A Heroína Imperial [HIATUS] escrita por Amaya


Capítulo 3
Capítulo 02: Matizes variadas de cinza, tons distintos de vermelho sangue


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal!

Perdão por ter demorado tanto a postar. Enfrentei problemas aqui, mas já estão resolvido. Os capítulos atrasados serão postados ao longo da semana. Fiquem atentos!

Escrevi esse capítulo escutando "Strange Birds", da Birdy.

Aproveitem o capítulo! Boa leitura!



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A Heroína Imperial
Capítulo 02 — Matizes variadas de cinza, tons distintos de vermelho sangue

— Não! Você não pode. Você não vai! — Eu levanto da minha cadeira e bato as mãos na mesa, todos olham assustados para mim. O furor toma conta de todas as partes do meu corpo, mas a tristeza tenta arranjar um espaço no meu coração, apesar de todos os meus esforços para fazê-la desistir de mim. Mas ela é persistente. A tristeza é ciumenta, ela te quer só para você. E quando ela te conquista, não sobra espaço para mais nada. Um coração cheio de tristeza é um coração vazio, pois não há nada que te deixa mais incompleto e pesado do que a tristeza. E ela, neste exato instante, é a minha imperatriz.

As lágrimas querem jorrar de meus olhos, e eu não posso contê-las.

— Você não pode ir. Não quero que vá. — Ele levanta-se e me abraça. Começa a acariciar os meus cabelos, e a murmurar em meus ouvidos:

— Minha Annie, antes eu do que todas vocês. — E isso é o suficiente para me fazer calar a boca.

A única coisa que me é conveniente fazer é assentir com a cabeça em concordância. E é isso que faço.

— Vou ao Departamento Militarista mais tarde — disse ele.

— Tá — digo. — Vai mesmo se inscrever para o exército? — É o que eu pergunto. Apesar de já saber a resposta. Talvez eu seja um pouco masoquista, e quisesse sofrer mais um pouco. Eu iria perdê-lo. Ele suspira.

— Sim, Annie — Ele olha para mim, seguro de suas ações e palavras. Não quero que ele vá. Eu sei o que a guerra faz com um homem, eu sei o que a guerra faz com uma família. Eu não queria pensar na possibilidade de perder meu pai ou a mim mesma, ele sempre foi meu melhor amigo. Ele me ensinou praticamente a maior parte das coisas que sei hoje. Costurar é um exemplo. Eu adorava ficar vendo-o mexer na máquina de costura, as agulhas se movimentando, chocando-se contra o tecido, formando um bordado perfeito. Graças a ele, posso ajudar no sustento da casa, fazendo alguns serviços como costureira. Ele que me ajudava nas tarefas da escola, ele que me ensinou a ler, junto com minha mãe. Tanto ele, quanto ela são as pessoas que mais me ajudaram quando eu precisei. Por um instante, não queria que ele estivesse tão seguro disso. De seus atos, de suas palavras. Mas sei que estou sendo egoísta. Se ele não fosse, morreríamos de fome. Não há nada a fazer, a não ser deixá-lo ir. Mas sou muito egoísta para fazer isso e insistir me parece a única opção viável.

Minha mãe está assustadoramente calma diante dessa situação. Recordo-me de um acontecimento ocorrido há dez anos, quando ficamos presos no porão de nossa casa. Quando saímos, minha mãe estava aterrorizada. Estava assustada. Suas lágrimas eram incontroláveis, seu tremor era evidente. Será que sua mente ainda vagava pelos cantos escuros do porão? Será que toda a sua segurança foi estilhaçada? Será que seu coração ainda corria desesperadamente dentro de seu peito? Ela imaginava as pessoas fugindo das bombas? As casas destruídas? Será que havia dentro dela a incerteza de que ela estava realmente viva? De que aquele pesadelo havia acabado?

Ela não parece aquela pessoa insegura de antes. Ela está diferente. Menos indecifrável, mais segura.

Mais sombria.

Isso, de certa forma, é estranho. Não que eu esteja acostumada a ter uma mãe frágil, mas é que agora ela está mais forte. Creio que seja a consequência da guerra. As guerras costumam não trazer nada de bom. Mortes, fome, precariedade, medo, insegurança, revoltas, drástica queda populacional. Mas está me parecendo que há alguma exceção aqui.

Elas sempre existem. E agora, estou mais convencida disso.

