Filhos da Guerra escrita por Anna_Rosa


Capítulo 5
Incerteza




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/566305/chapter/5

“Os homens preferem geralmente o engano, que os tranquiliza, à incerteza, que os incomoda” – Marquês de Maricá

Eu nunca os vi como crianças, eram apenas soldados que precisavam ser moldados, separados e classificados. Investíamos naqueles que mostravam potencial ou interesse pela causa do Lorde das Trevas, os lapidávamos para comandar e liderar as melhores tropas, enquanto os demais seriam apenas peões no campo de batalha. Eu nunca pensei nos pais que ficavam em casa, no horror que sentiam ao ver os filhos chegando aqui, eu nunca vi motivo nas lágrimas e sussurros, Hogwarts estava melhor agora, seletiva, não poderíamos nos dar ao luxo de enviar uma tropa com baixo potencial e eu simplesmente não entendia como eles não poderiam ver a grandeza disso.

Quando eu os trouxe comigo, havia tanto orgulho em mim, meus filhos finalmente prontos para assumir seu lugar na Elite de Voldemort. Eu os vi despontarem, poderosos, nobres por nascença, alguns me elogiavam, inflando ainda mais meu ego, mas foi a pena escondida sobre a tristeza nos olhos daquela garota que me fez recuar. Todos desconfiavam que transgredia as regras, trazia esperança aqueles pirralhos, mas ninguém poderia provar, então a deixávamos seguir, eles não chegariam longe fora dos muros do castelo. Por ironia, aquele olhar não saia dos meus pensamentos, porque alguém sentiria pena ao saber da grandeza que esperava minhas crianças? Foi quando eu a vi, minha garotinha, meu pequeno anjo derrubando sua primeira vítima, eu não sei quem o garoto era, pela primeira vez desviei o olhar de um duelo, vi com o canto dos olhos ela colocar o pé sobre o peito do garoto, a varinha em sua garganta, então, tudo estava terminado, ela me viu olhando e sorriu, orgulhosa de si, em suas feições infantis eu vi o clamor da guerra, a sede por poder, a inocência desfeita, escapando por entre meus dedos.

Naquele dia eu entendi, naquela noite eu era o pai que deixava sua criança não em uma escola, mas em um reformatório, eu era o pai que entregava os filhos ao desconhecido e, pela primeira vez eu senti o medo deles, o medo que eu causava neles. Mas isso era o correto, foi pra isso que reabrimos a escola, era nosso dever, nossa honra para com nosso mestre, fornecíamos os melhores soldados, os generais que marcariam a história, nossas crianças manteriam a pureza, a soberania trazida pelo Lorde das Trevas.

Para meu horror, meu filho não pensava assim. Ainda imerso no sorriso doentio de minha filha, a voz familiar de um menino chamou minha atenção, ele proferia ameaças, mas ainda havia suplica em sua voz. Virei-me na direção do som, a cena em minha frente remontaria meus piores pesadelos por anos. Meu filho fora encurralado por um grupo de crianças mais velhas, seu braço pendia em um ângulo estranho e arranhões marcavam seu rosto, fora isso, ele parecia estar se saindo bem, derrubara três dos cinco meninos, outro o segurava contra a parede, enquanto o ultimo apontava a varinha para seu coração, meu primeiro impulso foi correr para meu filho, depois eu cuidaria daqueles delinquentes, a voz suave de uma menina me fez estacar. Minha filha deu um passo a frente, empurrando uma garotinha caída aos pés de meu filho, havia sarcasmo em seu deboche, aversão em seus olhos, ela riu quando ele se soltou e avançou para ela.

O clarão do primeiro feitiço me tirou do meu torpor, meus filhos, minhas crianças envoltas em lados opostos de um duelo mortal. Eu os separei, dispersando os alunos pela minha mera presença, ela baixou a varinha, colocando-se em uma posição de respeito, levemente afastada, ela sabia, ela acreditava que estava com a razão, meu filho, por outro lado baixou-se ao lado da garotinha, ela ainda respirava, sangue manchava seus cabelos louros, ele agarrou a varinha com força e voltou-se para mim, rebeldia estampada em seu semblante ao proferir o feitiço que traria socorro a sua pequena amiga. Ele viu a enfermeira carrega-la para longe e, pela segunda vez em menos de uma semana, eu vi a inocência deixar o rosto de uma criança, eu senti medo, eu vi a incerteza gritar em meus pensamentos.

Foi quando ele virou-se para mim, ele não precisaria falar, mas mesmo assim ele o fez, ele me culpava pelo que havia acontecido, me culpava pela dor daquela menina, ele me culpava por perder sua gêmea, sua primeira amiga, sua outra metade. Vi lágrimas se formarem no rosto da minha filha, ela desviou o olhar, tentando ser forte. Eu queria pegá-los em meus braços, como fazia quando eram bebês, queria que pudessem segurar a mão um do outro como fizeram desde o dia em que nasceram. Foi com assombro que o vi retirar o medalhão que carregava no pescoço e o jogar no chão aos meus pés, transformando em ação o que não conseguia falar.

Minha menina o olhou partir, ela pegou o medalhão, o prendendo com o dela, quando me encarou não haviam mais lágrimas em seus olhos, ela compreendeu, antes mesmo de mim o que havia acontecido, passei os dedos por seus cabelos antes de vê-la partir na direção oposta. Meus filhos gêmeos, haviam definido seus lados no campo de batalha, eles não consolariam um ao outro, eu havia quebrado o laço que os unia, tudo que eu podia fazer era rezar, rezar para que aquela jovem tivesse coragem para continuar, que aceitasse meu filho entre seus protegidos. Eu continuaria a transformar crianças em soldados, era meu dever, a única coisa que eu sabia fazer, mas a culpa de quebrar meus filhos em duas metades incompatíveis, a voz dizendo que eu era o responsável pelo sofrimento deles, a certeza de que eu poderia ter feito algo mais, me acompanhariam eternamente. Horas atrás eu era um general, orgulhoso de meus feitos, agora, eu era mais um daqueles pais sussurrando incertezas pelo destino de seus filhos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Filhos da Guerra" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.