– Me desculpe, Cadu. Eu sinto muito mesmo

– Não precisa pedir desculpa porque não foi você que fez

– Eu sei, mas eu devia ter desconfiado. Quem sabe se eu tivesse espancado ele antes, ele não teria feito isso e eu só não bati nela porque é mulher e eu não sou covarde

– UOU! foi você que fez aquilo?? seus pais não brigaram?

– Claro. Quem você esperava que fosse? eles ficaram putos, mas eu faria tudo de novo e não me arrependo

– Ok cara, você é louco. Mas obrigada por se preocupar e ser meu amigo

– Digo o mesmo. Relaxa, eu não vou te trair por causa de uma garota nem sou obcecado pelo senhor perfeitinho

– Ainda bem né! - brinquei e nós dois rimos

– Enfim, fica tranquilo com as matérias que eu vou te ajudar em tudo ok?

– Ufa! nem saberia o que fazer se não tivesse você na minha vida

– Já teria sido espancado no colégio!

– É, tem razão

–-

Essa foi a primeira conversa que eu tive com Sócrates depois que saí do hospital. Michelangelo foi encontrado desacordado no chão do banheiro cheio de ferimentos e um pouco de sangue seco. Quando perguntei ao seu irmão, ele foi direto e disse que tinha sido ele.

Sócrates também sabia então e agora eu tinha a certeza de que ele era mesmo meu amigo. Meu pai aceitou quem eu sou e Bernardo não me olha mais estranho. As coisas estão começando a ficar bem novamente, afinal. Mesmo que alguns idiotas ainda me xinguem no colégio, eu tenho minha família.

– CADU! - Me assustei um pouco com o grito repentino de Sócrates. É a terceira vez que ele chama a minha atenção essa manhã, mas eu simplesmente me desconectei do mundo. Apesar da boa sorte, eu estou sentindo um aperto no peito desde ontem a noite. Esse é o mesmo aperto que eu senti um dia antes da minha mãe me deixar e eu estou ficando com medo disso. Não, foi a quarta. Talvez até a quinta vez.

– Desculpe, Sócrates. Eu não dormi direito ontem a noite por isso não consigo prestar atenção nas coisas - De fato, eu não preguei os olhos ontem

– Percebi, mas voltando no que eu tava falando. Você viu o aluno novo?

– Aluno novo? não. De que ano?

– Na verdade, ele não é novo aqui no colégio. Ele saiu e não avisou ninguém faz uns dois anos, um ano e meio eu acho. Agora ele ta no terceiro ano - Senti o tremor que eu sentia no estômago aumentar, como se alguém estivesse apertando as minhas entranhas.

– Ah, legal

– Nem tanto. Ele já se enturmou com os popularzinhos idiotas - O aperto ficou mais forte e meus olhos arderam. O que está acontecendo comigo hoje?

– Sabe de uma coisa? eu acho que você devia se vingar - Sócrates disse depois de uns minutos de silêncio

– Como assim?

– Devia se vingar da Mariana. O meu irmão eu já me vinguei dele por você, mas ela que armou tudo. O que ela fez é crime sabia? várias pessoas começaram a te perseguir por causa dela

– NÃO! eu não quero me vingar, não acho a vingança uma coisa certa e quem se vinga é tão errado quanto a outra pessoa

– Pensa bem, Cadu! uma hora ou outra teu pai vai acabar descobrindo e ele com certeza vai encaminhar isso pra polícia - É, ele tinha razão. Do jeito que meu pai fica nervoso ás vezes, é até capaz de bater na porta da casa da garota com a policia

– Você acha?

– Claro e nem vai dar trabalho. É só você dar um jeito de gravar ela confessando o que fez com você, ou pode até chantagear a Jessica

– Haha, você fala como se isso fosse simples - Debochei

– E é! você só preci-

– Cadu! - Sócrates foi interrompido e senti uma mão pegando no meu braço, uma mão trêmula

– Arthur? que foi, você parece nervoso

– O diretor do colégio pediu para eu vir te chamar. Ele quer...que você vá para a sala dele

Senti todos os meus músculos e ossos gelaram. O que ele queria falar comigo? as piores possibilidades comçaram a passar pela minha cabeça

– E o que ele quer?