Minha mãe agora é mais forte. Por todos nós. A guerra lhe trouxe mais firmeza. A guerra não lhe trouxe segurança. A guerra lhe trouxe mais garra. Mais determinação.

Ela é mais forte agora. Por todos nós.

Não é frieza. Claro que ela está abalada com a notícia. Ela vai perder pode perder seu marido.

Ela está dando o maior exemplo que um pai pode dar a um filho: a firmeza diante das situações. Apenas absorva. Desconte depois.

Ela é mais forte agora. Por todos nós.

Eu sempre fui muito paciente e calma. Mas nem toda a calmaria que consegui desenvolver em todos os anos de minha vida se comparam à expressão de calmaria e segurança que minha mãe transmite nesse exato instante.

Ele olha para ela. Ela olha de volta. É uma linguagem, que eu não entendo. É uma linguagem secreta utilizada entre os amantes, é impressionante como conseguem. Eles conseguem se comunicar apenas por olhares. É um dom que você adquire ao passar muito tempo com uma pessoa. Quando você consegue entender o que se passa no coração dela com apenas um olhar, como se ele dissesse tudo sem a presença de palavras. Uma linguagem não verbalizada. Quando você ama a tanto tempo que a conhece de cabo a rabo. É tão magnífico que parece tão irreal. E tão distante de acontecer com você. Mas acontece. Para aqueles que estão prontos para isso.

Ela quebrou o olhar, olhando para o chão. Uma lágrima fujona escapou de seus olhos.

Ah, fazer o que? É inevitável.

Mas ela sumiu logo.

(...)

Terminamos o café em silêncio, olhando somente para os nossos pratos de porcelana com ovos mexidos, torradas e de vez em quando, para os copos com o suco de laranja e a bandeja de frutas. Em nenhum momento olhamos uns para os outros.

Sigo para meu quarto para tirar o pijama e deitar na cama. Olho para cima e encaro o teto branco e encardido, devido à poeira que se acumulava ali. Então decido tomar um banho. Vou direto para o banheiro, ligo o chuveiro e entro com roupa e tudo. E então eu choro loucamente, desesperadamente, como uma criança que perdeu o seu brinquedo preferido. Até pior. Eu perdi meu pai.

Por que isso está acontecendo? Por que eu estou perdendo tudo o que tenho? Estou perdendo meu lar para a guerra, meu pai para a guerra, as esperanças do meu povo para a guerra.

Estou perdendo o controle.

Estou perdendo a mim mesma. Eu não posso fraquejar, não posso perder o controle. Não posso me lamentar, não posso chorar o tempo inteiro. Tenho de ser forte, como a minha mãe é. Por elas. Tenho de ser forte por elas. Por todas nós. Mesmo assim, preciso falar. Preciso pôr isso pra fora antes que eu exploda em milhões e milhões de pedacinhos.

Só há um lugar para onde eu possa ir agora.

Saio do banheiro e olho no espelho. Vejo meus olhos inchados e nariz vermelho. Nem sequer me importo. Tiro a roupa molhada e ponho numa bacia qualquer, me visto de novo e saio com o cabelo encharcado. Mas antes de sair, dou uma passada no quarto de meus pais. Olho pela fresta e vejo minha mãe de pé, conversando com meu pai a sua frente, que lhe acaricia o rosto com a mão esquerda. Até que ele a puxa mais para perto e desabotoa os botões da parte de trás do seu vestido. Fecho a porta devagarinho, volto para o meu quarto e pego um casaco e algumas luvas. Aproveito e calço minhas botas. Começou a nevar lá fora.

Bato a porta, e logo me arrependo de ter deixado o cabelo molhado. Está extremamente frio aqui fora. Encolho-me dentro do casaco, e saio na rua, observando os últimos estragos do último ataque aéreo. Moro numa região antes conhecida por Rio Grande do Sul. Agora ela é apenas conhecida como parte sul do setor 15 da oitava regência brasileira. Várias regências, antes estados; vários setores, divisões municipais. Simples assim.

Enquanto vou passando, observo várias pessoas fazendo coisas diferentes: ora choram, carregam coisas, ora gritam, ora caem de joelhos na fina camada de neve e rezam, suplicam por suas vidas e por aqueles que se foram. E eu só observo.

