Fullmetal Alchemist: After All escrita por Paulo Yah


Capítulo 14
#13 - O Coração do deserto.




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- Aurora, Kray... – Freiya os chamou.

 

A sala do trono que estava vazia encheu-se pela presença dos dois indivíduos. A mulher de cabelos arroxeados, e com certeza a pele mais pálida entre todos os outros nove, possuía um olhar mortal e arrogante. Tinha uma cicatriz no olho direito, tal qual não havia pupila nem Iris. O outro olho era azul tão claro que quase se camuflava em branco no olho ocular. Usufruía da capa preta de número 10 e trazia em uma de suas mãos uma foice de cabo longo e lâmina curva. Repousava de frente pra suas costas.

O homem chamado Kray devia ser o menor em estatura. Cabelos acinzentados e longos, parte deles presos em um rabo no topo da cabeça, enquanto o resto escorria por suas costas, e uma longa e lisa franja dividia-se em sua face. Usava pequenos óculos de grau com lentes retangulares. Usava a capa de numero 06. Tinha em seu semblante certo aspecto de homem orgulhoso e seus olhos eram de um violeta tão vivo que muitos poderiam se perder neles, apesar de não muito grandes.

Ambos se curvaram diante do trono e esperaram que Freiya se pronunciasse.

 

- Hohenheim e o Alquimista de Aço se encontram em Creta nesse minuto. – Informou a mulher. – Logo, gostaria de pedir pra que fosse visitá-los!

 

- Sim, minha senhora. Seu pedido é um ordem. – Disseram em coro.

 

- Neutralizem-nos! – Ordenou. – E se possível, tragam-me a cabeça dos dois.

 

Os guerreiros desapareceram, deixando Freiya divertindo-se com seus planos, só.

 

- Tem certeza que o Arqueiro e a Ceifadora cuidarão dos alquimistas? – Perguntou Loki sentado de braços e pernas cruzadas no grande vitral acima da entrada.

 

- Não duvide de seus semelhantes, Loki. – Disse divertidamente ao suposto subordinado.

 

- Meus semelhantes? – Repetiu. – Não sou semelhante de escravos. – Riu-se. – Desculpe Treason... Infelizmente você me fez desta forma.

 

Os deboches de Loki deixavam Freiya à beira da insanidade e da ira, mas ela sabia se conter. Um subordinado não ia lhe causar tal fúria que a fizesse explodir em irritação.

 

- Você é uma peça importante no meu tabuleiro, caro Loki. – Dizia Freiya devolvendo-lhe as sátiras. – Quer queira ou não, eu estou no topo! EU TE FIZ PODEROSO!

 

- Que seja, homúnculo insolente. – Retrucou, descendo do vitral e se aproximando agressivamente da mulher. – Eu ao menos não tenho o desejo inútil de ser um humano! Tal desejo – Subiu as escadas do trono, chegou bem perto de Freiya de tal maneira que ambos sentiam suas respectivas respirações. – Que você alimenta desde seus primeiros momentos de vida.

 

- Loki...! – Rosnou enraivecida.

 

Loki riu olhando em seus olhos, refletindo-se naqueles grandes orbes vermelho-rubi.

 

- No fim das contas, você é nada mais nada menos que a união de todos os outros homunculi, cara Freiya! E o que você sente pelos humanos é inveja... INVEJA!

 

Os olhos de Freiya mexeram-se agressivamente e com isso Loki foi empurrado para baixo das escadas, arrastando-se até o pé da porta. Freiya se levantou do trono e caminhou até ele. Seus olhos brilhavam em um carmesim intenso e a cada passo sua presença aterrorizante aumentava.

 

- Você precisa aprender a ter mais respeito com aqueles que estão acima de você, Loki. – Dizia num sorriso desdenhoso.

 

- Ninguém está acima de ninguém nessa história. – Ele dizia se levantando. – Você pode até ser mais forte que eu... Mas está sendo tomada por uma ignorância ridícula! Antes eu admirava a sua forma de pensar, mas agora o que eu vejo é um homúnculo com desejos humanos!

 

- Cale a sua boca! – E novamente o mandou para o chão. – Não me deixe mais furiosa do que já estou!

 

Loki gargalhou enquanto estava jogado ao chão, fazendo Freiya se irritar mais ainda.

 

- Está até se colocando no lugar de uma humana! – Dizia entre as gargalhadas.

 

O rapaz desapareceu do chão e reapareceu atrás de Freiya com os braços cruzados e dessa vez com um sorriso maldoso.

 

- Não se esqueça dessa tal importância que eu tenho pra você, Treason. Eu ainda estou servindo ao seu dispor, e diferente dos outros, eu cobro retribuições. Agora eu vou sair deste inferno, tenho mais o que pensar, que não seja sobre essa sua mente insana e humana.

