Num mundo sem Sonho escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Hei, gente! Antes de mais nada, minha inspiração para escrever esse diminuto texto (levando em consideração o tamanho dos meus habituais) foi a própria QH Sandman, cuja qual parei de ler na edição 30.
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A primeira vez que ouvi falar dela fiquei surpreendentemente interessada, e busquei em vários sites até encontrar um no qual pudesse lê-la.
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Vendo personagens tão fantásticos, pela primeira vez eu decidi escrever por uma categoria específica... e aqui está o resultado.
Espero que apreciem... boa leitura ^^



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Eles nunca entenderam de fato o que a menina queria dizer. Ninguém foi capaz, mas tal pedido levantava muitos significados no mundo real. Talvez possamos perdoar a ignorância dos moradores que andam sobre as coisas mundanas. Eles não tem capacidade de abrir a mente para algo diferente do que estão acostumados. Eles só veem o que querem enxergar.

A menina, apesar de seus recém-formados dezesseis anos, não era infantil, nem imbecil, nem lunática. Ela sabia muito bem o que estava fazendo... bom, quase.

Em um dado dia , depois de noites e mais noites sem conseguir dormir, ela saiu a procura de um Sonho... foi perguntar aos seus pais, dizer o que queria. Dois pares de olhos desceram até a menina de cabelos dourados. Houve um duplo dar de ombros, e a levaram para cima, com um copo de leite quente e biscoitos, alegando que ela precisava dormir para sonhar.

Mas Victory, obviamente, mesmo com esses estímulos, não conseguiu nem dormir, muito menos sonhar. E depois de passar mais uma noite em claro, no dia seguinte, foi às ruas. Desta feita, procurou um de seus professores, e expôs o seu intento.

-Estou a procura de Sonho.

O homem coçou a barba, pensou e pensou. E deu a ela, tirando de sua biblioteca, um livro de contos-de-fadas. E como era um antigo professor, dos tempos de criança, bateu algumas vezes com gentileza sobre a sua cabeça, lhe desejando bons sonhos.

Victory não os teve... virou a noite lendo histórias, Branca de Neve, Chapéuzinho Vermelho, Os Três Porquinhos, Cinderella... nada parecia lhe dar sono, ou sequer deixá-la cansada.

Tentou uma terceira vez... perguntou agora para um conselheiro, da escola onde estudava. Ao ter com ele, este pareceu dá-la mais atenção. Mas então começou a debater com ela sobre o futuro... o que queria ser, o que queria fazer. Uma bailarina, cantora, atriz? Uma artista, arquiteta, advogada? Tantas profissões, tantas ideias, mas em nada ele conseguiu ajudá-la.

Victory mais uma vez para casa foi, e mais uma vez deitou-se para dormir, sem conseguir.

Mais um dia... a garota encontra um cientista.

-Estava a procura de Sonho.

Ela repetiu, teimosa.

-Sonhos são apenas sombras da realidade pequena... por que sonhar, quando você pode experimentar?

Ela não lhe deu mais atenção, foi logo adiante... naquele dia, encontraria o que buscava... mas as respostas que queria, nunca conseguia alcançar.

Um faxineiro compartilhou com ela o sonho que tinha de ter sido músico.

Um músico lhe fez uma canção improvisada.

Um padeiro lhe entregou um doce, chamado sonho, mas ela negou.

Sua cabeça passou a girar mais do que podia... ela foi a um médico, que lhe receitou um sonífero para conseguir descansar, e depois ligou para seus pais.

Mesmo com o remédio, ela não conseguiu dormir.