Na verdade, tivemos muita sorte. O último ataque ocorreu apenas há uns três dias e o máximo que conseguimos foram uns tantos cacos de vidros das janelas dos banheiros e quartos e o desabamento dos telhados da varanda minúscula.

Olho para o céu e observo as nuvens cinzentas que se acumulam no firmamento, chocando-se umas com as outras sem pedir licença.

Dizem que cinza é a cor da tristeza. Que é justamente a definição exata do que paira nesse lugar. Vejo algumas casas intactas, assim como a nossa. Que sorte. E outras completamente arruinadas, cobertas de cinza. Matizes variadas de cinza: claro, escuro; mas todas elas representavam a mesma coisa: tristeza. E eu não conseguia imaginar eu mesma no lugar daquelas pessoas. Não conseguia me imaginar com uma atmosfera cinzenta espessa a minha volta.

Isso até agora.

Nuvens espessas dificultam a visão; tristeza profunda demais ataca o coração. Não há controle, não há paz. Apenas uma regência fora de controle; um império sombrio regendo corações de forma indomável. Essa é a tristeza.

Continuo caminhando uns vinte minutos até chegar a uma casa velha e acabada. As escadas da frente rangem quando piso sobre elas, não me impedindo de ter a sensação de que uma hora ou outra, a madeira irá se partir sob os meus pés e me levar a uma queda. A tintura está começando a descascar e o chão tem buracos.

Bato na porta até que uma mulher aparentando trinta anos, apesar de ter mais do que isso, abrir a porta para que eu entre. Assim que me reconhece, sorri.

– Está frio aí fora, não? – Ela diz. As marcas debaixo de seus olhos esticaram para os lados.

– Está sim – respondo. Ela me olha, e escancara ainda mais a porta para que eu seja encoberta pelo calor reconfortante da lareira e do cheiro de lençóis felpudos que me esperam no sofá que ela sempre reserva para mim. Aurora está sempre a minha espera, ela sempre sabe quando venho. Ela é meu conforto quando não tenho mais ninguém. Ela sempre sabe o que se passa, minha tia Aurora. Ela sempre me espera.

– Ora, filha, seu cabelo está molhado por quê? Está muito frio para se molhar a cabeça. Poderia ter pegado um resfriado. – Ela pega um dos seus lençóis felpudos e o joga por cima dos meus ombros, dissipando todo o frio. Encolho-me toda, e suspiro. Tão reconfortante. Justamente o que preciso agora.

– Onde estão as meninas? – pergunto.

– Estão na cozinha preparando uma bebida quente para nós. Estávamos esperando por você, querida. Você sempre vem aqui – responde ela. Ela se agacha na minha frente, encontrando lugar no meu campo de visão e no velho tapete surrado estendido no chão.

– Justamente o que pensei. – Sorrio para ela. Meu sorriso é devolvido em outro ainda maior e mais belo, ele me deixa feliz. Até me ocorrer o que eu fui fazer ali. Para esquecer o que eu queria esquecer, é a resposta que me acomete. Que me assusta. Mesmo assim, é tão irreal para mim. Eu me sinto morta por dentro. Ele ainda está vivo, mas sinto como se já tivesse morrido e me levado para o caixão junto com ele. O caixão. Meu pai morto, num caixão de madeira velha. Soterrado debaixo do pó da terra. Sem jamais sentir o vento novamente, o toque de minha mãe, os abraços, os beijos e toda forma de carinho manifestada. Sem olhar as flores que minha mãe insiste em continuar a cultivar, mesmo com o clima frio e pesado. E elas florescem mesmo assim. Sem jamais sentir dor, desespero ou insegurança. Ele estaria seguro. Ele não sentiria dor, a não ser na hora da morte. Então ele partiria. Mas a dor é sempre maior para aqueles que ficam.

Então eu choro. Mais uma vez. Porque a notícia ainda me assusta, ela ainda me abala, ela insiste em me destruir. E não quero aceitar. Aceitar, para mim, seria aceitar a morte de meu pai. E eu não quero que ele morra.

Não chore, criança. Conte-me, o que houve contigo? – pergunta-me ela.

– Tia, papai foi despedido – conto a ela. – Ele vai, ele vai... – Não termino. Enterro a cabeça em minhas mãos, e soluço descontroladamente.

– Oh sim, fiquei sabendo. A fábrica, os empregados, a guerra. É tudo um grande buraco fundo. Estão soterrando tudo.

