Nós chegamos a porta do aeroporto e Kayla puxou o capuz, cobrindo seu rosto de sombras. Eu fiz o mesmo e entramos no grande salão refrigerado. Kayla já tinha a passagem e nós não tínhamos bagagem, então entramos logo na fila para a sala de espera.

As pessoas olhavam quando passavam, mas encaravam como poderiam fazer. Dois vultos negros são mais comuns do que duas garotas mal vestidas com mexas azuis e orelhas pontudas.

A fila andou rapidamente. Havia uns dois garotos, com postura de malandros, roupas largas e boné, que andavam paralelamente a fila, lá atrás. Então um deles nos viu e apontou para nossos mantos, cochichando com o amigo, que deu um esgar e pude sentir sua decisão se formando.

Então eu congelei. Cada membro do meu corpo ficou rígido e os olhos enevoados. Meus lábios se separaram um pouco e a visão começou.

Os garotos idiotas puxavam o capuz de Kayla, que estava desprevenida e com a orelha pontuda a mostra. Eles arfavam e recuavam, e ela atacava por instinto. Ela estava em cima de um deles com uma faca antes que percebesse o que estava fazendo. E a visão parou.

Não era preciso ser gênio para saber o que aconteceria a seguir. Ela o mataria e nós seriamos presas. Ou ela pararia por aí e nós seriamos expulsas. De qualquer modo, não ia ser legal.

Eu me inclinei para frente e sussurrei a Kayla.

-Aqueles garotos vão puxar seu capuz.

Endireitei-me e verifiquei pelo canto do olho os garotos bobões. Eles não estavam muito longe agora. Percebi Kayla ocultar sua orelha e colocar um par de óculos escuros. Tirados de onde, só Deus sabe.

Com seus olhos vermelhos e suas orelhas escondidas, ela pareceria apenas uma linda morena coberta com um manto preto e gigante.

O estúpido garoto puxou de uma vez o capuz dela, rindo com o amigo. Kayla olhou meramente para eles, virando os cantos de seus lábios cheios para baixo.

Os garotos encararam as feições delicadas de Kayla, seu rosto belo, ficando mudos e os queixos caindo. Eles a fitaram enquanto ela punha o capuz novamente e eu sorri.

Nossa fila andou e nós entramos no avião. Sentamos lá atrás para não sermos notadas.

-Detesto garotos daquele tipo.

Falou Kayla para mim. Ela falou, pela primeira vez informal. Tirei meu rosto da janela onde estive apreciando a mudança de paisagem e foquei nela.

-Sempre se achando o máximo. Eles são a representação dos humanos em pessoa. A diferença é que eles mostram quem realmente são.

Não concordava com isso. Embora não tenha conhecido humanos bons, e posso citar desde Felipa até Luke Bronks, achava que tinha de haver alguém bom em algum lugar. Alguém de essência pura.

Descemos do avião e chovia quando eu cheguei. Pelo menos não nevava. Ali era tão verde, tão bonito, eu só pude ficar parada encarando. A natureza me chamava, berrava por mim. E eu queria muito atender a esse chamado.

Kayla me guiou em velocidade comum até a beira de um boque. Então corremos para o clã.

Corríamos por natureza e por trechos urbanos, corríamos sem nos importar com nada. Quando finalmente chegamos há uma vasta floresta, ela parou.

-Primeiro, vou te ensinar a se mover.

Ela falou, mas sinceramente, eu não entendi o que ela quis dizer. Depois ela jogou o manto que a cobria no chão e sinalizou para que eu fizesse o mesmo.

Ela mirou um galho torto próximo e no instante seguinte estava nele, me chamando.

-Venha! Salte!

Eu recuei um passo, depois outro. Encarei o galho, sem saber o que fazer. Ele era alto e íngreme, eu não sabia como ela tinha conseguido chegar ou como conseguia manter-se estável.

Então eu fechei os olhos e me joguei.

Sabe aqueles filmes em que as pessoas descobrem que não são o que pensaram que eram e que tem poderes fenomenais? Quando o protagonista tem certeza de que não vai conseguir, mas tenta e consegue de primeira, melhor que todo mundo? Duas palavras.

É. MENTIRA.

Eu me estabaquei no chão, com as pernas doendo. Tinha um galo na minha cabeça onde o galho tinha me acertado. Massageei o couro-cabeludo, olhando para minha mentora.

Kayla ria.

-Desculpe. Acho que exigi demais para a primeira vez.

Revirei os olhos sarcasticamente. Você acha?