Achando que o problema era grave e psicológico, o médico a encaminhou para um psiquiátra. Este último já havia passado por bastantes problemas com outras crianças, algumas que dormiam e dormiam, e nunca acordavam. Ao ver uma adolescente sofrer um efeito contrário, ele se interessou. No entanto, começou a constatar – na cabeça dele, claro – que a garota tinha problemas mentais. Insistia que estava a procura de Sonho, e isso para ele não fazia o menor sentido, afinal ela não poderia dormir, e não poderia sonhar. Se era isso que queria, deveria estar aberta ao tratamento, mas era imune a todas as suas tentativas de fazê-la melhorar. Medicamentos, técnicas, hipnose, nada funcionava com Victory. Com o passar dos dias, e sem que a menina conseguisse dormir ou mostrasse sinais de melhora, o psiquiátra decidiu por interná-la.

Mas as pessoas que aqui andam deveriam saber bem, que juntar uma pessoa sã a doentes não a torna melhor, e sim a degrada.

Vic foi afastada, e as longas noites desperta e trancada em meio aos gritos e lamentações de seu hospicio a deixaram louca... Delírio se tornou a sua companheira de quarto. Um dia, enquanto ambas conversavam, coisas sem sentido para qualquer pessoa – e muitos ainda viam que a adolescente falava sozinha – Victory contou, em um tom mais baixo que o normal: -Sabe... uma vez eu procurei uma coisa... mas me disseram que não existia, que eu não podia ter, coisas assim. E então me prenderam aqui.

Delírio fitou-a, seus olhos desiguais, um azul e outro verde, os cabelos alaranjados de várias nuances se estendendo, flutuando, como se fossem feitos de vapor. Ela parecia muito séria, e era completamente desequilibrada... quando fora que Vic começara a lhe dar ouvidos? Não sabia.

-O que era, peixes? Sabe, eu posso te dar peixes... e borboletas... - ela fez borboletas descerem de seus cabelos e esvoaçarem em volta de Victory – não precisa se preocupar com a falta disso... as pessoas são todas meio bobas... elas se zangam por nada... por que se zangar por causa de peixes?

-Ahn, mas não eram peixes...

-Borboletas?

-Não, não... era Sonho... eu estava a procura de Sonho... acho que me abandonou.

-Ahn... o Sonho? Você estava procurando o Sonho? Vou te contar um segredo... ele é meu irmão mais velho.

Vic por um instante achou que estava salva. -Me leve até ele! - ela pediu. Mas Delírio, apenas negou com a cabeça.

-Ele sumiu. Fez puft. - e com isso ela abriu as mãos, como se descreve-se uma explosão – Ele já não trás sonhos. Ele foi embora.

-Como assim ele foi embora? Ele não pode ir embora!

Delírio apenas meneou a cabeça, e talvez para mudar de assunto, começou uma conversa perturbadora sobre algodões-doces, peixes, ratos com asas... sua parceira, no entanto, não participou desta vez... ela percebeu que, ao contrário do que todos diziam, em sua cabeça estava sã. E um dia, até mesmo Delírio parou de aparecer em seu quarto.

Seu próximo vistante foi Desejo. O ser, de traços andrógenos, cabelos curtos e ajeitados com gel, vestia-se com roupas estranhas, ela julgava... na maior parte das vezes, chamava bastante a atenção. Apenas ela, mais uma vez, o via. Ou se outros compartilhavam de sua visão, eles simplesmente faziam tal coisa em suas próprias mentes destruídas. Ele ofereceu a liberdade.

Victory não a quiz. Como eu disse, ela sabia o que estava fazendo... em parte. Não faria sentido sair dali para procurar uma coisa que transcendia a matéria física. E ela podia sair por si mesma. Não precisava de ninguém.

Só precisava mentir.

Quando Desejo também abriu mão dela, a adolescente, agora quase uma adulta, começou a botar seu plano em prática. Quando o psiquiátra vinha fazer sua visita costumeira, ela sempre agia como antes... no tempo em que ainda conseguia dormir. E sonhar.

Com o tempo, ele chegou a conclusão de que a garota parecia curada... ela fingia dormir, também, o que a impediu de ser mandada de volta para o hospital, para que dessem um jeito em seu sono. Victory saiu do hospício com dezoito anos. Ela não estava melhor do que quando ali entrara... mas ninguém sabia disso.