 

Deixou o homúnculo sozinho, remoendo sua fúria. Mas logo Treason esboçou um sorriso desdenhoso, como se tivesse sobre vantagem do guerreiro rebelde.

 

- Continue a me desafiar, Loki. Eu tenho um plano B. – Disse pra si mesmo.

 

...

 

O rapaz estava entre as pessoas que passavam naquele lugar desconhecido. O povo daquele lugar lembrava muito os Ishvalianos... Todos eles de pele ligeiramente escura, exceto pelo cabelo castanho-escuro liso e olhos castanhos ligeiramente amarelados. Usavam exatamente as mesmas roupas, havia certa diferença entre as classes sociais. As mais baixas usavam uma espécie de quimono feito de trapos de tecido como eram os trages usados pela maioria dos Ishvalianos, enquanto os mais ricos usavam batas e batinas de seda com botões de ouro, turbantes também de seda das mais variadas cores.

A cidade de Alkaira – antiga capital de Creta. – era digna de ser intitulada uma obra de arte viva. Os contrastes eram sólidos, havia pobreza e riqueza vivendo lado a lado, artistas de rua, músicos, pintores, encantadores de serpente, toda a cidade dentro de um deserto de areias douradas, às margens de um rio de águas cristalinas e de frente para o imenso mar azul.

Edward estava maravilhado com aquilo, era um paraíso desértico, um Oásis vivo.

 

- É bonito não acha? – Perguntou Hohenheim observando o cenário, tão impressionado quanto o filho. – Mas nada é utópico...

 

- Como assim? – Perguntou sem olhar para o pai.

 

- Alkaira... Significa “cidade forte” na linguagem deles. Aqui dificilmente acontecem ataques por ter paredes sólidas em volta e os melhores arqueiros como guardas. Essa cidade é tida como independente e foi conquistada por revolucionários, não pertence mais ao estado de Creta.

“Todos vivem bem aqui, embora haja essa diferença de classes e a hierarquia do trabalho ainda exista. A filosofia de Alkaira é harmoniosa. Mas fora desses portões existe miséria, fome e desigualdade. O país é controlado por duas organizações rivais, que vivem em um conflito religioso desde os tempos mais primórdios. A alquimia que eles desenvolveram é restrita para os plebeus, dizendo que apenas os escolhidos por seus deuses é que podem utilizar a sabedoria e a filosofia da alquimia Cretana, isso significa que só a casta maior e imponente é que pode ter alquimistas.”   

 

- Que pilha de merda. – Resmungou. – Não entendo porque Flamel mora num lugar desses.  

 

- É uma longa história. – Encerrou. – Venha.

 

Os dois caminharam pelos mais diversos lugares em direção a casa de Flamel. Era um homem que chamava muito a atenção de Edward. Eles passavam por lugares muito belos, seguindo o fluxo do rio que corria entre a cidade. Camelos e cavalos pastavam ali perto, onde as mulheres cantavam as canções típicas em contraste com a voz grave dos homens. Parecia uma cidade feliz, o rapaz não compreendia como poderia haver tudo aquilo que Hohenheim havia dito que existia.

Um falcão voava no céu, parecia estar seguindo os dois.

 

- É um sinal! – Apontou para o falcão, Hohenheim.

 

- Sinal? – Perguntou.

 

- Sim! Alehi, o falcão protetor dos aventureiros. – Hohenheim sorria enquanto o observava.

 

- Ah! Pare. Não estou vendo isso! Você acredita nessas coisas? –Indagou indignado o filho.

 

- Não diga coisas precipitadas...

 

O Falcão pousou no braço de um homem que estava sobre o telhado de um prédio. Este, usava um guarda-peito feito de argolas de aço, a calça era larga e vermelha, para movimentos acrobáticos mais flexíveis, uma faixa preta amarrada de lado na cintura segurava a peça de roupa. Nos braços fortes, dois braceletes prateados, um em cada pulso. Em um deles repousava Alehi. Nas costas uma enorme cimitarra dourada e cobrindo a face um turbante que lhe cobria todo o rosto deixando a amostra os olhos da cor castanha.

 

- Karsh! – Acenou para o homem, que olhou para os dois e devolveu o aceno. Virou as costas, deixando o falcão levantar vôo novamente, e saltou de prédio em prédio. - Estamos chegando! – disse Hohenheim  sentindo uma imensa nostalgia.

 

- Quem é aquele cara? – Edward se sentia confuso, e zangado pela falta de informação.

 

- Você já vai saber, Edward.

