Isso é impossível.

Pensei, enquanto observava Raphaella dar um giro no ar e acertar um boneco de areia bem no peito com uma faca, que ela pegou em seu cinto.

Ela puxou a faca de volta e a areia caiu do boneco. Ela aproximou-se de outro e o acertou com golpes manuais habilidosos e muito rápidos para o olhar humano. Por fim, decidiu acabar com o aquecimento e decapitou-o, pulando nas suas costas e girando o pescoço do boneco até que se desprendesse.

Eu estava imóvel, tentando me equilibrar em um pé só e segurando uma vara enfrente a meu rosto. Esse era meu aquecimento, e aquele era o dela. Se há uma coisa que aprendi é; a vida não é justa.

De repente entendi o que Kayla quis dizer com “Ou você vira uma de nós, ou morre.” Eu poderia ter morrido de frio e de fome na minha segunda prova, se não fosse Murilo. Nessa, era mais provável eu morrer de pancada.

Eu nunca soube lutar. Não era uma menina violenta. Aos quinze anos, a chance perfeita para eu aprender a quebrar ossos, fui trancada em um porão. Não é de se espantar que eu não tivesse a menor idéia do que deveria fazer.

O terceiro passo deveria testar minha capacidade física como Semi-Ninfa.  Eu tinha que derrotar uma Semi-Ninfa experiente. E observe minha sorte; a Semi-Ninfa que iria me testar era apenas Raphaella Minucci, a melhor lutadora do clã.

Ela se virou para mim, pronta. Eu dei um passo a frente, saindo de minha posição, e me postei diante dela.

Ela se agachou um pouco, flexionando os joelhos de maneira ofensiva. Seus lábios se repuxaram para mostrar os caninos. Suas orelhas pontudas pareciam mais atentas. 

Minha audição já era apurada, mas quando a adrenalina atiçou meu corpo, eu pude ouvir as vibrações com a parte pontuda da orelha. Meus olhos violeta pareciam estar maiores enquanto minhas pupilas se contraíam. Meu cabelo vermelho se agitava a minha volta.

O silêncio havia tomado conta do clã. Não se ouvia nem uma única respiração e o menor ruído parecia um grito.

Então, subitamente, ela atacou.

O único aviso que tive foi ver seus joelhos se flexionarem segundos antes de uma figura silenciosa saltar. Girei meu corpo e saltei para longe, o cabelo tapando minha visão e por um segundo fiquei cega. Cega, mas não desorientada.

Sabia onde estava e onde ela estava. Sua aterrissagem havia sido precisa, e seus pés haviam tocado a terra com suavidade, no local onde segundos antes eu estava.

Era tudo muito rápido. Só precisei de dois segundos para correr e investir nela, mas ela estava muito bem preparada. Sua mão acertou meu corpo e eu inventei uma evasiva, pulando por cima de sua cabeça e parando, agachada, logo atrás dela.

A lateral de meu dorso doía, mas eu não me importei. Eu era uma caçadora, e ela era minha presa. Só isso importava.

Raphaella ainda não havia se virado. Ao que parecia, eu a havia machucado. Não me importei, e aproveitei a pequena chance que eu tinha de saltar nas suas costas como se fosse um galho.

Coloquei as mãos nos dois lados de sua cabeça, planejando subjugá-la a minha vontade. No entanto, Raphaella era boa demais.

Ela me atirou de suas costas, me fazendo cair quase dois metros de distância. Distância que foi superada em segundos, quando eu me levantei e ela investiu.

Começamos um combate corpo-a-corpo, vultos indefinidos e eu já não sabíamos definir quem era eu e quem era ela.

O embate durou quase trinta minutos. Parecia, para mim, uma eternidade. Finalmente, em um ato de desespero, senti minhas unhas arranharem sua pele, seu braço direito, e ela arquejar. Por um segundo, pareceu que a vantagem era minha.

No momento seguinte, a luta acabou com sua mão esquerda envolta do meu pescoço.

Eu não entendi como foi. Tanto eu como Raphaella estávamos arfantes, as duas exaustas. As Semi-Ninfas não pareciam ter percebido o que acontecera. Acabara. E eu perdera.