Seus pais nunca mais a viram. Ela partiu numa viagem sozinha, com tudo o que achava importante guardado em uma bolsa. Ela ainda queria encontrar aquele ser, e agora sabia de sua existência. Ela procurava encontrar o rei do Sonhar. Talvez isso fizesse com que pudesse descansar em paz.

No entanto, ainda que muito buscasse, nada encontrou. Quem já ouvira falar sobre ele, achava que era apenas invenção da humanidade. Quem acreditava, não se interessava em ir procurar. E desses, havia quem se interessara, e nunca achou pista alguma de seu paradeiro.

O Sonho tinha virado apenas um conto de fadas, pelo visto, ou um personagem de história de terror...

Os dias se tornaram meses, e Desespero fez sua morada no coração da jovem. Perdida, faminta, sem ter para onde ir, logo chegou a conclusão que havia feito uma grande burrice... talvez fosse melhor voltar para casa, pensava, enquanto a gorda e acinzentada Desespero se cortava em sua mente, com um anel em forma de gancho.

Nem isso durou, no entanto. Ela estava cansada. Queria descansar, e não conseguia, de maneira alguma. Parecia mais um zumbi do que uma pessoa. Mal dava para entender o que a fazia levantar-se todos os dias. Suas pernas doiam. Ela poderia ter sido uma dama comum, ter casado, arranjado uma família, fingindo que não tinha problema nenhum.

E no entanto ainda tinha. E mesmo que fingisse, não haveria como tirar isso de sua cabeça. Era um mulher, agora com vinte anos, e não dormia a quatro. Seu corpo não iria suportar mais que isso, e sabia bem.

O Desespero deu lugar a um sentimento de vazio... e foi assim que a Morte a encontrou... uma garota de vinte anos, com a aparência de trinta... olhos baixos. Cansada e faminta. Miserável em toda a extensão da palavra. Ela não era ninguém para as pessoas do mundo mortal. E ainda assim a Morte lhe deu mais atenção do que já tinham dispensado em toda a sua vida... quanta ironia.

-Hei, Victory... você sabe o que está fazendo aqui?

-Eu morri. -ela disse, simplesmente, enquanto olhava para o corpo que um dia fora dela, largado no chão, como se não passasse de um monte de trapos.

-Sim... sabe, eu esperava encontrá-la bem mais tarde... o que estava procurando? -ela passou os braços pelos seus ombros. Seu hálito era agradável... se tivesse visto ela em outra ocasião, lhe pareceria apenas uma moça da sua idade, gótica, com seus cabelos negros e espetados, sua pele pálida, as roupas pretas. A única coisa que chamava a atenção era um ankh pendurado em seu pescoço.

-Estava em uma busca. Mas sabe... ele nem deve estar mais nesse mundo... deve ser por isso que deixei de sonhar...

-Ahn... aquele idiota do meu irmão, desde que foi preso causou a maior confusão no reino dos vivos... francamente. -aquela que dizia ser Morte tocou o próprio queixo pensativa. -Mas bom... ele já está voltando a atuar, o que é um alívio. Vamos fazer um pequeno acordo? As coisas estão um tanto confusas por esses anos... eu te deixarei um tempo para encontrá-lo, enquanto resolvo outros assuntos... mas você tem pouco tempo.

E a moça correu, afastando-se dela, voltando a acenar. -Muito pouco tempo, não esqueça! Quando eu voltar, esteja preparada.

Era o quarto Perpétuo que a abandonava, e ela já havia adquirido conhecimento suficiente para saber disso. O estado atual em que estava, porém, era mais agradável do que seu corpo vivo. Victory deu as costas para o que sobrara de si e recomeçou sua busca... ela tinha pouco tempo...

Pouquissimo tempo, aliás...