 

- VELHO GAGÁ! – Vociferava impaciente. – Vá logo com suas explicações!

 

- Você tem que deixar as coisas fluírem com mais naturalidade, rapaz! – disse num sorriso e nisso saiu correndo em direção de Karsh.

 

- Mas eim? Ah! HOHENHEIM, NÃO ME DEIXE SOZINHO!

 

...

 

- Ah! Um velho amigo está chegando! – O velho de barba extensa e loura observava os tantos tubos de ensaio com essências de todas as cores. Tinha o cabelo trançado chegando quase aos pés e vestia-se como um mero cidadão daquele lugar.

 

Estava aparentemente dentro de sua casa. Muitos pergaminhos estavam empilhados nas mesas. Círculos de transmutações mapeados em vários deles e muitas anotações feitas em caligrafia fina e muito bem grafadas.

Havia desenhado no centro da sua parede uma cruz com uma cobra enrolada e duas asas angelicais, uma de cada lado das hastes horizontais.

 

- Estou entrando! – Dizia Hohenheim abrindo a porta.

 

O homem se deparou com o velho amigo, do mesmo jeito que havia o deixado da ultima vez. Como o próprio, não havia mudado nada, continuava relativamente jovem, sem nenhum fio de cabelo branco.

 

- Von Hohenheim! – Admirou-se sorrindo o velho barbudo. – Que bom vê-lo novamente!

 

- Nicholas! Continua o mesmo! – Aproximou-se para um aperto de mãos.

 

Nicolas deu um tapa na palma de Hohenheim com um sorriso de moleque naquela face de senhor.

 

- Meu corpo pode não mudar! Mas a essência... Ah! Essa sempre muda! Você também me parece tão jovem quanto da última vez que nos vimos! 

 

- Mas há muitas coisas que temos que colocar em dia!

 

- Aliás, meu amigo. – O semblante de Flamel mudou para uma expressão curiosa. – O que o trouxe até aqui sem prévio aviso?

 

- Longa história... – Disse Hohenheim. – Preciso pegar emprestado alguns de seus conhecimentos sobre aquilo que você vem estudando há tempos!

 

...

 

Edward acabou se perdendo de seu pai pegando outro caminho, mas sem perder Karsh que estava seguindo outro destino.

 

- Esse cara é muito rápido! – Edward transmutou uma escada na parede de uma das casas e subiu para os telhados também.

Havia ficado mais fácil de persegui-lo. Tinha se esquecido completamente de seu pai, não havia gostado da aparição daquele estranho guerreiro.

 

- Hei! Pare agora! – Gritava sem sucesso nenhum. 

 

Por um tempo chegou bem perto do guerreiro. Nisso, ele pulou de uma altura extensa, de um terraço ao outro. Edward o fez sem pensar e, quando estava prestes a alcançado, Karsh virou um chute giratório ainda no ar, atingindo o loiro no estômago, o fazendo parar no outro lado com a mão no local do golpe derrapando no solo arenoso do terraço.

O guerreiro aterrissou com leveza como um falcão e observou Edward agachado com as mãos no estômago, com uma expressão de fúria. Os olhos frios de Karsh não mudavam, ele continuava olhando para Edward sem mudar seu semblante.

O alquimista do aço se recompôs e assumiu sua posição de batalha. O guerreiro desconhecido tirou das costas a imensa cimitarra dourada com argolas na costa da lâmina, girou em sua mão, passou em volta do pescoço e se posicionou.

O confronto de olhares demorou por alguns minutos e então ambos correram um contra o outro. Edward tocou no chão e criou uma barreira, Karsh jogou impulso e com os pés escalou a parede, no mesmo tempo que o alquimista, que colocou as mãos no topo ergueu-se de ponta cabeça e tentou chutar o guerreiro que se esquivou com uma acrobacia, equilibrando-se na haste da barreira. Edward colocou-se de pé ali também e novamente demoraram-se num confronto de olhares.

 

- Vai insistir nessa briga sem sentido? – Perguntou o guerreiro de cimitarra.

 

- Eu me perdi do meu pai... Você deve saber o caminho, mas eu vou continuar sim! A última vez que lutei assim por esporte foi com meu irmão mais novo!

 

Edward bateu as palmas das mãos e encostou na barreira transmutando a sua costumeira lança. Girou a arma e estabilizou-se para começar novamente.

 

- Se é assim... Não vejo sentido em recusar!

 

Karsh pulou pra perto de Edward e tentou desferir golpes, mas Edward defendia e esquivava, mantendo-se equilibrado na haste, aproveitava para golpear quando tinha chance também. Luta com armas de cabo longo garantia equilíbrio ao rapaz, mas Karsh tinha equilíbrio perfeito, usando apenas uma espada empunhando-a com apenas uma mão.

