou-a Percy.

– Além do mais, foi ele que me chamou. Nos chamou. Seria mais provável ele se chatear se não formos. - argumentei.

– Eu sou filha de Atena. - lembrou Annabeth, com medo. - Ele poderia sim, me afogar se quisesse.

– Eu também sou. - falei. - ele não machucaria a minha irmã.

Era difícil dizer aquilo, era com se eu estivesse mentindo para mim mesma. Eu não conhecia meu pai. Como garantiria que ele não nos machucaria?

– Nem a minha namorada. - Percy sentou ao lado dela e a envolveu num braço. - É mais provável que sua mãe me mate.

Ele conseguiu arrancar um riso dela.

– Melhor dormirmos. - sugeri. - será uma viagem longa.

– Esse motor é realmente seguro? - Perguntou Percy.

– É. - respondemos eu e Annabeth juntas.

Annabeth colocou sua trança por cima do ombro.

– Eu conferi, é feito de aço biodegradável com combustível grego, isto é, dura quase um ano, sem falar de que foi feito um estepe e...

– Chega! - pediu Percy, e nós rimos. - Já entendi! - Ele abriu um baú e pegou travesseiros, resmungando: - Filhas de Atena...

Eu e Percy dormimos nas poltronas da frente, reclinadas, e Annabeth no sofá atrás. Leo havia colocado travesseiros e lençóis limpos num baú: ele realmente tinha pensado em tudo.

Eu estava tão cansada que adormeci rápido, mas meus sonhos não foram encorajadores.

Eu estava em uma sala vazia, sozinha. Para onde eu olhava, via imagens turvas de, provavelmente, monstros. Sempre que eu olhava para um, ele me atacava. Eu procurava pelo meu arco nas costas, mas ele e minha aljava de flechas não estavam ali. Tive que pegar minha espada Marevis, mas sempre que eu golpeava um monstro eu não acertava nada, como se ele fosse um holograma tentando me atacar e mudava de lugar. Então uma voz arrepiante, como o sibilar de uma cobra, traiçoeiro e maligno, começou a dizer:

– Menina da profecia. Filha de Poseidon, como o primeiro. Desprezo pelo mar, é o que eu tenho. Por que os heróis saem daquele esgoto sujo? Você não poderá vencer sozinha. Somos muito mais fortes que você. Diga adeus a sua vida, filha do mar.

Aquelas últimas palavras ecoaram na sala. As palavras anteriores eram turvas, eu não conseguia entendê-las muito bem, mas as últimas eram claras como a água: "Diga adeus a sua vida, filha do mar". Nesse momento, todos os monstros, sem exceção, mergulharam em cima de mim.

Acordei suando frio, ofegante. Percy já estava acordado.

– O que houve?

Minha voz falhou.

– Eu... tive um sonho.

– Sonho pesado, não é? Quer água?

"esgoto sujo". Trechos daquela fala rodeavam minha mente.

– Por favor.

Percy pegou um cantil e me deu. Tomei dois goles, e a dor de cabeça melhorou.

– Quer um pouco de néctar?

– Estou bem. - tentei convencê-lo, mas não consegui.

– O que você sonhou?

Contei a ele da sala, da voz horripilante e dos monstros.

– Isso... não faz sentido. - disse ele.

– Por enquanto - Annabeth acabara de acordar e ouvira a história toda. - Logo talvez faça sentido.

Respirei fundo, tentando me acalmar. Olhei para o painel.

– Onde estamos?

– Chegando no Havaí. - disse Percy olhando o mar de água cristalina pela janela. - Ah, imagine que maravilha umas férias aqui?

Férias. Taí uma coisa que eu nunca teria. Pelo menos não em paz.

Não demorou para chegarmos a Honolulu. Eu e Annabeth já tínhamos combinado de não falar mais esse nome perto de Percy antes que ele começasse a rir incontrolavelmente numa hora inapropriada. Pousamos num pedaço da praia em que não tinha ninguém. Quando abrimos a porta e eu pude sentir a maresia, imediatamente me senti bem: forte e preparada para qualquer batalha, fora a vontade enorme de pular naquela água azul.

Eu me sentia pronta.

– Podíamos passar o dia aqui. - Disse Percy, brincando. - Imagine só: Armar um guarda-sol ali, com umas cadeiras, uma cestinha com cupcakes azuis... Seria ótimo.

Eu e Annabeth rimos.

– Temos que ir, cabeça de alga. - Ela tentava soar confiante, mas estava amedrontada.

Entramos de novo na máquina e transformamos num submarino. Agora sim eu ia ficar bem: no mar.