Guiados pela lua escrita por Alia Novaz


Capítulo 3
Uma vida caiçara


Notas iniciais do capítulo

Quero agradecer muito a bia que é meu incentivo em continuar a história ☺️😚



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Tínhamos caminhado a noite inteira, de algum modo não estava cansado e isso foi extremamente bom, tínhamos adiantado muito nosso caminho. Ao amanhecer Bianca dissera que estávamos perto do litoral, isso me animou muito porque três dias andando e uma noite em claro, não foi fácil, sinceramente a pior parte foram os mosquitos, por que demônios eles existem?
Hoje acordei e bati a cabeça, a vida num beliche baixo não foi feita pra mim, mas posso me acostumar; olhei para cima e para os lados, não havia mais ninguém no quarto, um quarto simples e aconchegante com duas beliches, uma planta meio intrusa e uma mesinha de baixo da janela que dava para a praia, uma visão incrível.
Coloquei uma roupa, estava de samba-canção, eu não me lembro de ter trocado de roupa ontem, na verdade, eu não me lembro de quase nada de ontem, apenas de que cheguei, deitei e dormi. Me dirigi pra sala de estar e lá estavam Bianca e sua penca de primos
– bom dia flor da primavera- Bianca estava comendo um pão
– bom dia- eu estava esfregando os olhos e bocejando, o sol me dava mais sono ainda
– esse é o Danilo?- uma menina de uns 10 anos olhava pra Bianca e em seguida para mim
– Daniel - eu disse me abaixando um pouco - prazer - sorri e fitei os olhos verdes da criança
– Juliana, mas pode me chamar de Juju- ela deu uma risadinha e saiu da sala
– Dani esses são meus primos- Bianca tirou minha atenção da criança- Augusto...
Um menino de uns 14 anos, muito moreno de olhos negros meio puxados e cabelo curto encaracolado fez um sinal de oi com a cabeça enquanto não desgrudava os olhos do seu joguinho portátil
– os gêmeos Marcos e Murilo...
Dois meninos de olhos cor de mel, cabelos lisos espetados e pele bronzeada se viraram para mim ao mesmo tempo, me encararam e depois se entreolharam sorrindo, deviam ter mais ou menos uns 16 pra 17 anos, minha idade
– Raquel
Uma menina com o rosto cheio de vida, muito morena de olhos amendoados cor castanho escuro, cabelo liso e um sorriso magnífico de, ao mesmo tempo, dar inveja e alegria a qualquer um
– E o Guilherme, vocês se viram ontem mas você estava tão grogue que acho que nem se lembra- Esse parecia ser o dono da casa. Devia ter uns 20, 22 no máximo, tinha o cabelo comprido castanho muito escuro, inteiro de dreads amarrados num meio rabo; olhos pouco amendoados de um verde meio caramelo e de pele muito bronzeada.
Ele se levantou e veio em minha direção, gelei, ele era muito alto, me perguntei de como não lembrava de um cara desse tamanho
– Daniel...- a voz dele dava medo, ele se inclinou um pouco pra me encarar, minha respiração estava quase parando- você conseguiu pegar suas raposas da cochina?
– eu.... O que? - raposa de que?
– ontem a primeira coisa que você disse quando entrou foi "preciso pegar as raposas da cochina" aí você deitou na cama e falou "volta pra cochina raposa"- ele ficou me encarando
– eu acho que sim, eu não sei, pode ter sido efeito do sono, eu acho- estava tudo meio quieto, eu, Bianca e os primos até que o Guilherme começou a rir e todos o acompanharam, eu não sabia a graça e fiquei até meio envergonhado
– Bianca, esse seu amigo é muito brisado- ele ria e colocava a mão no meu ombro me dando tapinhas amigáveis- imagina se ele ficasse bêbado...
– nem tente! - Bianca ainda estava sorrindo mas o tom da sua voz era sério
– calma tampinha, é brincadeira- ele passou a mão nos cabelos de Bianca
– Dani, vem aqui, eu quero te mostrar a casa- ela me agarrou pelo braço e me puxou pelo corredor
Era um corredor meio estreito e curto, logo no começo tinha uma porta para a cozinha, mais a frente do outro lado, tinha uma biblioteca pequena e no final do corredor havia uma porta para a sacada, tinha vista aberta para a praia e dava pra sentir a brisa do mar
– é só isso, no outro corredor você já sabe, quartos e banheiros- ela fez uma pausa e ficou olhando o mar com um sorriso- é pouco espaço, mas é acolhedor
– é fantástico- eu a olhei e sorri, ela retribuiu
– vamos almoçar na praia hoje, daqui uns 10 minutos estamos saindo- ela saia de perto de mim e caminhava em direção à porta- eu vou deixar você se acostumar- antes dela sair eu me virei em sua direção - bem vindo a sua nova família - ela fechou a porta
Eu não me encaixava bem nesse perfil de família caiçara, eu era meio branquelo de cabelos louros e olhos cinzas, de qualquer modo, estava feliz de ter uma família, de ter gente para conversar sobre como foi o dia, de ter irmãos e irmãs, de ter gente que me ajude e me apóie, eu tinha uma família.

