Funest Cupiditas escrita por Mrs Born to Lose, Davink


Capítulo 5
Spectaculum Monstrifer - Show de horrores


Notas iniciais do capítulo

Sim, nós demoramos e sabemos disso. Aceitem nossas desculpas, não tínhamos a intenção de demorar tanto, MAS estamos de volta. Apreciem o capítulo.

Boa leitura.



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Amor: Sentimento de compaixão e carinho, mas também sinônimo de dor e sofrimento.

Sofrimento... É... Allysson sabia muito bem o que isso significava.

Às vezes amar demais te leva ao extremo.

3 de maio de um ano qualquer, 5h e 37min.

O cheiro acre invadia o acostamento da Avenida Westwide. O corpo ali recém-alocado não estava em suas melhores condições, boa parte dos membros já não se encontrava ligados ao tronco, o liquido rubro e viscoso formava uma poça, uma bizarra banheira na qual os insetos não demorariam a se deliciar. Os olhos sem vida de Albert demonstravam exatamente nada.

Jogado de qualquer maneira naquele fim de mundo a ironia banhava-se de júbilo na desgraça do pobre homem.

Pobre homem este que sem que ninguém soubesse guardava um passado assombroso, parecia zombaria do destino que este terminasse seus dias de maneira tão simplória, igual a de suas vítimas. Albert Simons era nada mais nada menos que um vigarista de primeira, um aproveitador sem coração, um destruidor de vidas.

Não muito diferente de Ally que depois de muito esperar finalmente assistia seu show particular. Não demorou até que a policia fosse chamada e as cortinas do excêntrico mundo de Allysson fossem abertas para o espetáculo dos horrores.

As faixas amarelas davam vida ao cenário, as sirenes incessantes traziam vigor com sua música e ah os atores! Esses que eram dignos de receber o Oscar porém nem desconfiavam pois como dito antes, era um show particular uma peça que somente quem Ally permitisse poderia assistir.

A satisfação rondava sua expressão ora ou outra enquanto deleitava-se com a desgraça alheia. Era cômico como tal situação se repetia tantas e tantas vezes diante de seus olhos e ninguém desconfiava, sentia-se inalcançável com exceção é claro dele.

O tal detetive responsável pelo seu caso, particularmente já estava cansada de ver a cara dele todas as vezes, atrapalhando sua diversão. As vezes os atores tem que ser reescalados, sabe?

Tecnicamente se quisesse já teria se livrado dele, entretanto algo dentro de si dizia que com ele tinha de ser diferente, precisa ser magistral, algo digno de Delphine e não somente de Ally, ou de Mitchell.

Definitivamente se sentia no dever de acabar com ele da pior maneira possível e o que mais a irritava era o fato de que tinha conseguido despistar todos os outros agentes que ficaram responsáveis por seus assassinatos mas ele era insistente demais, ia a fundo de qualquer pista que a mesma por mais cuidadosa que tivesse sido deixasse para trás.

Resumindo: Era uma pedra no sapato.

Observando tudo de longe dava ainda mais nojo, saber que a escória inutilmente tentava prendê-la fazia ter ataques de risos espontâneos. Isso a tirava do sério, lidar com a ralé e disso ela já estava cheia.

Não bastava dispor do infortúnio de lidar com os pirralhos que invadiram sua casa na noite passada, tinha ainda de lidar com o fato de tais infantes serem de alguma forma testemunhas de seus atos. Não sabia o que fazer.

Se ficasse em sua casa por muito tempo poderia correr o risco de ser denunciada, porém duvidava da possibilidade até porque ela fora atacada e não eles. Se a denunciassem poderiam ser presos também e acreditava que não iriam de maneira alguma querer isso.

Respirou fundo fazendo o ar em sua volta transformar-se em fumaça, mesmo dentro do restaurante de beira de estrada onde se encontrava ainda assim fazia um frio devastador.

Aconchegou-se perto da janela e enrolou o casaco ainda mais envolta do pescoço, em parte por causa da baixa temperatura e parte porque os olhares invasivos do cozinheiro dali estavam incomodando-a de maneira explicita.

Não bastava ser velho, gordo e fedido conjuntamente tinha que desejar a lâmina de Ally atravessar seu pescoço sem dó nem piedade. Um sorriso tímido estampou-se na face cálida, a ideia não lhe caia mal.

Todavia não cometeu tamanho erro, era burrice agir sem total despreparo sem contar que a policia se encontrava a menos de dez metros de distância de si.

Num gesto impercebível deixou o dinheiro ao lado da xícara de café intocada, achou melhor sair do lugar antes que a corja viesse fazer perguntas.

–x-

Depois de certo tempo pesquisando Ally finalmente encontrou o que procurava. A ficha do detetive a encarava desafiando a fazer algo. Ele nada tinha de interessante, pai de família, na policia a tantos anos que fazia a cabeça dela girar. Para generalizar era um desses investigadores da velha guarda que não desistia até solucionar o caso, em suma um obstáculo para seus objetivos.