Os dois tomaram distância em perfeito sincronismo, Edward colocou a lança rente ao quadril, com as pernas arqueadas, partiu para um novo ataque, e assim o guerreiro de cimitarra o acompanhou, ouve uma colisão de armas causando um ruído agudo que fez o alquimista – agora lanceiro – se distrair, tomando um golpe no estômago, com o cabo da espada.

 

- Argh! – gemeu enquanto se distanciava perdendo o equilíbrio.

 

Edward tropeçou e caiu pra um dos lados, mas antes que terminasse a queda, cravou a lança na parede firmemente, o cabo inclinou e assim ele colocou a outra mão na haste de metal da arma. Com um pouco de dificuldade, ele prendeu-se a arma com a mandíbula, bateu as palmas das mãos e relou na barreira criando tijolos salientes para que pudesse escalar de volta. Firmou-se neles, tirou a lança de lá  e subiu.

Karsh estava ali parado vendo Edward subir novamente. E quando este já estava em pé para um novo embate, ele se posicionou de novo.

 

- Você é inteligente! – Admirou-se o guerreiro. – Isso torna as coisas mais interessantes...

 

- Claro! – Edward avançou mais uma vez.

 

Dessa vez ele não iria falhar! Quando o golpe de Karsh fora desferido, Edward colocou a lança na frente, cravando-a na haste da barreira. Pendurou-se no cabo e passou para a retaguarda do oponente com as mãos livres e, com um chute, o tirou da barreira, fazendo o cair. Desencravou a lança e desceu no terraço.

 

- Além de inteligente, é rápido... – Dizia o guerreiro levantando-se.

 

- Com isso eu acho que eu venci. – Disse Edward convencido.

 

Karsh riu por trás do turbante, debochando do comentário do rapaz.

 

- Eu peguei leve, estranho! – Exclamou. – Mas devo confessar que seu estilo de luta é muito ágil! Quem foi seu mestre? Que estilo é esse?

 

Nesse momento Edward sentiu uma pontada no peito, já fazia quase 5 anos que não via sua mestra. Tudo que conseguiu fazer foi sorrir e lembrar de Izumi e seus ensinamentos rígidos...

 

- Minha mestra? Bom... Ela é apenas uma dona de casa. – Disse rindo.

 

Que cara estranho. – Dizia pra si em pensamento.

 

- Ehr... Bom. Vamos para a casa do velho Nicholas. – Karsh se quer esperou-o, simplesmente pulou para o solo.

 

- Droga... Que cara chato! – resmungou o alquimista voltando a correr.

 

...

 

Enquanto terminava de desenhar as peças do automail o qual considerava o projeto de sua vida, ela calculava simetricamente medida por medida sem errar nenhum cálculo.  Edward estava fora há um dia e a saudade já apertava o coração da loura, mas ainda assim ela fazia de tudo para continuar seu trabalho e sua vida pessoal.

 

Ele faz uma falta tão grande... Não sabia que seria tão fraca assim. Um dia e já estou quase chorando.

 

Ela já sentia falta, de como ele atrapalhava querendo atenção, ou quando vinha lhe trazer café e sem querer derrubava em seus projetos fazendo-a começar desde o começo. Sentia falta de quando ele a arrastava pra cama quando passava da meia noite e ela estava quase dormindo sobre a mesa de seu escritório. E então ao voltar a realidade reparou ter desenhado uma caricatura de Edward na folha em que projetava o automail.

Sentiu uma angustia muito forte, mas engoliu o choro. Era muito pouco pra tanto sentimentalismo. Ele logo abriria aquela porta, quebrado e com saudade de casa. Se jogaria naquele sofá e reclamaria da missão, resmungaria um palavrão qualquer e dormiria profundamente.

Ela riu ao imaginar tudo aquilo, mas logo sentiu duas lágrimas quentes escorrerem por sua face. Vendo o quanto era fraca, debruçou-se nas folhas e terminou de aliviar o pranto que não agüentou segurar. 

Depois de tanto tempo, simplesmente só...

 

Levantou-se da cadeira e foi ao banheiro lavar o rosto. Graças a aquilo, teria que passar aqueles cálculos pra outra folha, mas isso era o de menos pra ela. Tudo que ela queria era o rapaz de volta. Se encaminhou até o seu quarto e abriu a porta que dava acesso à pequena varanda. Respirou um pouco de ar puro contemplando o céu daquela manhã.

 

Ed... Volte logo.

 

...

 

Quando saí em peregrinação para Creta, foi quando descobri sobre a Transmutação Humana. Meu filho havia morrido em uma guerra contra uma nação também extinta como Xerxes. Eu era um sábio do reino e ele, um espadachim da corte.