– Estão jogando terra em cima de nós. – Levanto a minha cabeça. Não posso ver, mas sei que o ódio toma conta das minhas feições, meu olhar ferino. Eles estão jogando. Ela olha para mim do mesmo jeito que meu pai me olhou no café da manhã.

– Então cave para sair. – É o que ela diz. Ficamos nos entreolhando até que Emily entra na sala com uma bandeja nas mãos. Lucia vem logo atrás com uma vasilha com biscoitos recém-assados. Sei disso só pelo cheiro.

– Olá, Annie! – Emily e Lucia me saúdam em uníssono com um sorriso. Lucia está segurando a vasilha de maneira desajeitada, quase desiquilibrando um pouco e quase caindo no chão com os biscoitos. Sinto um cheiro peculiar, torço o nariz.

– Quem quer chá? – brinca Lucia, ao ver minha cara.

– Eca, Lucia. Você sabe que odeio chá. – Eu respondo. Odeio chá, e ainda mais café. Para mim é apenas uma bebida amarga e sem gosto algum. Meus pais adoram, mas não é o meu caso.

– Chata. – Ela me dá a língua em devolução.

– É por isso que para você fizemos chocolate quente! – Emily quase grita. As duas irmãs são extremamente doces e brincalhonas. Adoram ficar fazendo caretas, e os seus passatempos preferidos são fazer os outros rirem delas.

– Nossa. Como sabiam que eu viria para cá a essas horas? – pergunto, fingindo desconfiança.

– Ah, a fábrica do seu pai faliu. Óbvio que você iria querer desabafar. – Lucia revira os olhos, como se isso fosse algo extremamente óbvio. E é. Só percebeu a besteira que tinha falado quando sua mãe e Emily começaram a fuzilá-la com o olhar. E quando eu me encolhi ainda mais no sofá. Ela me olha com um olhar que significa “desculpas”, ou ainda “sinto muito”. Mas não quero que sintam pena de mim. Não é preciso se desculpar, você apenas disse a verdade.

– Toma, Annie. – Emily pega alguns biscoitos e me serve uma xícara com chocolate quente. Olho para a xícara, ela está lascada. Passo o dedo por cima de maneira constante, e cada vez mais forte, até que um pequeno arranhão toma forma no meu indicador direito. Logo mais tarde começa a pingar sangue. Nunca tinha percebido que meu sangue é tão vermelho. Não um vermelho aceso, mas num tom bem escuro, quase que como vinho. Como se não fosse natural.

Escondi-o para que ninguém visse.

Lucia e Emily se sentaram. Aurora continua ajoelhada a minha frente. Observando-me.

– Não sei o que fazer – digo finalmente. – Não sei o que fazer, e nem se eu soubesse, não sei como eu faria – completo. Tia Aurora olha para as meninas, e elas entendem o recado. Mais uma vez, a linguagem de sinais não verbalizados que eu não consigo compreender.

Assim que elas se vão, Aurora toma lugar numa poltrona ao meu lado e encolhe. Suas rugas são mais aparentes, seu corpo aparentemente mais frágil, seu coração ainda mais partido. Um pássaro que teve suas asas cortadas. Mais uma vítima da guerra.

Lembro-me de quando era menor, meu tio Daniel também foi um voluntário da guerra. Tia Aurora estava grávida de Lucia, sua segunda filha. Acontece que Aurora teve uma complicação na gravidez, que quase levou a um aborto. A gravidez dela seguiu sendo considerada de risco, por ela ser um tanto mais velha. Ela precisava de acompanhamento médico. Mas a falta de organização e médicos competentes dificultou um pouco e na época havia um vírus instalando-se pelo país. Tia Aurora contraiu a forma mais simples da doença, mas mesmo assim, isso dificultou um pouco a situação deles. Eles não podiam arcar com o tratamento da doença, os remédios eram muito caros, e apesar de tio Daniel ter um bom conhecimento sobre as ervas medicinais que cresciam nos arredores do setor, ele era impedido de pegá-las, pois os limites eram vigiados por civis. Estavam precisando de ajuda.

Minha família e eu contribuíamos como podíamos, mas no final, não houve solução. Para arcar com todas as dívidas que eles deixavam de pagar tentando comprar remédios para minha tia, comprar a comida que lhes faltava, meu tio teve de se voluntariar para lutar a favor do país na guerra. O salário era um pouco mais alto do que o de um agricultor, e isso ajudou no que precisavam. Ele ia mandando todo o dinheiro para eles, e com ajuda da minha mãe, tia Aurora administrava tudo. Tia Aurora já estava recuperada quando recebeu a carta.

