Dois é demais escrita por Mortífera


Capítulo 19
Capítulo 19


Notas iniciais do capítulo

Olá. Quantos comentários lindos no capítulo anterior



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Não estava um tempo adequado para aquilo, as nuvens de cinza se aproximavam cada vez mais, mas mesmo assim estávamos ali. Fazer piquenique na pracinha perto de casa era quase como uma tradição de família que nunca poderia ser quebrada.

– Você quer mais um, anjo? - Mamãe perguntou. Ela estava tão linda naquele dia. Seu cabelo loiro escuro comprido, uma nostalgia que nunca mais vi após meus seis anos de idade. Depois ela adotou o estilo um pouco abaixo dos ombros, que também a deixavam linda, mas não como o cabelo comprido.

– Não mamãe, eu não aguento mais - Murmurei de barriga cheia. Já tinha comido seis sanduíches de salame. Eu era uma criança gulosa, não sei como não fiquei gordo.

Eu deitei na grama sobre a toalha e ela começou a acariciar meu cabelo. Todos os Domingos, quando minha mãe tinha folga na doceria que trabalhava, nós usávamos todos os condimentos que tinha na geladeira para fazer sanduíches um mais diferente que o outro. Íamos para uma pracinha simples que ficava há duas quadras dali, tinha brinquedos e pouca gente. Era um piquenique mesmo, daqueles que você vê em filmes antigos com famílias perfeitas. Eramos uma família perfeita, apesar de tudo.

Meus olhos estavam quase se fechando, quando vi algo que me surpreendeu. Eu nunca tinha visto aquilo na minha vida e fiquei realmente assustado. Puxei a barra do vestido da minha mãe com força e quando ela me olhou confusa apontei para onde estava olhando.

– Isso se chama beijo - ela explicou sorrindo - é comum entre pessoas que se amam

– São homens! eles também podem se amar?

Eu sabia o que era um beijo, mais ou menos, mas sabia. Mas nunca tinha visto dois homens se beijando e observando a cara de nojo que a maior parte das pessoas fazia quando os olhavam, eu julguei que era uma coisa ruim.

– Carlos Eduardo! um homem pode ter um relacionamento com outro homem e isso vale para mulheres também. A sociedade nos rotula com o que devemos ser, mas não podemos ser marionetes. Todos amamos alguma vez na vida e temos que ser livres, dependendo do que as pessoas acharão.

Naquela época, eu não entendi nada daquilo. Eu era uma criança de cinco anos, uma criança criança retardada! Então, disse simplesmente:

– Eu não vou amar ninguém - E ela me olhou com os olhos arregalados por cinco segundos. Sorriu, e afagou minha cabeça mais uma vez.

– Amar não é uma escolha, anjo

– Claro que é! eu tenho controle sobre mim - Rebati

– Claro que não. Você simplesmente ama, querendo ou não. E as vezes, isso pode ser uma cina.

Eu sabia que ela estava falando do meu pai. Eu sabia que ela sentia falta dele e eu me senti mal por não ter feito ela esquecer. Mas eu fiz uma careta quando o casal desfez o beijo e minha mãe riu de novo.

–-

As lágrimas começaram a escorrer no meu rosto automaticamente e eu torci para que ninguém entrasse no meu quarto agora. A pracinha que íamos todos os Domingos agora era uma grande loja de sapatos. A loja que ela trabalhava faliu há mais ou menos dois anos, que saudades eu tenho dos biscoitos dela. Toda vez que vejo biscoitos de chocolate começo a chorar como um idiota. Todas as coisas que me lembravam ela foram destruídas. E ela...não está mais aqui comigo.

Se todos pensassem que nem ela eu não me sentiria tão mal, mas como minha mãe disse, a sociedade tem rótulos. Eu fui um idiota pensando que nunca gostaria de alguém. Aqui estou eu, debruçado na cama molhando o lençol com meu choro dramático, com o hipopótamo verde nos braços e na outra mão segurando o celular, com uma imagem da nova foto de perfil do Enzo.

Um mês se passou. UM MÊS! amanhã já é primeiro de Agosto e tudo volta ao normal. Volta os professores chatos, os alunos chatos que só fazem bagunça, as matérias chatadas. A frase tudo que é bom dura pouco é inegável. Eu não estou preparado para encara-los. Caramba, os dois gostam de mim, os dois me "amam", como eles dizem. Nesses trinta dias, eu tenho apenas lido como um condenado e já terminei cinco livros.

O pior de tudo isso: eu, Carlos Eduardo Mendes, estou gostando dos dois. Se eu vou admitir isso para alguém além do meu subconsciente?? JAMAIS!

Dei um pulo na cama quando meu celular começou a vibrar anunciando uma ligação. Era o gêmeo esquentadinho.

– Alô?

– CADU, VAI PRO BLOG DA JESSICA AGORA!! - ele gritou no telefone. Ele parecia...desesperado.

– Oque? você olhando site de fofoca? - zombei - e por quê?

– SÓ ENTRA E OLHA O QUE ELA POSTOU PORRA!

– Hm...depois eu olho. Até amanhã loiro

Disse simplesmente desligando na cara dele enquanto ele gritava no telefone. Jessica era uma menina nojenta do colégio que tinha um blog onde escrevia todas as coisas que aconteciam no colégio. Se alguém briga, ela escreve lá. Se alguém namora, ela coloca lá. Foi o que aconteceu com Bernardo.

Apenas joguei meu celular de volta na cama e voltei a ler o livro que tinha esquecido há uns dez minutos.

–-

– CADU, ANDA LOGO! - Meu irmão gritou batendo da porta do quarto

– Calma Bernardo, ainda faltam vinte minutos!

– Até você terminar vão ser cinco - Ele esbravejou antes de descer as escadas, talvez pela décima vez.

E pensar que essa animação toda é para ir á escola. Para aprender, é óbvio que não é. Faz duas semanas que ele começou a namorar com Victoria.

Depois de mais ou menos cinco minutos desisti e joguei uma touca por cima do cabelo. Ele estava um nó porque fui dormir com ele molhado ontem. Desci as escadas e Bernardo, Caio e meu pai já estavam no carro.

– Não acredito que vamos pro colégio tão cedo. Tudo por que ele quer ver a Viiic - O caçula disse revirando os olhos e usando uma voz feminina para falar o nome da garota.

–Ei não fale assim dela!

– Mas Caio tem razão. Você só tem falado dela o tempo todo

– Um homem não pode mais ser romântico? - Ele dramatizou e eu seguirei o riso.

– Ser romântico é bom, mas não ao nível "BLERGH" - Caio disse e nós começamos a rir. Nem meu pai se segurou dessa vez.

O dia aparentemente ia ser bom. Mas quando abri a porta do colégio e comecei a andar pelo corredor a coisa mudou de figura. Eu era apenas um estudante comum antes das férias e agora, todos estão olhando para mim. Eu sou a atração principal e eu não estou falando de uma forma boa.

Eles me lançavam olhares de nojo, ódio, maliciosos e maldosos. Scárnio, essa é a palavra certeza. Me encolhi um pouco diante daqueles olhares.

– Viadinho... - Um garoto sibilou com os lábios e eu gelei. Meu deus. Agora eles sabem de tudo. O colégio todo sabe. Minha vida social acabou.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo foi bem curtinho, eu sei. Mas vocês sabem que eu gosto de dar um ar de...mistério. Comentem suas opiniões nos comentários positivas e negativas. Amo vocês