No desespero de perder um filho, recorri a teorias sobre como transmutar corpo e alma de forma que pudesse ressuscitá-lo. Foram anos de pesquisa, suor e dedicação. Era uma experiência secreta até mesmo para o rei de Xerxes. E um dia, então, através de muitos cálculos e pesquisas, achei uma forma de criar um corpo e colocar uma alma especifica nele. Descobri toda a composição química contida em um ser humano, calculei por peso e altura do individuo que queria ressuscitar, logo em seguida dei a ele a informação da minha alma através do sangue e enfim tentei transmutar o meu filho.

Mas algo deu errado. E então eu fui o primeiro homem a ser sugado pelo Portão da Verdade.

Ao chegar lá me deparei com um ser indefinido, não tinha aparência nenhuma e sua voz era múltipla. Fiquei com medo, mas me contive.

Esse ser me disse que era Deus, a verdade suprema e absoluta, e disse que  eu havia cometido um pecado, mas que por ser o primeiro a desenvolver uma técnica para ir até onde ele estava, seria perdoado. Me explicou que não havia como reviver mortos, pois todos tem seu tempo e sua vida, vai de cada um saber como viver e morrer.

Eu me senti inferior, me senti um verme perto daquele que se nomeava Deus, pois não era capaz de reviver algo que tanto amei.

Implorei-lhe para que revivesse meu filho a todo custo, que faria qualquer coisa, que sacrificaria qualquer coisa. Mas então recebi um sermão daquele tal ser, e ele deixou gravado exatamente na minha memória aquilo que tinha me dito.

“Dotado de tanta inteligência e fácil compreensão das coisas, vem até mim e pede de joelhos para que realize um desejo tão egoísta? Deveria lhe punir por isso! Volte para onde veio e não procure mais, humano! Vocês não conseguem se apoiar nos seus próprios pés? Não conseguem caminhar sobre eles passo após passo? Aceite a regra de que aquilo que foi criado pode criar outras tantas vidas, mas nunca revivê-las com intuitos tão banais! Teu filho quis a guerra e com ela conseguiu a morte, não o interrompa em suas escolhas!”

Após me dizer tais palavras, olhei para o mesmo como se fosse pedir por algo mais viável, e foi o que fiz.

“Então deixe-me compreender tuas leis e passar para aqueles que necessitam da compreensão do universo, ensine-me o teu poder convertido ao uso das mãos humanas!”

E ele me disse:

“Para chegar até aqui, você estudou com muito esforço, já compreende os princípios humanos, e por tal feito lhe concedo este desejo, porém o próximo humano que tentar executar tamanho ato de egoísmo, será punido severamente! E mais! Jamais os avise de tal lei, pois a prevenção de tal ato vem do coração e da coerência de cada um. Portanto poderá passar meus ensinamentos para todos os outros humanos do mundo.”

 

- Então... – Edward havia chego há algum tempo junto de Karsh. – Você foi o primeiro alquimista, como condiz a lenda?

 

- Sim! Mas quem acabou passando o conhecimento de alquimia para o mundo foi na verdade o seu pai. – Disse o velho Flamel sorrindo. - Eu me isolei depois que passei meus conhecimentos para Xerxes, e comecei a andar pelo mundo aprendendo sobre alquimia de uma forma que nenhum outro alquimista teve chance de aprender.

 

- Flamel é dito como lenda pois nunca revelou sua verdadeira identidade para todos. Se passava por muitas pessoas enquanto estava por aí. – Complementou Hohenheim.

 

- Um dia resolvi parar em um lugar belo e descobri Creta. Apesar de ser conturbada por conflitos religiosos desde os tempos que vivo aqui, é uma cidade que vem se tornando cada vez mais bela! Alkaira era a capital de Creta, hoje é uma cidade independente.  – Contou o alquimista. – Digamos que os pais de Karsh e os avós, e os bisavós, eram revolucionários de uma ideologia atéia e anarquista. Eles se opunham a pressão e a guerra feita entre os clãs Kaima e Kalah. Há 50 anos o exército formado por estes revolucionários conquistou a capital de Creta e expulsou ambos os lados que brigavam por esta terra.

 

- Ainda existe guerra aqui. – Contou Karsh, encostado à parede de braços cruzados – Mas tanto Kaima quando Kalah estão sem forças pra nos enfrentar. Isso já tem três anos.  Flamel é que movimentou esta revolução, e todos aqui são gratos a ele.