De certa forma Ally era bem meticulosa com seus afazeres, não admitia erros de sua parte em relação a nada e para exterminar corretamente sua oposição medidas cautelares deviam ser tomadas. Um componente essencial para seu triunfo era conhecer bem o adversário, mas isso se tornava um embate quando não podia conhecer muito bem seu adversário.

Deixou os pensamentos de lado, talvez mais tarde fosse fazer uma visitinha ao endereço do agente, sondar a área e descobrir uma maneira de neutraliza-lo, agora tinha assuntos um pouco mais urgentes a tratar. Hesitante afastou o notebook e suntuosamente caminhou até o banheiro, queria evitar o confronto seguinte o máximo possível, mas sabia que tal medida só seria eficaz por determinado tempo.

Arrastou-se pé-pós-pé e ao chegar ao destino somente respirou pesadamente encarando seu inimigo eterno. O espelho era apenas mais um que queria sua total desgraça. Simplesmente não conseguia encarar seu reflexo desnudo porque de algum modo sentia que quem estava refletido ali não era Allysson e muito menos seu eu interior – Delphine – E sim a casca que atendia pelo nome de Mitchell.

Ele sempre estava ali, espreitando nos arredores da escuridão em seu coração querendo infantilmente seu lugar de volta. Tentava lutar e esfregar na cara de Ally o que a mesma esforçara-se tanto esquecer.

Tentava conter a raiva de si mesma, a aversão a seu corpo e sua realidade. E sem nem mesmo perceber afundou a gilete que segurava na palma da mão. Sentiu a lâmina rasgar a carne porém desdenhou qualquer lágrima que viesse ao olhos, banalmente aquela dor não era nada comparada ao que sentira por tantos anos, não era nada em comparação ao rancor e e ira que ansiava todos os dias em fazer cada homem da face da terra sentir.

O sorriso lhe voltou ao cenho, entendia que a missão a qual fora incumbida era mais importante que somente a aparência, fachada qual as outras pessoas nunca suspeitaram para os demais a Doutora Allysson era somente uma mulher comum.

Prova da ignorância humana que pode ser facilmente enganada com qualquer semblante sensível e um sorriso de canto.

Deixou as gotas avermelhadas se espalharem pelo chão esbranquiçado era algo trivial que depois se importaria. Agora tinha de manter as aparências, e mesmo que sem o mínimo de desejo para isto tinha que cumprir seu plantão como sempre.

Enquanto se dirigia ao Saint Angels Hospital lamentava o quão estupida a ironia novamente se apresentava , era de se esperar que ao menos os anjos percebessem a desgraça que adentrava os portões do recinto, deveriam saber que um demônio ali se escondia mas nem tudo realmente é como deve ser e não era por menos que ela trabalhava ali fazia anos e ninguém sequer despertara um só suspeita sobre si.

Entretanto o nome de seu local de trabalho era só mais uma das brincadeiras da vida e nada ali mudaria o fato de Allysson ser quem era.

– Boa noite. – Forçou o meio sorriso sem dentes para Abgail que como sempre se encontrava sentada no balcão de atendimento, o uniforme porcamente arrumado somado ao decote extremamente extravagante dizia para Ally que a menor não estava ali para se graduar em enfermagem.

A moça sorriu minimamente constatando brevemente as desconfianças, seguiu sem se importar era rara às vezes em que se surpreendia com os limites dos seres humanos.

Então, ignorando mais um dos fatos lastimáveis de seu dia, Alysson voltou a andar pelo corredor, em direção ao elevador. Não conseguiu deixar de suspirar ao perceber o olhar do rapaz que segurou para ela a porta, pousando em si. Era uma mistura nauseante de "ficarei inquieto até poder te ouvir gritar o meu nome", com um inocente "eu quero te conhecer".

Alysson odiava o modo como todos ali eram facilmente interpretados. O rapaz que a observava era o mais patético. Calças sociais em que ele provavelmente odiara ter que entrar o nó desengonçado na gravata, que o fazia parecer um garoto forçado a crescer. O paletó novo, o cabelo levemente bagunçado, porque o possível atraso o fez ter de correr por um tempo. Ele estava ofegante. A enfermeira gorda apenas pensava no fim do turno. Emerald, sua assistente incompetente, sequer aparentava conseguir pensar. Ally se sentia tonta, quando as portas se fecharam na sua frente, no terceiro andar. Ouviu ainda o barulho das macas correndo sobre o piso liso, antes de o elevador continuar avançando em direção ao quinto andar. Sentia os pulsos arderem, enquanto algo fazia cócegas nele.

Ela tinha certeza que os curativos não foram suficientes para conter seu sangue. Quase podia imaginar aquele líquido espesso escorrendo pelos pulsos. E aquele não era seu sangue. Era de Mitchell. E Mitchell não deveria fazer parte dela. Sentia ódio. Um ódio quase incontrolável, mas ainda era racional. Estava repugnada. A culpa de seu enjoo era do rapaz, que não parava de cobiçá-la mentalmente.

Por isso, assim que teve chances, saiu apressada do elevador, pelo corredor quase silente do andar de armários pertencentes aos funcionários. Apenas seus passos ecoavam ali. Imaginou, por fim, o olhar daquele homem caindo sobre seu corpo, e pôs-se de joelhos, fraca.