– Não faço ideia, mas ele parecia bem nervoso - Engoli em seco e respirei fundo

– Ok, eu to indo

– Vou com você! - Sócrates disse se levantando e pelo seu olhar percebi que ele estava tão apreensivo quanto eu

– Não, ele tem que ir sozinho. Normas do diretor, desculpe meninos

– Hã...tudo bem então. Vai lá Cadu, eu vou ficar te esperando aqui

Antes de sair da cantina, vi a algumas mesas dali Michelangelo me encarando. Seu olho esquerdo ainda estava um pouco roxo e tinha um arranhão em seu lábio. Assim que percebeu que eu o olhava, desviou o olhar envergonhado e passou a olhar para o chão. Eu ainda sentia pena pela insistência de Sócrates para o afastamento do irmão, mas bem que ele mereceu

Eu comecei a seguir pelos corredores e decidi pegar o caminho mais comprido. Várias pessoas passavam pela minha cabeça agora. Uma bronca, advertência, detenção, castigo, notas baixas, a surra de Daniel que aliás nem está vindo mais para o colégio, assassinato...

Eu já podia ver a porta com os dizerem em negrito enquanto passava pelo corredor, ás vezes parando para ajeitar o cadarço do meu tênis mesmo ele estando perfeitamente enlaçado

Será que ele descobriu sobre aquilo e agora quer cobrar explicações? merda, isso está começando a me deixar mais angustiado ainda. A não ser que ele queira me matar não tem nenhum motivo para ele ter me chamado aqui

Bati na porta duas vezes e ouvi um "entre"

É agora. Será que ele quer mesmo me matar? na sala dele deve ter alguma câmera, ele não pode fazer isso comigo

Seus olhos me encaravam sem expressão alguma enquanto ele entrelaçava os dedos balançando eles de um lado para o outro. Se ele estivesse planejando me esquartejar agora, eu não sei dizer

– Não fique aí parado, sente-se senhor Mendes

Com as pernas ainda trêmulas, eu me direcionei até a cadeira de couro e me sentei devagar

– Então, o que o senhor quer comigo? - Finalmente tive a coragem para perguntar. Droga, ele estava me engolindo vivo só com aquele olhar que mudou de inexpressivo para assustador em segundos

O homem suspirou pesadamente e apoiou o queixo nas mãos. Um minuto e meio, eu contei.

– Vou ser direto garoto porque eu não gosto de enrolações. Eu sei sobre a foto e sei que você está envolvido com o meu filho

ok, por essa eu não esperava. Então ele quer mesmo me assassinar e colocar a minha pele como tapete no meio da sala de estar dele?

– Eu não...

– CALE-SE! - Ele gritou de repente

– Desculpe...

– Como eu dizia, eu sei sobre o seu envolvimento com o meu filho, mas eu devo te alertar sobre algumas coisas. Você com certeza deve saber sobre a richa entre Enzo e William

– Sim, eles já brigaram várias vezes - Respondi, dessa vez com a voz baixa

– Mas você por acaso sabe, por quê eles brigam tanto?

– Não senhor, eu não faço ideia

Um sorriso maldoso cresceu em seus lábios e as minhas entranhas se espremeram ainda mais

– Enzo estava apaixonado por um garoto de sua sala e eles até namoravam em segredo, mas em um belo dia meu filho foi chifrado. Ele pegou o namoradinho e William aos beijos no terceiro andar e desde então eles são inimigos mortais. Enzo convenceu a todos de que William não prestava então ele fica sozinho desde então

Eu já sentia as primeiras lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Aquilo estava doendo e ele sabia que eu iria ficar assim, é por isso que ele está contando

– E por que o senhor está me dizendo isso? - Seu sorriso agora estava maior, como um predador prestes a estralhaçar sua presa

– Estou dizendo porque não quero que você se magoe. Você não vê? eles estão apenas te disputando para ver quem consegue comer primeiro. Você Cadu, infelizmente, é apenas um troféu

Sabe quando você tenta fazer tudo para não demonstrar fraqueza, mas simplesmente não consegue? e aqui estou eu, em prantos e soluçando bem na frente do cara mais poderoso e arrogante do colégio que ainda está me olhando com o maior deboche do mundo