 

- Mas agora, vamos dar uma pausa às aulas de história. – riu-se simpaticamente Nicholas Flamel. – Hohenheim contou para mim sobre o que vem acontecendo. Logo cheguei à conclusão de que a medida que os homens estudam a Alquimia, mais perto da loucura absoluta eles chegam. Ouçam bem o que eu tenho a dizer sobre meus estudos, talvez não os repita novamente.

 

Edward focou-se no seu suposto parente distante, assim como Hohenheim. Karsh continuou ali como se já soubesse do que se passava.

 

- A primeira coisa que vocês precisam saber é que, nada nos criou. Estamos aqui por acaso e não existe destino predestinado. – Flamel dizia aquilo com seriedade. – Não descobri as origens do ser humano por enquanto, mas aquilo que se intitula “Verdade”. É o núcleo do universo, ditador daquilo que é possível e impossível fazer. Não é humano e nem consciente perante os nossos olhos... Mas pode intervir na nossa mente quando estamos tendo ligação direta com ele, como por exemplo, entrar em sua dimensão após uma transmutação humana, ou abrir o portão com uma pedra filosofal.

“As pessoas quando morrem se unem a esse núcleo, e nele permanecem para sempre. Você Edward, e seu irmão, ao colocarem a informação da alma de vocês na composição da matéria humana, forneceram a imagem de sua mãe para este núcleo, e ao realizarem a transmutação humana, o recipiente se materializou nele. Isso acontece com todos os corpos transmutados, tenho quase certeza que o corpo do meu filho está guardado lá. Mas o motivo do oitavo homúnculo ter se apoderado do corpo de Trisha, foi pela humanidade pura da mulher que se converteria em uma personalidade maligna e perversa, fora que seria difícil pra você encarar a imagem de sua mãe como um inimigo mortal.”

 

Edward começou a compreender o sentido de tudo que vem acontecendo, achou incrível como Flamel conseguiu estudar toda aquela história, apenas com o resumo de Hohenheim, e quis saber mais sobre tudo aquilo.

 

- Quanto a Genesis? – Perguntou o loiro mostrando sua curiosidade. – O que ela tem haver com tudo isso.

 

- É algo que ainda desconheço de certa forma. Parece ser a fonte que alimenta a verdade. Algo como o subnúcleo do núcleo, e as dez emanações são grandes fontes de energia. Tanta energia que funciona equivalente a pedra filosofal ou até mais potente que ela. – Contou. – Talvez seja pra lá que as almas vão para serem convertidas novamente em energia.

 

- Isso é um tanto complexo. – Comentou Hohenheim. – Até eu que estou no ramo de alquimia há quinhentos anos, posso dizer que é em partes muito complexo.

 

- Isso significa que aquela Árvore sustenta o nosso mundo? – Perguntou Edward.

 

- Quase isso. Em minhas teorias, Genesis sustenta a Verdade que sustenta o Universo que sustenta Genesis, criando um ciclo. Daí cria-se o conceito “Um é o todo e o todo é o Um”. Genesis se alimenta a partir do fluxo positivo e negativo que o universo expele. Isso significa que a energia que ela absorve através desses fluxos é convertida em energia neutra, que sustenta a Verdade e essa distribui novamente para o universo. Pra ser mais exato, - tomou fôlego por um tempo. - a Verdade não interfere na vida de nenhum ser neste plano, neste mundo. Nós é que interferimos em tudo, tentando quebrar regras que ela impõe. Acontece que esse tipo de interferência que causamos prejudica o ciclo. Esse é motivo pelo qual existe punição quando tentam transmutar uma alma humana quando esta já esta sendo convertida em energia. É como uma autodefesa; age quando alguém tenta desequilibrar o ciclo entre estes três fatores que nos fazem existir.

“Há mais coisas no conceito ‘Um é todo e todo é Um’ que todos possam imaginar! Eu ainda não confirmei, mas é o que parece ser.”

 

O rapaz não sabia se ficava chocado com tanta informação, ou se refletia sobre os eventos que aconteceram até agora. Com as informações que ele possuía graças a Flamel, ele podia ficar mais tranqüilo agora.

Havia mais coisas que ele gostaria de perguntar, mas tudo tinha uma hora certa para ser questionado. Resolveu não se apressar tanto.

 

 

A noite caía em Alkaira, mas nem por isso a cidade parava. Edward estava sentado ali perto da casa de Flamel. O homem continuava seus estudos em seu laboratório, enquanto o jovem alquimista estava só, observando aquela noite estrelada do deserto. Levantou-se e rumou para o centro da cidade, que continuava ativa até mesmo durante aquele horário. Caminhou por várias ruas até que pode ouvir um som peculiar e avistar um horizonte escuro depois de um caminho de areias por trás de tijolos de granito. Era a praia.

