Adormecida - HIATUS escrita por Aysha


Capítulo 4
Capítulo III


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo! Espero que gostem! Em breve a história começará a se passar em dois tempos, contando também o verdadeiro passado de Aurora. Boa leitura!



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Na oleosidade da tinta sinto o desprendimento. A agonia da alma desligada do corpo, a sensação mórbida de ver um corpo sem seu sem meu espírito. Minha alma flutua para fora da tela, sou um fantasma da minha existência agora. Olho para o quadro de onde saio e lá está a perfeita visão do corpo estagnado. Aquilo me causa arrepios de puro medo. Medo das mãos que o pintaram. Viro-me e deixo meus pés intuitivos me guiarem. Eles sabem a quem recorrer.

Estou em um quarto agora. Coisas desorganizadas espalhadas pelo chão. Ele dorme tranquilamente, alheio a minha presença. Minha memória não falha ao lembrar o nome que ouvi anteriormente.

Marcos... Eu sussurro.

Acordei num sobressalto. Ouvi uma voz atrás de mim.

─ Marcos...

Novamente. Um som doce, melodioso. Virei-me lentamente lembrando todas as histórias que ouvi. Quando tive coragem de olhar o ponto de onde veio a voz senti meu corpo gelar. Meu coração parecia não bater mais, meu sangue petrificado dentro das veias. Era ela.

─ Você pode me ajudar?

Uma pergunta inocente. Meus lábios recusam qualquer tentativa de movimento. Era a garota do quadro. Os longos cabelos castanhos e olhos abertos agora, revelando um verde profundo. Meu corpo estava totalmente travado.

─ Por favor?

Céus, ela parecia um anjo ferido pedindo socorro! Era a beleza de uma mulher e a inocência de uma menina refletidas nela.

Ele me olhou. Palidez o consumiu e a boca emudeceu. Sua pele já branca se tornava leite. Seus olhos e cabelos castanhos pareciam mais escuros. Ele estava assombrado. Ele estava absorvendo meus detalhes. Ele estava refletindo sobre mim.

─ Mas como? Quem... ─ Não consegui formular uma frase. Ela virou as costas antes que eu dissesse qualquer coisa coerente e lentamente caminhava até a porta. Era um espírito que atravessava tudo que via. Parte de mim dizia que estava sonhando, parte de mim queria segui-la. Olhei minhas roupas jogadas no chão. Olhei para a porta e vi que a assombração a atravessara. Sem pensar muito, me vesti. Meu instinto me disse para pegar minha mochila. Joguei-a nas costas e parei frente à porta para pensar mais uma vez. “Você pode me ajudar?” o pedido ecoou na minha mente. Certo de que parte da minha sanidade estava se esvaindo naquele momento, agarrei a maçaneta e a abri.

Vi a silhueta descer a escada. Ela parecia ter uma luminosidade própria. Era fácil enxerga-la mesmo na escuridão. Segui-a desobedecendo a parte racional do meu cérebro que me dizia que estava louco. Ao passarmos pela sala, parei mais uma vez ante ao quadro. Olhei a imagem procurando alguma resposta. Quem era ela? O que seu espírito queria? Estaria morta?

Parado em frente à minha imagem, seu rosto formava várias interrogações. Perturba-me a forma como ele me analisa. Parecendo enxergar quem sou, parecendo poder ver toda minha impureza. Pecados cometidos em meu lugar. Viro-me de costas a ele até sentir seus olhos queimando sobre mim. Passo a passo conduzo-o ao meu mundo. Quase pesa minha consciência leva-lo ao sombrio, mas preciso de sua fé para me salvar. Fé que o mundo não tem.

Ao voltar meus olhos para onde ela estava vi que ela parecia me esperar. Notei que o vestido longo, de mangas compridas parecia datar do século XI ou XII e indicava nobreza, o que me intrigou ainda mais. Seria a alma de uma princesa em busca da paz? Ela voltou a andar e vi que ela se dirigia à saída do hotel. O aviso de George ecoou na minha cabeça. Ela era perigosa, ele disse. Ela poderia me levar à morte. Não devia segui-la.