As estrelas são tão simples, tão alheias à tudo mas ao mesmo tempo você se sente conectado a algo quando olha pra elas, são de algum modo calmantes para a alma... puta papinho de filosofia hippie, mas pra mim é verdade.
Passamos o dia inteiro na praia, almoçamos e logo depois Juliana já queria ir no mar, Bianca deu uma baita bronca nela quando Juju pegou um siri e colocou-o no cabelo de Bianca, o coitadinho ficou preso nos cachos e todo mundo riu quando eu fui tirá-lo de lá e o desgraçado beliscou o meu dedo, altas historias para contar para meus netos.
Depois de todo esse carnaval, os gêmeos me chamaram para ir nadar, não se passaram dois minutos e eles estavam quase se matando dentro da água, quando fui tentar ajudá-los... Adivinha? Uma guerra de areia molhada épica começou assim do nada, dois contra um. Areia dói que nem peteleco, estava sendo massacrado quando a salvação chegou; Bianca parecia uma metralhadora de areia molhada, podia ter derrotado os dois sozinha se quisesse... E foi mais ou menos isso que aconteceu mesmo.
Juliana me fez de cavalinho, andamos até um dos gêmeos vir me acudir; Guilherme me ensinou como pegar um coco sem precisar subir no coqueiro, é uma arte antiga e mística chamada jogue a pedra até acertar o coco, esplendidamente fantástica; os gêmeos fizeram competição de cipó, basicamente consiste em ver que fica mais tempo preso de ponta cabeça, e óbvio que eu perdi; Raquel ficou sozinha quase o dia todo, acho que geralmente ela deve ficar com a Bianca, mas hoje como Bianca estava a maior parte do tempo comigo não falou muito com Raquel, me senti mal por vê-la sozinha lendo então fui falar um pouco com ela