O rapaz jamais havia visto aquela imensidão azul de perto, e agora ela se encontrava escura. Sorriu enquanto o vento litorâneo batia em seu rosto, levando seu cabelo, e as ondas quebravam nas margens da costa. Se aproximou mais, pisando na areia fina e branca, e avistou uma pedra que se estendia para bem longe. Direcionou-se até lá, subiu na pedra larga e longa e caminhou até  a extremidade.

O vento lá era muito mais intenso e as ondas eram muito maiores. Ele se sentia livre. Mas havia um porém... Seus pensamentos estavam presos nela. A saudade já estava apertando, e aquele lugar lhe deixava com mais vontade ainda de tê-la por perto.

 

Só mais alguns dias... Só isso.

 

E por mais que ele dissesse aquilo, não conseguia força o suficiente para disfarçar sua saudade pela loura fanática por automails.

 

- As noites desse lugar são deslumbrantes. – A voz de Hohenheim veio-lhe por trás.

 

- É... – Concordou. – Esse lugar é muito belo. Difícil de acreditar que exista miséria fora dos portões de Alkaira.

 

- Existe sim... – Disse o homem. – Eu pude ver com os meus próprios olhos.

 

- Me explica uma coisa? – Perguntou pela primeira vez como um filho pergunta para o pai. – Não tem nada haver com os outros, tem haver com tudo isso que aconteceu entre nós.

 

Hohenheim sentiu-se entranho, desde quando Edward quis ouvir o pai?

 

- Diga. – pediu.

 

- Naquele dia, em que você partiu pela primeira vez. O que te levou a isso?

 

- Sente-se... É uma...

 

- Longa história? – pela primeira vez o rapaz sorriu para o homem. – Você é realmente muito repetitivo, velho!

 

Edward sentou-se na beirada da pedra e Hohenheim sentou-se ao lado do filho.

 

- Eu vivi por muito tempo, caminhando por aí procurando um caminho, uma solução. Pouco a pouco eu fui perdendo a minha humanidade através dos séculos. O que me fez resistir foi a minha cabeça dura, coisa que você herdou de mim, mas chegou uma hora que nem isso resistiu à força do tempo e eu me fechei. – Explicou. – Até o dia em que eu conheci a sua mãe. Uma mulher normal, aparentemente. Mas aquele jeito de ser, aquela pureza... A tornava mais linda do que já era por natureza.

 

Edward lembrou do sorriso puro de sua mãe, sentiu uma melancolia muito grande, mas continuou ali, olhando para o céu enquanto ouvia Hohenheim.

 

- Ela conseguiu em alguns meses quebrar todo o gelo do meu coração, congelado ali por muitos séculos. Com isso meus planos de ter uma família, esposa e filhos se refizeram depois de muito tempo ali guardado só na minha memória. Logo você nasceu e um ano depois, Alphonse. Eu não conseguia me colocar no lugar de pai, na verdade, até hoje eu não consigo. – O alquimista fechou os olhos por um momento. – Eu me sentia um monstro, desde o momento em que aquela coisa implantou tantas almas no meu corpo. Tinha medo de tocar em vocês, tinha medo do que eu poderia ser no futuro para vocês.

 

- Então você fugiu? – Perguntou Edward dessa vez serenamente, sem nenhum tipo de agressividade. – Fugiu por que tinha medo de nos ferir futuramente?

 

- Foi um dos motivos... Mas certo dia, pressenti que Homúnculus iria iniciar suas atividades. – Explicou. – Tive que partir, e com isso aproveitei para tentar descobrir a cura para aquilo que me impedia de me colocar no meu lugar. Mas nada foi como eu imaginei... E se não era para ferir vocês de uma forma, acabei ferindo vocês de outra. Trisha morreu e vocês inocentemente cometeram um grave pecado. Se eu estivesse ali naquela hora, talvez Al estivesse vivo...

 

- Não diga besteiras, velho. – Protestou o filho. – Não tem essa de “Se eu estivesse, se eu pudesse.” Isso foi passado! Esqueça-o e olhe pra frente.

 

Hohenheim olhou surpreso para Edward, este tinha os olhos em chamas enquanto olhava para o céu estralado daquela noite.

 

- Eu sofri durante a minha vida toda, em arrependimento! Al se foi e eu continuei a agonizar. Agora eu sei que posso erguer a minha cabeça! Existem pessoas que nós amamos ao nosso redor! Esse mundo corre perigo, logo as pessoas que nós amamos também correm... Logo, nós também corremos o mesmo perigo. Família, amigos, são coisas importantes para nós humanos!