Não a li, mas já sabia o que ela significava. Lucia não iria conhecer o pai. Emily não voltaria a vê-lo, mesmo depois de todas as promessas. Tia Aurora não voltaria a segurar suas mãos, não faria mais chocolate quente para ele.

Ele não voltaria mais.

Ela ficou num estado de transe por algumas semanas, apenas acariciando as roupas antigas dele e sua barriga. Toda vez que ouvia um barulho, ela alarmava-se e arregalava os olhos, para depois perceber que era apenas Emily batendo a porta de seu quarto dizendo que havia tido um pesadelo.

E eu sei de tudo isso. Pois foi ela que me contou.

Por isso entendo que se meu pai for, pode não mais voltar. Minha mãe pode terminar como tia Aurora, e Larissa como Lucia.

E eu estarei enterrada, pois não terei forças para cavar.

– Annie? – Aurora chama minha atenção, percebendo minha inquietação.

– Sim, tia?

– Não deixe que eles destruam você. Lute contra isso. Não pense no pior-

– Mas eu tenho medo do pior – interrompo-a.

– Sempre é assim. Diante de várias possibilidades, é sempre a pior delas que irá nos assustar. Mas nós não devemos deixar que ela o faça. O medo é uma escolha. Não seja como eu, que fez a escolha errada. Eu abandonei Emily no luto para me isolar num mar de memórias, tentando encontrá-lo, com a certeza de que tudo era um pesadelo. Mas quando acordei, percebi que o pesadelo era pior. Que havia outros pesadelos para enfrentar. Que eu tinha uma criança para cuidar e mais uma a caminho, nada poderia trazê-lo de volta. Eu tive de ser forte e aguentar toda a situação por suas primas. Não deixe que eles acabem com tudo de bom que há em você.

Obrigada pelo conselho. Mas eu já sabia disso.

Annie – Ela me chama mais uma vez. Espero que ela diga algo que eu realmente não esperava, mas foi algo totalmente previsível –, apenas cave.

(...)

Beijo a bochecha de minha tia, e me despeço de minhas primas. Deixo a xícara lascada completamente vazia em cima de uma mesinha. Meu cabelo está quase seco. Pelo menos não há mais risco de eu contrair uma pneumonia.

Assim que abro a porta da sala, o vento frio causado pela neve que cai do lado de fora toma conta do ambiente. Imediatamente sinto falta do lençol felpudo cobrindo meu corpo trêmulo. Mesmo assim sigo. Tenho de trabalhar.

Vou caminhando, minhas botas afundando na camada antes fina, agora fofa de neve. O frio encontrando brechas no meu casaco, fazendo-me tremer. Avisto ao longe, numa árvore seca e sem folhas, um único pássaro. É muito raro que apareçam por aqui, por causa do ar poluído ou ainda, por causa da nevasca, mas este aqui é um aventureiro. Ele me encara, e eu paro. Chego mais perto, e ficamos bem próximos um do outro. Então noto as penas pretas, e as extremidades vermelhas. Ele tem uma bela crista vermelha sobre a cabeça, um bico longo e pontudo. Médio porte. Parece-me um pica-pau, mas ainda não me é semelhante o bastante. Termino não identificando o pássaro, e sigo caminho, mas ele me segue. Ele quer algo. Não sei o quê. Só então olho para trás e vejo as gotas de sangue na neve. Meu dedo.

O pássaro eriça as penas, e abre as asas, então percebo que ele está numa posição de ataque.

Ele sentiu o cheiro do meu sangue. Ele não é um pássaro normal.

É carnívoro.

Mas eles costumam atacar somente em bando!

Então percebo que é tarde demais para que eu fuja, pois ele está vindo em minha direção. Estou apenas paralisada em meu lugar, esperando o bote. Seu bico perfurando a minha carne. Imagino a luta, a dor, o sofrimento, a vitória dele sobre mim. Tons de vermelho sangue.

E então percebo que é tarde demais para o pássaro, pois uma flecha atravessa seu peito e ele cai no chão morto.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!

Qualquer erro presente neste capítulo, por favor, me avise para que eu possa corrigi-lo.

Abraços e até a próxima! ^-^