Continuei andando até parar frente à porta do hotel. No balcão de pedra havia apenas um sinete e papéis empilhados. Estranhamente não havia ninguém de vigia ali e a porta principal estava apenas encostada. Abri-a e saí até a rua. O hotel era na entrada do vilarejo, próximo à estrada principal e à floresta. Ela rumava àquela direção. Não conseguia identificar se ela andava ou flutuava. Ciente de minha loucura decidi continuar. Eu não tinha nada a perder. Estava vendo espíritos, sonhando ou havia perdido o juízo completamente. De qualquer forma, eu precisava entender o que estava acontecendo. Minha curiosidade sempre falou mais alto a vida toda. E eu estava hipnotizado pela imagem daquela mulher.

Ela andou sem parar até chegar ao limite da floresta. Parou e se virou. Não me aproximei mais que três metros dela, até que ela veio até mim. Olhou nos meus olhos com expressão indecifrável. Havia um misto de dor e culpa naquele olhar. Senti vontade de abraça-la e protege-la do que quer que a ferisse. Sua aparência parecia de uma jovem entre 16 e 18 anos, mas na imensidão daquele verde parecia haver muito tempo vivido, muito tempo sofrido.

─ Você tem duas opções agora: seguir em frente ou ir embora. Se você se for, minha sombra te perseguirá todas as noites por ter me seguido até tão longe. Se continuar, irá reviver todos meus demônios e poderá nunca sair de lá. É sua escolha que vai determinar seu futuro.

Sua voz era firme agora. Aurora me deixava escolher qual meu futuro. Não parecia uma ameaça. Era um fato consumado. Virando-se e adentrando a floresta ela me deixou com meus pensamentos. As árvores agora pareciam maiores, mais ameaçadoras. Ouvi passos e galhos se quebrando. Um vento gélido arrepiou cada centímetro meu. Era loucura. Eu não podia fazer aquilo, seria morte certa. Lamentei deixa-la e corri para o hotel. Subi as escadas sem nem olhar para o quadro e deitei-me na cama. Eu precisava dormir, era tudo coisa da minha cabeça.

“O vestido da moça desfalecida estava rasgado até a altura do quadril. As pernas nuas e expostas. Entre elas, muito sangue. Marcas de mãos, dedos e feridas por toda superfície branca daquela pele. Roxo e vermelho tingiam de dor a beleza da desfalecida vítima. Em volta da pedra jaziam corpos. Corpos de homem, todos nus, em decomposição. O cheiro pútrido era sentido de muito longe. Uma figura esquelética observava ao longe o sono sem fim da mulher. Agora era possível ouvir um choro de criança. Entre os cadáveres, um bebê. Em cima da pedra duas lágrimas corriam pela face da jovem. Ela abriu os olhos e sentou-se. ─ É tudo sua culpa! Você não me ajudou! Olha o que acontece comigo! Você vai morrer pagando pelo meu sofrimento!”

Acordei. Suava. O que eu vivi não foi um sonho, não foi loucura, agora tinha certeza. Eu vi o espírito de Aurora e ela era real. A imagem da menina tão inocente toda ferida agora me perturbava. Eu tinha que ajuda-la! O sofrimento que vi nos olhos dela era verdadeiro. Maldição! Eu precisava ir atrás dela!

Corri para o saguão, era madrugada ainda. Como antes, não havia ninguém lá. Deixei o hotel e dirigi-me à floresta apressado. Precisava encontra-la novamente! Parei frente à cerca da floresta. Sombria, silenciosa, parecia me desafiar. As árvores pareciam mais inclinadas, mais retorcidas, como se soubessem que seu espaço seria invadido. Respirei fundo e criei coragem para entrar. Que os céus me protegessem! Eu iria fazer tudo que pudesse para consertar o que estava errado, para protegê-la daquela dor! Atravessei a cerca que rodeava a floresta e foi então que percebi que eu nunca tive opção. Eu faria qualquer coisa para salvá-la desde o momento que a vi.


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Notas finais do capítulo

Comentários, críticas e sugestões são sempre bem vindos! Obrigada por ler até aqui e até o próximo capítulo! ;*