 

O homem sorriu ironicamente para o nada... Seu filho estava dando lição de moral no próprio pai. Por trás das lentes dos óculos, os olhos ambarinos do alquimista se encheram de alegria ao ver Edward de volta.

 

- Hohenheim! Durante muito tempo eu te considerei um monstro. – Comentou com a voz pesarosa e sem encarar o pai. – Mas você mostrou a luz para alguém que estava perdido entre a humanidade e o irracionalismo, você desde o principio estava lutando pra prevenir a destruição desse mundo.

“Eu não me arrependo de ter descoberto a alquimia e com isso ter tentado reviver minha mãe. Eu não me arrependo de ter perdido uma perna por isso e um braço por ter colocado meu irmão mais novo numa armadura. E eu me sinto fraco de não ter aceitado o desaparecimento de Al quatro anos atrás! Eu me sinto envergonhado de não ter derramado uma gota sequer de lágrima por ele...”

 

- Edward... – murmurou o homem pra si mesmo.

 

O rapaz se levantou e foi até a ponta da pedra colocando as mãos no bolso do sobretudo. O vento batia em sua face enquanto ele olhava para a escuridão.

Hohenheim se levantou também e fitou Edward de costas por um tempo.

 

- Pai... – Finalmente jogou essas palavras para o vento e estas chegaram em Hohenheim. – Se existe alguém a quem eu devo desculpas, é pra você. E se existe a quem muitos devem agradecer, esse alguém também é você.

 

Hohenheim se aproximou de Edward, abriu um sorriso de forma que jamais fizera, colocou a mão no topo da cabeça do rapaz, abaixou a sua própria e afagou o cabelo do filho. Edward achou aquele gesto estranho, mas deixou que ele continuasse.

O pai chorou baixo enquanto repetia o gesto. as lágrimas apenas caíam de seu rosto, enquanto ele discretamente soluçava.

 

- Velho fraco. – Riu ao comentar.

 

Parou a mão de Hohenheim e a segurou como num aperto de mãos.

 

- Seque suas lágrimas! – Ordenou. – Não é hora pra isso.

 

Ele limpou as lágrimas com a outra mão e olhou confiante para o filho.

 

- Tem razão! – Disse voltando a sorrir. 

 

Hohenheim soltou da mão de Edward e deu um passo a frente da rocha, na frente deles havia aparecido dois seres vestidos de preto e encapuzados.

 

- Ah! Que cena mais linda! – Riu-se Kray ainda sem identificar seu rosto. – Pai e filho se reconciliando! Pena que não vai durar muito... Não é mesmo Aurora?

 

Aurora nada disse... Apenas materializou a sua foice colocando-a por trás das costas, segurando com uma mão só.

 

- Guerreiros de Freiya... – Murmurou para Edward, Hohenheim.

 

- Esses caras se parecem com aquele homem que interceptou Ciel em Amestris. – Edward se posicionou devido a hostilidade de Aurora.

 

- Viemos aqui a mando de minha senhora! – Contou Kray ainda sem fazer nenhum movimento. – Viemos para tirar a vida de vocês.


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Notas finais do capítulo

Notas do Autor.


Opa! E aí galerinha.

Mais um capítulo terminado, e gigante!
Tenho algumas coisas para comentar aqui depois que vocês finalmente leram tudo isso. Sim! É sobre a explicação de Flamel. Foi uma explicação mirabolante, eu sei! E eu espero que todos consigam entender o que ele ( eu, no caso.) quis dizer. Espero também que não tenha ficado contraditório nem ao que ele próprio disse, e nem ao que Arakawa expõe na série original.
Outra coisa! A história esta se desprendendo do enredo original infelizmente. Eu devia ter esperado o termino do Brotherhood, mas tarde de mais, eu previ que isso ia acontecer, e se eu tentar forçar concertando certos erros eu vou acabar ferrando a minha história, e eu não quero que isso aconteça.
Tenho que comentar sobre Creta também. Bom já que Países como Aerugo e Creta estão só de enfeite no mapa original de FMA, eu resolvi dar aspecto e vida pra eles. Uma coisa que gosto é desenvolver coisas que os autores originais classificam só como mero detalhe, então Creta eu fiz como no oriente médio, espero que vocês tenham gostado. Não vou me aprofundar tanto por agora nesse país, eu só queria situar Flamel nesse ponto pra dar uma diferenciada e coisa e tal, fora que litoral é uma coisa que não é mostrada muito no enredo original. Areias desérticas e mar são uma perfeita combinação, e pode apostar que não será a única vez que irei utilizar este cenário!
Enfim, eu espero que gostem desse capitulo, juro que me esforcei, tanto nas batalhas, quanto no enredo central e nas explicações.
Um abraço! Vejo vocês no capitulo 14