– E aí? Como foi a aula? – meu pai fez a mesma pergunta de sempre.

– Boa – respondi, entrando em nossa casa.

O cheiro de comida vindo da cozinha fez meu estomago se remexer. Minha mãe costumava todas as sextas-feiras fazer torta de frango, um dos meus pratos prediletos. Meu pai jogou sua maleta preta ao lado da porta e desabou no sofá, ligando a televisão em algum canal de esportes.

Subi as escadas até o meu quarto e sentei em minha cama. Sophia havia respondido a minha mensagem. Segundo ela, os seus pais estavam se separando e ela havia ido para a casa dos avós a pedido de sua mãe. Perguntei se ela queria que eu fosse até lá, e ela disse que iria passar na minha casa depois do almoço.

Minha mãe me chamou e desci as escadas. A torta havia acabado de sair do forno e estava no centro da mesa. Sentei em uma das cadeiras altas da bancada e comi assistindo a uma partida dos Senators. Meu pai comeu rapidamente, deu um beijo em minha mãe e voltou para o trabalho.

Estava ajudando minha mãe a enxugar a louça quando a campainha tocou. Era Sophia.

– Oi, Ana – ela cumprimentou minha mãe.

– Olá – minha mãe disse, com seu sorriso acolhedor de sempre. – John me contou o que aconteceu. Vamos te ajudar como pudermos.

– Obrigada. É bom saber que posso contar com vocês – Sophia agradeceu, subindo as escadas junto comigo.

Entramos em meu quarto e fechei a porta.

– E aí? Como foi? – perguntei, sentando ao seu lado na cama.

– Foi tudo muito rápido. Eu já havia percebido que eles não estavam conversando. Mas, hoje cedo quando vi que meu pai estava dormindo no sofá, entendi que as coisas não estavam tão certas assim. Eu estava saindo para ir pro colégio quando eles brigaram feio. Minha mãe disse que era pra eu ir pra casa da minha avó, que eles iam ter uma conversinha. Hesitante, eu tive que ir.

– E agora? Alguma notícia? – continuei.

– Ainda não. Minha mãe apareceu lá na casa da minha vó e disse que tinha tomado as melhores decisões para nós duas, só não me contou quais – ela disse, dando um suspiro cansado no final.

– Hum... Pretende dormir aqui hoje? – perguntei, vendo a mochila que ela trouxera em cima da cama.

– Acho que sim. Eu preciso pensar um pouco – Sophia disse, caindo sobre os lençóis. – Algum problema pra vocês?

– Não – respondi. – Não se você se importar em ir esquiar no gelo comigo.

– Agora?

– Tem alguma coisa melhor pra fazer?

Eu sabia que ela queria relaxar, esquecer aquilo por um momento. Esquiávamos juntos desde quando nos conhecemos. Então, como eu já esperava, ela topou.

Fomos até a garagem, onde eu peguei os meus patins e emprestei os da minha mãe a ela. Corremos para se aquecer até o parque, onde outros adolescentes estavam esquiando.

Sentamos em um dos bancos de madeira e colocamos os patins, deixando nossos tênis em uma mochila.

– Eu não acredito que estou fazendo isso – ela disse, ficando em pé.

– Você precisa relaxar um pouco – disse, segurando em sua mão, enquanto íamos até o pequeno lago congelado.

Aquilo me fez lembrar os meus primeiros meses no Canadá, quando eu não estava me acostumando com o frio, e Sophia havia me convencido a ir esquiar com ela. Naquele tempo eu não sabia esquiar muito bem, mas ela e Jimmy me ensinaram. Agora, com a neve caindo em nossos gorros, e com os cabelos loiros de Sophia balançando, ela ficava ainda mais bonita.

Estávamos lado a lado, esquiando como crianças, sem se preocupar com o resto do mundo. Ganhávamos cada vez mais velocidade, ultrapassando outros adolescentes.

Já fazíamos aquilo há dez minutos quando vi a menina que eu derrubei os livros entrando no lago. Ela esquiava perfeitamente. Sophia percebeu que eu estava a olhando e perguntou:

– Conhece ela?

– Sim. Ela é uma menina nova do colégio – respondi. – O seu nome é... Gabriela Lispector. Acho que é isso.

– Então já conversaram?

– Eu estava mandando uma mensagem pra você quando derrubei os livros dela sem querer. Aí eu descobri que ela veio de Nova York.

Não demorou muito para ela perceber que era eu esquiando e acenar. Acenei novamente, e ela se aproximou.

– John, não é mesmo? – ela perguntou, esquiando ao lado de Sophia.

– Sim – respondi.

– Você não me disse de onde veio – Gabriela continuou.

– Miami.

– Não sabia que os californianos gostavam tanto do frio assim – ela brincou.

– A gente se acostuma – disse.

Sophia pigarreou.

– Bem, essa é Sophia, minha melhor amiga – apresentei-a.

– Oi – elas disseram juntas.

Eu estava tão concentrado na conversa que não percebi que uma garota havia caído em nossa frente. Sophia e Gabriela desviaram, mas fui em direção a sua perna. Tentei pular por cima, mas já era tarde demais. Tropecei e rolei pela neve congelada, deslizando bons metros até conseguir parar.

– Oh, meu deus, John! – Sophia disse, sem conter a risada. – Você está bem?

– Acho que sim – respondi, levantando.

Olhei para a garota, que por sorte, não havia se machucado. Ela também estava rindo, junto com Gabriela e Sophia.

– Haha – fingi dar risada, abrindo um sorriso. – Muito engraçado!

– Foi mesmo – Sophia disse. – Eu precisava ter filmado isso!

– Nada de comentários no colégio, ok? – brinquei.

As duas continuaram rindo, enquanto eu verificava se nenhum osso estava quebrado ou deslocado.