– então...- eu sou muito bom em começar uma conversa com gente desconhecida- o que você está lendo?
Ela aproximou mais o livro ao rosto e encolheu os ombros, consegui ver que era um livro verde cheio de detalhes em dourado com um cervo dourado no centro e o número 4 em preto com contorno dourado logo abaixo do cervo
– é um livro muito bonito- estava bem envergonhado, achei que essas pessoas que curtem ler adorassem falar dos livros
– Dani vamos jogar vôlei?- salvo pelo grito desafinado de Augusto
– você vem Raquel? - uma última tentativa de comunicação
Ela balançou a cabeça em sinal de não e virou o rosto para meu lado contrário. Tentativa ignorada com sucesso.
Jogamos umas 5 partidas, eu, Guilherme e Augusto num time e os gêmeos Marcos e Murilo junto a Bianca no outro time. Juju era uma péssima juíza, sempre dava pontos a mais para Bianca quando essa falava que faria um bolo se ganhasse; no final nem as habilidades de Guilherme conseguiram competir com o bolo de Bianca.
Bianca havia acabado de terminar o bolo quando o sol já estava se pondo e todos estavam na praia comendo, somente Raquel ainda estava na cadeira lendo, ela parecia ser uma menina tão alegre a primeira vez que a vi, fiquei fitando curioso de onde aquele sorriso teria ido
– o que você tanto olha Daniel- um dos gêmeos falou se aproximando do meu lado esquerdo, acho que era Marcos, ou talvez Murilo
– e você ainda pergunta? Ele tá de olho na nossa irmãzinha- não se passaram nem cinco segundos e o outro havia surgido do meu lado direito
– minha irmãzinhal? Seu pervertido!- o do lado esquerdo já estava ficando furioso
– não!- eu gritei meio sem jeito- não, eu só estava pensando porque ela não se junta a nós, ela ficou sozinha o dia inteiro
–que gesto bonito Daniel- o da direita disse brincando- se preocupando com nossa irmãzinha
– bonito? Bonito vai ser o pé que você vai tomar na bunda daqui a pouco
– calma Murilo...- me dirigi ao da direita
–Marcos- o da esquerda replicou
–Marcos- respondi tentando me corrigir- eu não quero nada com ela, eu só ...
– não quer nada com ela?- Murilo perguntou desconfiado e me interrompendo
–ela tem alguma coisa de errado?- Marcos logo me culpou
– não, eu só...
– está chamando nossa irmãzinha de defeituosa?- Murilo me interrompeu novamente
–eu só...
–ela é perfeita! Por que alguém não iria querer ficar com ela?- Marcos vociferou
– Eu só queria que ela se enturmasse!!- eu gritei, mas parece que o resto do pessoal, que estava mais distante, não conseguiu escutar
– Ah, só isso?- Marcos e Murilo disseram ao mesmo tempo
– Raquel!! - Marcos gritou
– o que você tá fazendo sua besta?- eu ainda estava envergonhado de hoje cedo
– ué, não quer que ela enturme? Estamos chamando ela aqui- Murilo parecia confuso
– eu já tentei falar com ela hoje e ela não quis- estava nervoso, se ela não quer não tem porque insistir
– que é Marcos?- a voz dela era um pouco distante e parecia sem vontade
– não ouse- eu falei para Marcos, estava bravo e com os dentes cerrados
– Raquel!- pronto, eu gelei, ia levar o maior coice da história dos coices- você não vai comer bolo? A Bianca fez de fubá!
Suspirei aliviado
– não, acho que vou mais tarde- ela continuava lendo o livro
– se depender de mim não vai ter mais nem migalha a tarde- Marcos gritou desafiador
– então não vou!- parecia sua resposta final
– tá, se divirta ai sozinha- Marcos me zombou, apoiou o braço em meu ombro e Murilo fez o mesmo
– gelou?- Murilo disse num tom que me irritou
– tá na cara que ele gelou, olha como está branco... Quer dizer, mais que o comum- os dois riram
– há há, muito zoeiros vocês dois- falei com muito sarcasmo
Passamos a noite conversando, todos contando para mim de quando Bianca era pequena e de como ela pescou um peixe com um taco de baseball, histórias e lendas do povo indígena que eles descendiam, descobri até que nem toda a família era só indígena, alguns eram mulatos ou africanos, isso explicava os vários cabelos encaracolados.
– eu morria de saudades daqui- Bianca estava se sentando do meu lado trazendo um espeto de carne recém assada na fogueira
Eu parei de olhar as estrelas, parecia um tonto olhando para cima, meu pescoço até doeu quando voltei na posição normal
– aqui é fantástico, eu também ficaria com saudades se fosse você- mordi um pedaço da carne
– parece que aqui todo o mundo para, um lugar isolado e bonito- ela disse comendo a carne e sorrindo para mim
– chega quase a ser meio mágico- voltei a olhar para cima e vi de canto de olho que Bianca me olhava estranho- o que foi? - Fiquei curioso
Ela deu um tapa nas minhas costas
– tem que tomar cuidado com os bichos aqui, se deixar eles te comem vivo- ela me olhou e sorriu, eu retribui o sorriso e depois disso ficamos quietos quase a noite inteira, só escutando a conversa dos outro e olhando as estrelas


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Notas finais do capítulo

Pra quem não sabe caiçara é aquela pessoa que mora na praia 👍



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