E ainda assim, cruzar distâncias naquela forma era ainda mais rápido... e ela correu, e correu... e de alguma forma, ela atingiu um pensamento, ou apenas um rasgo no mundo? Tudo era diferente. Tudo parecia sair do sentido. Mas era algo divertido, aquilo de entrar no reino dos sonhos... mesmo que este estivesse semi-destruído. Não era apenas no mundo dos homens que a falta de Sonho se provara desgastante.

-Pequeno fantasma, tenho muito o que fazer... o que queres aqui?

Era uma voz sombria, sem dúvida, rouca... seu dono apareceu atrás dela, quando corria pelas estradas sem fim, em busca de um castelo arruinado. Ele era muito alto, e vestia um manto negro, que parecia feito de escuridão... e sua pele era pálida, como de todos os outros irmãos que conhecera. Seus cabelos se assemelhavam a um ouriço, e ela riu, apesar de estar em frente a uma figura respeitável. O que chamava realmente atenção em Sonho era seus olhos, que pareciam um céu de estrelas, negros e brilhantes. Vic nunca tinha visto olhos assim...

-Eu vim por você... quer dizer... eu não conseguia sonhar... eu morri sem saber o porquê.

-Eu estive preso por muitas décadas, pequeno fantasma. E agora que retornei, tenho muito o que resolver... muito a reconstruir.

-Eu sei... eu fiquei sabendo... mas, sabe... eu gostaria de uma compensação... não digo isso, mas... estou a quatro anos sem saber o que é sonhar.

-Compreendo... eu lhe darei um último sonho, o maior de todos... e então minha irmã virá buscá-la.

Era um fato que Sonho achava a garota ousada, mas tinha mais o que pensar, e muitas pessoas que tinham sido prejudicadas por sua ausência para auxiliar. De maneira que ele apenas tocou a testa dela, fazendo-a adormecer...

Em seu reino, até um fantasma poderia sonhar.

O que ela sonhou é um mistério, que apenas compartilha com o próprio Sonho. Quando a Morte veio para buscá-la, finalmente Victory pareceu feliz. Ela foi embora, para as terras-sem-sol, em paz.

Depois de alguns segundos de silêncio, o rei do Sonhar e a Morte se entreolharam. Ela, com seu sorrisinho de canto de sempre. Ele, sisudo, soturno. Era estranho ver os irmãos juntos, e ainda mais saber que ambos nutriam carinho especial um pelo outro.

-O que fez ela sonhar?

-É segredo.

-Você é tão sem graça, irmãozinho... bom, eu estou indo. Tenho muito trabalho a fazer... - ela bateu as mãos, girou o corpo... - é bom te ver de novo, sabia?

-Digo o mesmo, irmã...

A Morte era a única que, quando andava ao seu lado, lhe tranquilizava. Quando caminhavam juntos, ele podia ouvir o bater de poderosas asas. Ele voltou a olhar seu reino destruído, e a pensar em suas ferramentas perdidas. Ele tinha todo o tempo do mundo para resolver toda aquela bagunça.

Mas as pessoas aqui deste mundo, elas não sabem nada disso. E os médicos, que tanto dizem conhecer, não encontraram a razão para a doença de sono que se estendeu por mais de sete décadas. E é claro que ninguém se incomodaria de contar a história de uma menina que estava a procura de algo tão intangível quanto o Sonho.

Porque aqueles que andam por estas vielas materiais são fracos de imaginação... e também são apenas inteligentes sem serem sábios... e os verdadeiros sábios que existem entre eles são poucos... e estes não perdem seu tempo debatendo se os Perpétuos são ou não reais...

Eles apenas sabem...


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Notas finais do capítulo

Bem, essa é uma oneshot, então não, não terão mais capítulos. :(
Agradeço por terem parado pelo menos um pouquinho para ler essas linhas. Muito obrigada!
Eu me despeço por aqui. Tenham todos belos sonhos...
Kisses ♥



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