– Oh, não chore. Eu só queria abrir seus olhos antes que seja tarde demais. e antes que eu me esqueça, ele voltou sabia? está estudando aqui agora. Pode voltar garoto

Não precisou falar duas vezes. Eu escondi meu rosto no capuz e corri para fora daquela sala que eu espero nunca mais ter que entrar novamente. Corri entre a multidão que passava no corredor que me olhava e soltava risinhos, corri sem rumo algum na esperança de achar um canto vazio para chorar

Mas é claro, que faltava alguma coisa para completar a minha desgraça e fechar com chave de ouro. Eu tive que esbarrar em alguém e ainda por cima, cair no chão em cima dela

– EI! - Reclamou. Os alunos em volta riam e eu nem conseguia sentir vergonha. Só sentia raiva, pelo diretor e pela pessoa em que caí

– SAI DE CIMA DE MIM! - Mariana reclamou e eu me ergui desajeitado

– Você devia olhar mais pra onde anda

– E você devia ter mais vergonha na cara! - Eu não devia estar enfrentando ela agora, mas as palavras do diretor me deixaram ainda mais aéreo. Depois que eu recuperar o raciocinio me arrependo

– O que?

– VERGONHA NA CARA! - Respondi mais alto e os alunos(que aliás, parecem que não tem mais o que fazer) começaram a incentivar a briga

– Então você descobriu que eu dei as fotos pra Jessica. Mas você também sabe que o seu amiguinho me ajudou?

– Amigo da onça igualzinho a você! como você pôde fingir que é minha amiga PRA DEPOIS ME APUNHALAR PELAS COSTAS?

– EU TE APUNHALEI PELAS COSTAS? VOCÊ FICOU COM ELE, MESMO SABENDO QUE EU SOU APAIXONADA! ELE É MEU!

– ELE NÃO É E NUNCA VAI SER SEU, MARIANA!

– CLARO QUE VAI! E PARA DE ME CULPAR PELO QUE EU FIZ! UMA HORA ELES IAM DESCOBRIR MESMO QUE VOCÊ É VIADO PORQUE SE NÃO FOSSE ELE, VOCÊ IA DAR PRA OUTRO!

Agora ela foi longe demais e não teve mais como segurar a minha raiva. Não, eu não bati na Mariana e nunca faria isso com ninguém. Vamos dizer apenas que estavamos bem na frente da piscina do colégio e eu não perderia essa oportunidade.

– O QUE VOCÊ VAI...NÃO! MALDITO! VIADINHO DE MERDA!

Eu empurrei Mariana para dentro da piscina e todos que estavam ao redor tirando sarro começaram a rir da cara da garota. Em outras cirtunstâncias eu me sentiria mal com isso, mas agora eu só ri e deixei ela lá boiando na água

Eram coisas demais para assimilar de uma vez só. O motivo por Enzo e Will brigarem, o garoto envolvido, essa história de troféu e principalmente a volta do garoto. Foi por isso que Will estava tão estranha essa manhã? ele veio para o colégio junto com a gente, mas assim que descemos do carro ele passou na frente sem nem dizer nada. Nem se deu ao trabalho de perguntar se eu estava bem

E Enzo. Ele nem ao menos falou comigo depois que recebi alta. Onde está a preocupação que vi enquanto estava no hospital? eu queria que pelo menos ele perguntasse alguma coisa. Eles estavam fingindo se preocupar?

Ao longe na quadra, eu vi o loiro e seus amigos, mas diferente de antes não tinha menininhas agarradas nele e sim um garoto. Um garoto de cabelos pretos e olhos azuis que estava agarrado ao seu pescoço

E o que mais doeu, foi que ele não parecia descontente. Ele correspondia sem nem tentar tirar os braços do garoto dali e parecia estar até feliz. Will estava perto também observando com uma expressão chateada a cena do loiro com o menino novo

Por um segundo vi os olhos castanhos esverdados entrando em contato com os meus e desviei o olhar na hora. Eles me descartaram? não, lágrimas fiquem aí! não ousem derramar agora! droga, eu não consigo parar de chorar

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