Ele não parecia notar que era o culpado. Correu em sua direção, e ela teve de se conter para não vomitar nos seus pés.

— Você está bem? — ele perguntou. Ela responderia com um "obviamente não estou bem", se pudesse, mas se contentou com um aceno positivo. — Parece pálida... — prosseguiu, ajudando-a a se levantar — Precisa de algo?

—Não... Não, obrigada!— ele a olhou erguendo as sobrancelhas, e Alysson automaticamente entendendo que queria um prolongamento no diálogo — Você trabalha aqui?

—'Ah, quem dera... — suspirou sonhador. — Estou aqui por uma vaga, vou tentar estágio. — Hum, um estagiário! Espero que consiga a vaga...? — Dave! Dave Acolla.

— Espero que consiga o estágio, Dave... — Desejou falsamente, saindo do transe em que se prendera por alguns instantes— Mil desculpas, Dave, mas agora tenho que me trocar, ou acabo me atrasando! Espero te ver por aqui outras vezes. —Igualmente!

Mas na realidade, a única coisa que ela esperava era que estivesse certa em pensar que seria extrema coincidência que duas pessoas tivessem o mesmo sobrenome no mesmo bairro e não fossem parentes. Lembrava-se que na noite em que, ainda em sua infância, encontraram-na esqueleticamente abandonada no porão da casa em uma cena sanguinária de óbito, ainda precisou lidar com as perguntas de um detetive, que para ela se apresentara por esse mesmo nome. Não era impossível que ele ainda estivesse vivo... Naquela época, o detetive Acolla ainda era jovem, assim como Alysson, e apenas se passaram vinte anos depois do fato. Por mais que de longe aparente ser muito tempo, de perto, Acolla seria apenas um veterano, a que a polícia confiaria qualquer tarefa. Cargos importantes eram sempre dados apenas a pessoas de confiança.

Durante o turno, enquanto passava instrumentos para o neurocirurgião, colocava-se a pensar... Gale? Gabriel...? Não se lembrava claramente do nome daquele homem. A paciente deitada no leito tinha uma nova parada cardíaca.

— Desfibrilador — anunciou o Dr. Peterson. Ally, ainda pensando, ajustou o instrumento no peito da garota, que reagiu no terceiro impulso. Imaginou o que possivelmente se passava na mente dos pais da jovem deitada na sua frente.

Certamente ainda não era de uma idade considerável, a julgar pela sua aparência, mas, por estar no setor adulto, passava da maioridade. Tivera um forte ataque de epilepsia antes de chegar em casa; fora encontrada na rua e socorrida pelos pedestres que circulavam o local. Seus pais deveriam ser velhos. Estariam com o coração apertado, naquele momento? Haviam registrado passagens de sua família, e eles possuíam um plano. Apenas precisaram fazer uma ligação urgente, sugerindo uma operação. Ela desejou internamente que não precisasse tratar dos senhores mais tarde, segurando o riso enquanto conectava a identificada como Raven a uma máquina de soro. Seu trabalho finalmente acabara. Sucesso, mais uma vez.

O doutor Peterson tirou suas luvas e máscaras, dando um leve sorriso, que ela retribuiu antes de sair da sala de cirurgias. Não havia nada nas ruas. Era como se todos estivessem em pânico, ou como se nem houvesse "todos".

Aquilo a angustiava. Nas ruas, não havia um começo, por isso não havia um fim. Era um vácuo solitário de medo e receio. Consideraria apócrifo qualquer pensamento, antes que tivesse plena certeza, mas quase podia ver a cena da polícia incomodando os moradores da região, durante a tarde, apenas em troco a dizer que havia uma "série de assassinatos" contra homens que moravam nos arredores. Aquilo a fazia pensar se eles considerariam culpa desse "terrível assassino", a morte do canadense Mison Erza, no verão passado.

Então o sorriso voltou ao seu rosto, quando se lembrou de como penteou os cabelos longos e molhados do miserável, enquanto seu rosto, olhos e cor sem vida contrastavam perfeitamente com o sangue a que fora tingido seus fios. Deu-se ao alvitre de pensar nas suas veias e artérias sendo massacradas, sem qualquer ferida exposta na sua pele.

Eram, ao todo, quase cinquenta vítimas, orgulhosamente torturadas, afogadas, e então vestidas como bonecas. Era impossível não nausear-se, quando se abria uma parte de seus trajes femininos e encontravam os órgãos dispostos para fora do corpo, o intestino aberto, as moscas chiando em sua volta. Mas então, como odiava que acontecesse, algo a tirou de suas preciosas memórias.

Estacionou o carro em frente à casa, estreitando os olhos para entender se realmente vira com precisão. Era Dave, saindo da casa do detetive que prometera visitar, depois de seu trabalho.

— Xeque-mate.


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Notas finais do capítulo

Obrigado por lerem, e como sempre reviews serão bem vindos, recebidos com amor e respondidos com carinho.

~Até o próximo capítulo.



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