Eu continuava de costas para Tony. Pelo tom de sua voz, ele estava furioso e isso não era bom, especialmente pelo fato de eu não ter como justificar minha mancada. Até eu sabia que não poderia ser grosseira agora, mesmo que minha língua queimasse em rebater.

– Você não me ouviu? – ele perguntou mais uma vez

– Ouvi. – eu me virei para ele lentamente, encontrando sua cara de poucos amigos

– E por que não me respondeu? – ele ergueu uma sobrancelha

– Estou muito cansada. – eu balancei os ombros

– Chegando em casa quase dez da manhã... – ele cruzou os braços abaixo do peito

– Olha, Tony, eu vou dormir. – eu suspirei fundo e pensei em caminhar, no entanto, ele falou algo que me impediu de concretizar meu pensamento

– Só vai sair daqui depois que me disser onde estava. – sua voz saiu mais autoritária do que de costume

– O quê? – eu disse surpresa – Você não está falando sério.

– E por acaso estou com cara de quem não fala sério? – ele me lançou um olhar intimidador – Vamos, Victoria, me diga onde se meteu a noite toda.

Como assim Tony queria saber onde eu estava? Ele nunca foi disso. Mesmo que eu chegasse tarde em casa, ele não me perguntava nada sobre onde eu ia ou com quem eu saía. Apenas me dava broncas pelo horário excedido.

Eu até poderia suportar um cara que se dizia meu pai controlado minha hora para voltar pra casa, mesmo que sem sucesso em suas imposições. Entretanto, querer saber onde eu estava era demais. Eu não era maior de idade, mas queria privacidade.

– Estava com aquele garoto... – ele continuou – Max?

– Alex. – eu o corrigi – E qual o problema?

– Apenas diga. – ele insistiu

– Era só o que me faltava. – eu ri sem humor e encarei o teto – Você no meu pé.

– Garota, é melhor ter cuidado como fala comigo. – sua voz saiu um pouco mais baixa, mas ameaçadora

– Ou o que? – eu dei dois passos em sua direção – Vai me mandar de volta pra Denver?

E lá se ia a chance de uma discussão ser evitada. Há três minutos eu até tentaria fugir de uma briga com meu pai, mas depois de sua intromissão, eu só queria lhe mostrar que nunca deixaria que ele soubesse nada sobre mim. Mesmo que tentasse.

– Pelo menos eu teria paz. – Tony revidou

– Se quer paz, eu sugiro que morra. – eu fui mais atrevida do que deveria, mas não me importava – Se bem que no inferno as coisas não devem ser nada calmas.

Por um segundo, Tony ficou calado. Extremamente quieto. Até pensei que havia parado de respirar, mas assim que o vi entreabrir os lábios e soltar o ar por eles, descartei essa tese. O que eu havia dito de mais que o fez parar assim, tão de repente? Talvez ele estivesse pensando numa boa e cruel forma de me castigar, já que estava agindo estranho naquele momento.

Depois de permanecer um bom tempo me encarando, eu percebi que havia algo no olhar dele, como pesar, mas não consegui decifrá-lo. Afinal, quem conseguia entender Tony Stark a não ser Pepper Potts? Também, ao menos tive tempo de tentar lê-lo, pois Tony desviou seu rosto, passando a fitar a janela da sala, que ia do chão ao teto, deixando os outros prédios próximos à vista.

– Eu só vou perguntar mais uma vez. – ele encheu o peito de ar – Onde você estava?

Dessa vez, porém, sua voz saiu diferente. Mais baixa e calma, se é que posso mesmo dizer que aquela brandura era calma. Sua expressão agora não era de raiva e sim de... tristeza? O que eu havia perdido? Será que ele e Pepper tinham brigado?

Por tentar entender sua mudança súbita de humor, não o respondi imediatamente e isso não o deixou nada feliz.

– Já que não está a fim de colaborar. – ele se aproximou passo a passo – Vai ficar um mês de castigo, sem sair com seus amigos.

– Como é que é? – eu elevei um pouco minha voz – Você não pode fazer isso!

– Claro que posso. – ele falou calmamente – Sou seu pai.

– Boa hora pra bancar o pai exemplar, Tony. – eu disse visivelmente inconformada – Não pode mandar em mim, não tem o direito.

– De acordo com a justiça, sim, eu tenho. – ele falou vitorioso – E essa é minha palavra final. Espero que não me desobedeça.

Antes que pudesse dizer alguma coisa, Tony se virou e começou a caminhar na direção da cozinha. Apesar de admitir que aquele momento havia sido esquisito, eu fervia de raiva por dentro só de saber que ele teve a ousadia de me colocar de castigo. Eu não podia ficar trancada em casa, tinha minha missão para terminar.

Mas eu não diria nada agora. Esperaria a tensão amenizar, então infelizmente, desobedeceria meu querido pai. Eu precisava sair e descobrir qual a intensão daqueles caras que estavam com os esboços das armaduras. Tudo o que estava acontecendo era incomum, mas eu daria um jeito.

Bufando contrariada, resolvi ir até meu quarto. Precisava de um banho e da minha cama urgentemente. Ainda bem que Tony não reparou nos arranhões na minha bochecha esquerda e em parte do meu nariz. Eles não eram tão visíveis quanto achei que ficariam e os que marcavam minha testa, escondi com a franja que ia até minhas sobrancelhas.

Após meu banho, vesti uma roupa confortável e me deitei na cama. Adormeci com as palavras de Tony em minha mente. “Pelo menos eu teria paz”. Se ele queria paz, que me deixasse com meus avós. Ele achou que uma filha sua seria um anjo? Além do mais, minha mãe também não era muito comportada, então minhas atitudes estão geneticamente equilibradas. Apenas geneticamente.

Dormi por um longo tempo. Despertei apenas quando ouvi batidas na minha porta. Sem disposição para levantar, eu afundei meu rosto no travesseiro e urrei cansada. Depois, me virei de barriga pra cima e fitei o teto.

– Só um segundo! – eu gritei na altura que consegui

Em seguida me virei até meu criado mudo e olhei o relógio digital. Eram quatro da tarde.

– JARVIS. – eu chamei o sistema de inteligência do meu pai

– Sim, senhorita Stark. – sua voz se fez ouvir pelo recinto

– Quem está batendo na porta? – eu perguntei

– Nesse momento a senhora Stark espera para falar com a senhorita. – ele disse

Senhora Stark. Era Pepper. Menos mal, caso contrário eu permaneceria aqui e não levantaria para abrir a porta para Tony.

Levantei e calcei uma sandália, indo atendê-la. Pepper e Tony tinham se casado há pouco mais de três anos, após os Vingadores terem ido embora da Torre. Eu não sabia ao certo o motivo da separação e também não perguntaria. O que mais me intrigava, porém, era o fato de Tony não usar mais sua armadura.

Antes de vir pra cá, fiquei um bom tempo sem ver notícias do Homem de Ferro. Só quando cheguei à Nova York é que descobri que aquele herói não existia mais. Era difícil acreditar, mas agora meu pai era apenas Tony Stark.